João e Maria da era digital

Ana Paula Gomes
4 min readSep 7, 2015

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Faz muito tempo que você não tem mais privacidade e não sabe.

“Nós somos como João e Maria, deixando migalhas de nossas informações pessoais por todo lugar que viajamos através das florestas digitais”.

Esta frase é do CEO da Mozilla Corporation, Gary Kovacs. Neste TED Talk ele fala como as nossas informações são rastreadas a partir dos sites que acessamos todos os dias e chama atenção para algo que tem sido bem discutido hoje em dia: privacidade.

A discussão sobre a privacidade na internet é antiga e, no mínimo, contraditória. A privacidade é o direito que temos por preservar as informações da nossa vida. Isso garante que imagens, vídeos ou qualquer outra informação a respeito da sua vida não deve ser divulgada sem a sua autorização. Mas o que acontece quando você, por livre e espontânea vontade, resolve compartilhar tais informações publicamente?

O filme Takedown conta a história de Kevin Mitnick, um famoso hacker que há algum tempo atrás foi procurado pelo FBI por invadir diversos computadores e roubado informações importantes. Usando a “Arte de enganar”, título de um dos seus livros, Kevin usa da engenharia social para conseguir senhas e demais informações que ajudassem ele nas invasões. Na invasão de um sistema de operadora de celular, Mitnick chegou a buscar papéis jogados no lixo para coletar algum dado relevante. Tudo isso aconteceu na década de 90, onde as redes sociais nem sonhavam em estar com a adesão que temos hoje.

Cartão de visitas do Kevin Mitnick, com pedaços de metal feitos para abrir portas

Saímos da década de 90 e vamos ao ano de 2014. Hoje o Facebook, a rede social mais popular do mundo, guarda informações importantes a respeito dos usuários. Só para as informações do perfil, contamos onde estudamos, trabalhamos, moramos e nascemos, além da nossa idade, preferências e amigos. Então tem também as informações sobre as páginas que curtimos, vídeos, fotos, frases, sentimentos e tudo mais o que compartilhamos. Segundo a própria rede, “O Facebook é grátis e sempre vai ser”. Mas na verdade nunca foi grátis. Você está pagando o uso da rede com as suas informações. OK, as informações sobre a minha vida isolada não tem valor comercial algum. Mas o valor de 1,23 bilhão de usuários, de todas as partes do mundo, tem um valor muitíssimo alto. Pesquei o número de usuários do FB do UOL Tecnologia.

No século 21, informação é um dos bens mais valiosos. Sai na frente quem tem conhecimento.

A partir dessa grande massa de dados é possível extrair conhecimento sobre o comportamento e as preferências das pessoas. Não apenas nas redes sociais, não se engane. Operadoras de celular sabem onde você costuma ir, pra quem e quais lugares costumar ligar. Cartões de crédito sabem o que você costuma comprar. Uma certa vez vi até que a partir de dados de cartão de crédito era possível prever se alguém estava propenso ao divórcio ou não. O seu cartão de crédito sabe tudo.

Um exemplo bem simples aqui. Olhando a figura abaixo, o que você poderia dizer?

No mínimo que este perfil é de uma estudante que gosta de comer besteira, ir a barzinhos e viajar. :P

Bem vindos a era do Big Data

Apesar de hoje ser uma buzzword, esse conceito é antigo. Desde que computadores geram dados, são feitas análises de padrões. Entretanto, as técnicas para aperfeiçoamento de extração de conhecimento e padrões sobre uma massa de dados tem aumentado bastante. Vale muito a pena dar uma olhada na playlist do TED Talks “Making sense of too much data”.

Recentemente houve uma polêmica com o governo dos EUA a respeito do uso de metadados. O governo americano alegou que não mantinha registros telefônicos, apenas metadados, o que era inofensivo, segundo eles. Sério? Pra provar que não, alguns pesquisadores do MIT Media Lab ( ❤ ) demonstraram que a partir de metadados é possível predizer a sua personalidade. Em uma outra pesquisa, a partir dos dados de redes de telefone, é possível detectar gangues criminosas.

O lado ruim da história é que sua vida é um livro aberto. Empresas diversas podem ter acesso as suas informações. Seu humor, suas músicas preferidas, lugares que gosta de ir. Por outro lado, sistemas mais inteligentes podem surgir com base nestas informações. Muitas aplicações por aí já usam sistemas de recomendação para te ajudar a escolher produtos, músicas, roupas e tantas coisas. Com as informações que temos, podemos planejar melhor o trânsito, deduzir se existe uma epidemia em algum lugar ou até se está havendo algum terremoto. É possível também saber qual o perfil dos turistas, qual a movimentação deles dentro das cidades e de onde vem, por exemplo. Todas essas informações acabam colaborando para os dois lados: como usuários, ganhamos serviços mais personalizados; quanto empresas, é conhecido o mercado.

Às vezes me pergunto: e o fator surpresa? Cada vez mais tudo previsível, que sem graça. Mas não vou divagar sobre isso agora.

Você sabia que 81% dos brasileiros trocariam privacidade por qualidade de vida? Pois é. Estamos cada vez mais próximos dos Jetsons (esta a é a deixa para o próximo capítulo!).

Vejo você por aí.

Originally published at embuscadosim.tumblr.com.

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