Três poemas de Carla Diacov
um título que não chega ao coração
a coisa dita noutra pose
uma arma que serve a outros propósitos
a mala descarrilhada da viagem
a gente diz
perder a cabeça
como se fosse
água-viva
como se não
as letras do título
espalhadas no saguão do sanatorinho
veja bem é o título
veja bem
como é desnecessária a bula para perder a cabeça em
pleno safári íntimo
em noites mais quentes fazemos chás
da primeira mansidão da noite quente
chás
ou então sopas
das folhas imóveis das pedras agitadas
mentira
é que faz-me falta ter o homem do adubo
é que faz-me falta ter a mulher do adubo
nas noites mais frias faríamos sorvetes
ou então mentiras
é que eu estou só
estou só
conheço tudo pelo tato
em noites amenas estou só e toco a campainha dos vizinhos e corro pra debaixo do lençol só
uns fios de estar só
uns fios de cabelo na boca e só
o peso dessa espera me puxa pra cama
a gravidade dessa espera faz-me mais
longa me joga aos postes
me empurra ao largo das borrachas infláveis
estou só
conheço tudo pelo tato
a mentira dos olhos ouvidos
o truque nos joelhos dos poetas
faríamos chás sorvetes mentiras sopas
a mulher que sabia chorar pelada
a mulher que sabia escrever chorando
encostava os bicos no aquário e
chorava pelada sobre os peixes
chorava pelada sobre o tricô
a mulher que sabia chorar e varrer pelada
pelada a mulher que tinha mil e oitocentos espelhos
numa só parede amarelada
alcançava os temperos queimando as tetas
a mulher que sabia cozinhar pelada
sangrava onde passava o pano a enceradeira
a mulher que sabia menstruar pelada
a mulher que menstruava tocando harpa pelada
também cagava a mulher que sabia mijar pelada
olhava o frango pelado sobre a tábua
metia o dedo no cu do frango metia os dentes de alho e pimentas peladas
a mulher pelada e um cutelo na direita
a mulher que sabia chorar pelada
a mulher que sabia gargalhar pelada
era o nome dos cigarros de predileção do marido da vizinha
Carla Diacov (São Bernardo do Campo, SP, Brasil, 1975) é formada em Teatro. Estreia em livro, além da participação em algumas antologias, com Amanhã Alguém Morre no Samba, (Douda Correria, Portugal, 2015). Tem participação em diversas revistas online e impressas. Se atraca com as plásticas o tempo inteiro, movimento que a serve a construir em conjunto de matérias ou que a traz de volta às letras somando algo da extração da borracha. Gosta de abordar o sangue. Tende a ser serial. Em Agosto de 2016, publicou A metáfora mais Gentil do Mundo Gentil, (Macondo Edições, Juiz de Fora). Em 22 de Setembro, foi publicado o primeiro volume de Ninguém Vai Poder Dizer Que Eu Não Disse (Douda Correria, Portugal, 2016). Em 2017 lança mais dois livros de poesia e terá reeditados no Brasil, pela Macondo Edições, Amanhã Alguém Morre no Samba e Ninguém Vai Poder Dizer Que Eu Não Disse I e II.