O dia em que decidi virar para o outro lado

Julio César B. Monqueiro
9 min readNov 12, 2014

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Por Julio César Bessa Monqueiro

Sempre fui motivado a me movimentar por objetivos. Se não tenho claramente definido aquilo que quero, minha vida simplesmente para. É a hora de repensar.

Não é a primeira vez que faço isso. Já desisti de cursos de graduação em renomadas universidades públicas. Sim, estou formado já em outra. Sabe aquela coisa de: “tá, vou ganhar dinheiro com isso, mas e aí?”. Já pensou, fazer aquilo que não te dá prazer e também não dá aquela vontade de fazer diferente todo dia, a sua rotina até os últimos de seus dias? Não, obrigado. Dinheiro? Ok, posso juntar dinheiro, deixar meus filhos ricos, ter muitos bens — mas aí chega o fim de meus dias, e aí, posso levar tudo isso para o outro lado? Não. Vai ficar tudo aqui, para as traças devorarem. Afinal, que adianta o homem ganhar o mundo todo e perder a sua alma? Nem sempre desistir é sinal de covardia; em certas situações, pode ser desde a mais hostil das atitudes (quando prejudica outras pessoas, por exemplo), como pode ser a mais nobre.

Quase lá

Mas o papo não é esse, embora seja na mesma linha de raciocínio. Ontem (10/11/2014), decidi parar e repensar o que queria para parte da minha vida. Chega uma hora que modelos da sociedade, opiniões alheias e principalmente a sua rotina — aquilo que você faz igual todo dia, toda semana — te encobrem de tal maneira que você nem consegue mais olhar o horizonte.

Quando trabalhava de dia e cursava a faculdade a noite, achava minha vida monótona e rotineira — quem dera. Depois de formado, e empregado em um órgão público, não tenho mais aquele trabalho para fazer em grupo, nem mesmo risadas para dar com aquela dupla que te acompanhava em todas as horas. Daí, minha vida se resume a duas coisas: trabalhar e ir para a academia.

“Ir”

O verbo “trabalhar” vai ficar para depois. O foco agora é o “ir”. Ir para a academia. Lembra dos objetivos? Quais será que eram os meus ao frequentar aquele local? Amigos já haviam me alertado sobre eu simplesmente deixar de frequentar outros locais ou fazer malabarismos elevados para não correr o risco de faltar um dia da semana na academia:

“Cuidado, você está se distanciando da costa, e o mar é traiçoeiro”. Mas no calor das braçadas você não escuta muito. Ouve, mas não escuta.

Aí quando você para e não consegue encostar o dedão do pé no granulado fundo do mar, é onde você acaba se tocando. Sem mais ondas: mergulhei no mundo da academia. Não podia faltar um dia: seis vezes por semana, cinco no mínimo, quando tinha algum outro compromisso inadiável ou inalterável. Treino intenso, com direito a uma autoflagelação chatíssima quando não saia do jeito certo, alimentação altamente controlada, e a pior parte, porque é a que mexe em nosso membro mais sensível: os suplementos e o bolso, respectivamente. Mal tinha dinheiro para sanar as despesas ao fim do mês, e as reservas estavam deficitárias, mas minha caixa de papelão chegava por Sedex todo dia 2. E lá se iam 15% do meu salário.

Prazer, função logarítmica.

Foi bem legal no início (que se deu juntamente com a readequação alimentar): medidas aumentando, roupas ficando apertadas, camisetas outrora largas não estavam mais: “chique, bacana”, dizia-me, frente ao espelho (da minha casa). Colegas saltavam-me elogios. Ótimo, excelente. Mas, como toda função logarítmica, quanto mais o tempo no eixo x avança, menos os resultados em y crescem. Chegou ao ponto dos resultados serem ínfimos e meu peso se estabilizar — mas os gastos eram os mesmos. Aí troquei a série, melhorei os suplementos e a alimentação. Veria se algo mudava.

Fase odontológica

Mas fui ao dentista. Um dente do siso vivia inflamando, meus dentes de baixo entortando novamente, era hora de usar o convênio odontológico. O resultado era o que esperava desde o início: remova-se todos os dentes do siso. Mal posicionados, inflamados, semi-inclusos, entortantes, tirem todos.

E lá fui eu, meio nervoso mas ansioso por livrar-me dele logo, tirar o bendito dente. Comecei, por opção minha, pelo mais complexo. E foi, mesmo. Para não dar maiores complicações, três dias de molho que, emendando com o final de semana, dariam cinco. Oh meus Deus, cinco dias sem ir à academia! Bom, vou tomar uns suplementos para não perder tanto. Mas era início do mês e os Correios, inexplicavelmente e assumido por eles, atrasaram a usual entrega em três dias por algum motivo que desconheço. Pronto, era o que precisava para o relógio desacertar!

Com isso, passei o primeiro dia todo, e parte do segundo de molho, em casa, sem os famigerados suplementos. Aí entrei em desespero: “vou perder massa muscular!”. E perdi, mesmo, já que só podia (e conseguia) ingerir líquidos, e cá entre nós, enjoam e não sustentam tanto. Bom, tudo bem, recuperaria tudo depois. Passados dois dias, já conseguia ingerir alguns alimentos, mas esqueça as granolas, cereais integrais e pães com “sementinha”: só comida fofinha; e nisso, tive que comprar algumas coisas que há tempos não comia, como o pão branco (moderadamente, claro). Minha primeira constatação: como é bom mudar a alimentação de vez em quando!

Mas ao quarto e quinto dia a dor, que havia passado nos primeiros, começou a aumentar. Fui ao dentista, e claro, porque não complicar: alveolite, ou seja, inflamou geral.

“Doutora, quanto tempo sem ir à academia?”, perguntava. “Mais três”, dizia ela.

“Já era”, pensei. Aí me veio aquele impacto. Inicialmente chocante. Muito chocante.

Depois da tempestade, a bonança

Mas depois me veio a bonança. “Mas espera aí Júlio, assim, de repente, mudou de opinião?”. Ora, se ela estava errada, em algum momento tinha que mudar. E mudou, de fato. Conto-lhe o porque: lembra-se dos tais objetivos que citei lá no início do texto? Sim, eles estavam de volta.

A tal massa muscular que tanto sofri para conquistar, suando a camisa toda semana por meses e meses, gastando 15% de meu salário com suplemento vezes a quantidade de meses comprando aquilo, simplesmente se foi (parcialmente) em questão de dias. “Ah Júlio, mas você recupera”. Não faço mais questão. Se vier é lucro, senão, não vou ficar triste. Pense comigo: todo esse tempo que investi em academia, deixando de ir a outros lugares; e todo esse dinheiro investido em suplementos, poderia ter passado longe do vermelho na conta, poupado ele e usado até para viajar. Minha nossa, o que poderia ter feito!

É aí que entra a relação custo-benefício.

Realmente vale a pena investir tempo em algo tão volátil? A tal boa forma que, em caso de doença, de dedicação a outros projetos (como filhos, talvez), enfim, de outras necessidades, não sabe te esperar? Vale a pena gastar tanto dinheiro com isso? Dinheiro tal que poderia usar em outras atividades mais prazerosas? Essa é a primeira questão.

A segunda é: “Tá, tenho um corpo legal. E aí?”. Vou morrer um dia, e ele vai ficar. Dessa vez não para as traças, mas sim para as larvas, fungos e bactérias; nem de herança pode servir. Qual o objetivo disso? A terceira: para que vou usar isso? Não para minha profissão; quem é atleta nessa área, é fisiculturista, parabéns, o caminho é esse e você ganha dinheiro com isso, eu não. E tem ainda a quarta: não estaria eu me tornando escravo da rotina, novamente? Deixando de lado tudo para me dedicar o máximo por semana à uma atividade que me dá um retorno praticamente inútil. Não, hoje resolvi virar para o outro lado, afinal, uma coisa é você se dedicar (desde que equilibradamente) à uma graduação, pós graduação, a um idioma novo, a um instrumento musical, porque tudo isso te dá retorno e não se perde de maneira fácil.

Sim, esse sou eu comprando o tênis no dia em que escrevi o artigo.

Calma, não estou dizendo para você largar academia, atividade física, alimentação balanceada. Nada, absolutamente nada disso. O que proponho é a reavaliação de objetivos. Sim, vou continuar indo à academia, menos vezes por semana, talvez umas quatro, três. Claro, vou continuar tendo a melhor alimentação possível, desde que também tenha sensatez de aproveitar as iguarias que temos oportunidade de experimentar debaixo do sol. E, obviamente, vou retomar uma atividade que há tempos não me dedicava: a corrida.

Me lembro muito bem de quando fazia musculação e corria, de maneira equilibrada: era muito mais feliz. E tinha um percentual de gordura bem menor: provavelmente, era até mais saudável. Suplementos? Deixe pra lá. Além de poder diminuir a vida útil de meu fígado e rins, posso ainda comprar uma coisa e colocar no estômago outra (muito mais barata, aliás). Não valem todo o dinheiro que investia por mês neles. Vou hoje comprar meus novos pares de tênis.

Moral da (primeira parte da) história

Objetivos? Saúde, distração, hobby. Hoje estou afim de sair com minha gata: vou. Amanhã, dar aquela corridinha lá naquela estrada de terra com um colega (ou não): vou. Depois, de puxar aquele ferro: vou. O que não vou é me prender a algo.

As palavras-chave são: objetivo, custo-benefício, equilíbrio, nessa ordem.

O primeiro para verificar o que você realmente quer com aquilo, onde quer chegar com isso a curto, médio e longo prazo; definido este, vem o segundo: a relação de quanto está investindo, em tempo e dinheiro, e quanto está tendo de retorno (não digo aqui apenas de financeiro, mas principalmente os além desse); e o terceiro, intrinsecamente ligado ao anterior: se não está forçando demais apenas um lado da balança. Afinal, tudo o que é demais faz mal, como diria minha saudosa avó.

O dia tem 24 horas, e a semana, 7 dias. O que tem feito de diferente nesta microescala?

“Ah, mas eu viajo uma vez por ano, duas vezes por ano para distrair”. Se atente ao que eu disse: esse intervalo menor de tempo. Afinal, é bom, é importantíssimo, mas a viagem X vezes ao ano, os eventos pontuais e tudo mais que você vai são medidas, remédios, que tratam a consequência. Mas e a causa? É aí que você deve se aplicar. A vida não deve ser uma montanha russa onde você, após as lindas férias, fica com o coração batendo forte só porque vai retornar ao desanimador trabalho.

Ah, o trabalho…

O trabalho é algo diferente. É uma coisa que você não consegue (acredito) viver sem. Trabalha com o que gosta? Parabéns, mas cá entre nós, nem todos os dias são flores. Trabalha com o que não gosta? Mude. Está difícil trocar de emprego? Reinvente o seu. Problemas de relacionamento, colega chato, folgado, falso, isso sempre terá, em todos os locais que frequentar, não adianta fugir. Eu trabalho em órgão público, e majoritariamente em algo que não é relacionado à minha graduação, então a rotina é a palavra de ordem — processos, formulários, sistemas, tudo mais.

Eu tenho duas opções: alterar minha rotina estudando para outro concurso, ou tentar fazer do meu o mais agradável por isso.

Por enquanto tenho feito o segundo: relevar as fofocas e problemas pequenos (ou melhor, rir deles); fazer o seu colega gargalhar com a piada sem graça; experimentar novos sabores no horário de almoço; tomar aquele café diferente; encher a garrafinha de água no outro bebedouro; trocar a música, o toque do telefone; ao invés de e-mail, usar as cordas vocais; não ter medo de dizer o que pensa, desde que não ofenda (tanto no conteúdo, quanto no formato). Essas e outras muitas medidas que crio no momento garantem a quebra da rotina diária que posso alterar. Afinal sistemas, formulários e processos não tem como.

Fechando

Eu adoro escrever, tenho um prazer enorme, e não ganho dinheiro quando pratico. Há muito tempo não fazia isso; hoje fiz. A moral da história é: não faça de toda a sua vida a dedicação a algo que vai ficar por aqui — trabalho, estudos, academia; pondere menos para as coisas que te dão menos retorno, e neste retorno inclui-se essencialmente o prazer. Saiba dosar bem cada uma das 24 horas do dia e 7 dias da semana. Afinal, eles são a maioria em toda a sua passagem por aqui. Trabalhar é importante; estudar idem; manter a saúde, muito — aí entra a corrida, musculação e alimentação. Mas tenha equilíbrio, porque seu dia sempre vai ter as duas dúzias de horas.

E aí?

Hoje, quando você sair desse lugar onde você está lendo esse texto, faça a rota alternativa. Vire para o outro lado.

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Julio César B. Monqueiro

Inconformado e curioso por natureza, minha paixão é criar, gerenciar, articular e melhorar produtos digitais. E café também.