Notas ordinárias — Mapas e Territórios (1 de 3)
Ordinário (adjetivo): conforme ao costume, à ordem normal; comum.
"Um pé de cada vez, mar a dentro, até chegar para o banho. Viro de costas para a imensidão em busca da barraca colorida, ou do prédio de arquitetura duvidosa que marcou minha partida. Percebo que as ondas desviaram meu corpo inteiro — não só pés, não só pernas; não só partes. E nesse caminho de suingue salgado (achada e também perdida) desenhei um mapa de instantes, na areia e na memória."
— trecho do meu diário pessoal.
Lembro bastante de ouvir, desde menina, as metáforas do meu pai sobre Mapas versus Territórios para tratar de como tentativas de representação podem diferir das supostas multiplicidades da realidade. Para os que viveram a infância na minha geração (década de 1990) a maior parte da experiência com mapas consistia em desdobrar folhetos plastificados em lugares desconhecidos, ou contar com habilidades primárias de desenho unidas ao bom e velho papel e caneta. Resgatei essas e outras memórias lendo Deleuze e Guattari falando sobre Kafka enquanto topógrafo de obstáculos¹, e percebi como essa discussão amplificada tem importância filosófica e (principalmente) dialoga com o entendimento da profissão designer.
Portanto, convido-os a partir nessa primeira leitura — de um total de 3 (três) partes — para adentrar neste território de conversas com amigos de jornada profissional.
1. 1 — Sobre reconhecer um mapa
com Pedro Luiz
"Um panorama, não um evangelho."²
Imaginar uma representação da realidade é como pensar numa peça de teatro sobre a vida de alguém, ou seja, no palco, ou qualquer recurso de evidenciação, estarão lá as limitações da linguagem.
"Se pensarmos numa representação plena do real, na escala de 1:1, é algo que deixa de ser 'um mapa' porque perde valor enquanto representação e se confunde (com o real) — e eu acho que esse é o momento mais interessante." — Pedro.
Então, um mapa só é mapa enquanto funciona como representação não-fidedigna? Com margem de erro?
Superficialmente falando, como faço muito aqui no Medium, se numa representação de total plenitude ele nega sua natureza requerente de representatividade, sim.
"Há uma incompletude no simbólico. O real tem o Tempo como dimensão diferencial, e essa é uma limitação do que está inserida nas construções com linguagem (mapas, palavras…), que eventualmente passam a não fazer mais sentido ou adquirem um outro significado. Com isso a gente aprende a desconfiar do simbólico, porque entende que ele é falho." — Pedro.
Falamos ainda sobre Tradução e outros desdobramentos da linguagem, no entanto, para cumprir com os objetivos deste texto seguiremos para o próximo tópico.
1.2 — Sobre trabalhar com mapas
com Giordano Cabral e Adá Queiroz
"Um conjunto de estados, todos distintos uns dos outros, enquanto o homem busca uma saída.”³
A "visão macro" é uma percepção que varia bastante entre profissões que operam nessa espécie de translado entre escalas de um mesmo território. Os professores — não somente os de Geografia (risos) — são pessoas que trabalham constantemente com registros próprios, de outros professores, de especialistas… O mapa, onde ele localiza-se ou não, seria aqui um artefato onde é possível consultar relatos de experiencias, marcá-las como "visitadas", e quem sabe até mesmo propor novos trajetos.
“Quando você começa a formar pessoas percebe uma angústia por respostas, uma necessidade de achar fórmulas, caminhos seguros... Mas, o mais comum é se sentir perdido, porque tem muita coisa sem solução certa mesmo..” — Giordano.
Portanto, mapas nem sempre são espacializados. Dentro desse entendimento, cientistas podem ser excelentes cartógrafos. E ainda dentro desse seguimento um grupo de pesquisa, por exemplo, pode ser visto como um organismo coletivo buscando gerar grandes guias que atenderão aos novos viajantes.
"Diferentemente de um itinerário no GPS, o mapa não lhe diz o caminho. Mas ele ajuda a lidar de forma positiva com a sensação de incerteza.." — Giordano.
Dominar um percurso pode auxiliar, no entanto, tão importante quanto este é o mapa de riscos no airsoft* por exemplo. Para desenvolver estratégias de defesa e ataque, os jogadores devem ter um bom conhecimento do terreno em que se dará a partida — não apenas em termos de locais, mas em termos de situações e eventos.
“Se entrarei num ambiente, identifico elementos hostis ali dentro. Só a partir de então penso: como vou me movimentar diante disso? Que partes do meu corpo vou expor? Eu fico entre protocolos e improvisação, e isso afeta diretamente minha forma de trabalhar.” — Adailson.
Em breve mais sobre estratégias em Notas Ordinárias 2/3.
*Airsoft é um jogo onde os jogadores participam de simulações com armas de pressão que atiram projéteis plásticos não letais. Fonte: Wikipedia.
Referência
- DELEUZE, G.; GUATTARI, F.; Kafka por uma literatura menor — 1, ed; 3. reimp. — Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2017. Cap. 4, Pág. 62.
- Idem. Pág. 69.
- Idem ao #2.