Então é Natal, e o que a inflação implícita fez?
Chegamos à época mais utilizada para revisar todos os erros e acertos que se passaram durante a última translação da Terra. E, por viver em um país da América Latina, uma das questões mais aguardadas é a de ver como que o cenário local está projetando inflação e como que a projetou durante o ano todo.
Apesar de todos já bem saberem que o passado não garante o futuro, é interessante pensar em como que o passado negociou a inflação implícita para tentar projetar o que de fato aconteceu nesse ano em relação com as médias históricas presenciadas.
Ressalvas
Logo de cara já gostaria de fazer algumas distinções e algumas ressalvas sobre os números que serão apresentados aqui:
- Os números apresentados aqui estão crus, não consideram que existe nenhum tipo de prêmio na inflação implícita, o que é real somente até o primeiro ano de projeção, a partir daí literaturas extensas sobre o mercado brasileiro demonstram que existe cerca de 12 a 20 bps ao ano de prêmio total (arredondando para facilitar o entendimento e contas aqui). Recomendo Vicente (2015)
- Apresentarei duas séries possíveis para análise, uma primeira (e mais utilizada) feita a partir de NTN-B (juros reais) e DI1 (juros nominais e permite facilmente comprar ou vender taxa) e uma segunda calculada com NTN-B e LTN + NTN-F (bootstrap da curva de juros prefixada de títulos públicos a partir dos dois títulos)
Visto que as séries de DI1 e LTN + NTN-F possuem diferenças entre as preficicações de taxas de juros futuras, existe diferença relevante na ponta final quando comparando implícita calculada por cada um dos métodos.
Além destes comentários, deixo claro que a série de NTN-B só começou a ser de fato negociada e registrada na Anbima e no Tesouro a partir de 2003, ou seja, é mais recente do que os títulos pré (2001).
Uma breve demonstração histórica
Historicamente parece que as inflações implícitas até 5 anos ficam muito bem contidas no intervalo de 4 a 6% na maior parte do tempo, as ocorrências neste intervalo correspondem a 39,45% do tempo para 6M e chegam a 69,47% do tempo para projeções de 5Y.
As distribuições demonstram que, ao analisar a série completa, o mercado brasileiro tende a projetar que o país entregue ao redor de 5,2% de inflação para os próximos 12 meses, com distribuição bem concentrada na região de 4 a 6%, mas, ao que aparenta, bi-modal com ocorrências bastante alocadas ao redor de 4 e ao redor de 6%, com menor alocação nos números intermediários.
Já ao analisar a situação desde 2017, demonstra-se uma evolução de implícitas para patamares bem mais elevados do que os registrados desde o impeachment de Dilma Rousseff (considero aqui o final de 2016/início de 2017).
Neste período, apesar de valores com evoluções mais substanciais, a média registrada nas inflações implícitas é ao redor de 100bps menor do que ao comparar com a série completa. Isso também se deve pelo fato anormal do período pandêmico na economia, que fez com que as implícitas registrassem os menores níveis da série histórica.
*Ao ignorar o período de 2020–2021, o número registraria alta de cerca de 20 a 30bps nos piores casos de média e 10 a 15bps na mediana
[BREVE RESUMO] Implícita durante governos do PT (Lula e Dilma)
Período Lula (2003 — 2011)
O presidente eleito possui um histórico relevante para ser analisado em termos de implícita, visto que passou 2 mandatos no cargo e agora vai entrar em mais um.
Ao considerar as mesmas distribuições, existe um aumento em relação ao período de 2017–2022 de cerca de 70bps, ou seja, o mercado precificou Lula historicamente entregando inflação 0,7% a.a superior ao que se tem registro em um período mais recente.
Período Dilma (2012 — Ago/2016)
Já no período Dilma, que mostra um grande desvio em relação aos outros períodos no Brasil, a inflação projetada pelo mercado de taxa de juros foi projetada em mais de 200bps acima do que registrado no período mais recente.
Projeções hoje
Apesar de demonstrarem as expectativas para com a inflação futura, a inflação implícita em termos anuais é menos representativa do que a projeção de caminho que ela de fato traz consigo, ou seja, como que, ao utilizar as implícitas, um investidor pode ver qual o caminho mensal da inflação projetada e, com isso, ver se a inflação romperá os limites ao redor da meta?
Claro que quando existem diversos vencimentos fixos interpolados da inflação implícita torna-se simples projetar o valor da inflação a.a que deveria ser registrada caso o mercado de fato acertasse 100% da sua projeção para os próximos anos.
Aqui trago dois exemplos de caminhos possíveis que o mercado projetou em 23/12/2021 e em 23/12/2022. Trago estas datas pois ambas foram em finais de ano e foram afetadas por discussões de rompimento de teto tanto por Bolsonaro quanto por Lula, o que pode trazer um patamar de igualdade (se é que é possível falar este absurdo) para tentar comparar dois momentos históricos no Brasil.
Vamos lá, independente da projeção, seja em 2021 ou 2022, há rompimento do limite superior de inflação, isso é um fato. A discussão aqui é sobre o cenário de rompimento. Em 2021 é nítido que a situação era muito pior do que o que está sendo visto agora em 2022.
Cenário 2021: a inflação implícita só passaria 5 meses dentro dos limites da meta, de 2022–12 a 2023–04, mas bem próxima ao limite superior durante todo o período
Cenário 2022: a inflação implícita passará (pela projeção) também 5 meses dentro dos limites da meta da inflação, mas com distância muito maior em relação ao limite superior, ou seja, um período igual mas com menor inflação registrada no acumulado (cerca de 1% para cada mês no YoY comparando ao cenário de 2021)
Quão voláteis são as implícitas?
MUITO.
Não tem como dizer outra coisa neste tópico. Entretanto, cabem ressalvas semelhantes às que foram feitas no meu último post, pois, assim como as NTN-B, o comportamento de volatilidade nas taxas é inversamente proporcional ao prazo até o vencimento. Ou seja, em relação às taxas, as implícitas mais curtas de fato apresentam volatilidades gigantescas pois uma mínima alteração nos trades de pré ou de NTN-B pode mexer muito o fit da curva para a data em questão.
Apesar dessa volatilidade, as implícitas mostram com mais precisão o que de fato é registrado pelo mercado quando se olha para 1 ano a frente, por exemplo (tópico para outro post).
O ano de 2022
Tudo bem, tudo bem, o resumo do ano chegou. Agora que apresentei os principais gráficos (ao meu ver) do comportamento histórico das implícitas, vou mostrar como que o ano de 2022 se comportou em relação aos outros anos.
Para os gráficos a seguir comparo médias contra médias, média de 2022 contra média e amplitude de diversos períodos, por cada um dos meses que o compõem.
O comportamento, dentro dos últimos 5 anos, chegou a ser grotesco quando consideramos o primeiro semestre, registrando números estressados ao redor de 7,5% a.a de inflação implícita nos piores momentos, muito fora do que as médias registradas no período de 2017 a 2021.
Ao fazer a mesma comparação contra o Governo Lula (2003 a 2011) a situação muda bastante, pois apesar de registrar números mais elevados do que a média do período, os números não destoam tanto do que foi registrado no período deste governo e, além disso, ficam bem contidos dentro da amplitude deste período.
Já comparando ao que foi registrado durante o Governo Dilma, os números do primeiro semestre voltam a ser bastante relevantes, mas pouco relevantes quando comparado ao que foi registrado no primeiro e último trimestres, o que dá pra pensar em como se comportariam as implícitas em um cenário de cauda.
My take
Apesar de um ano muito conturbado e atípico, o cenário visto em 2022 não foi tão distante do que registrado pelo primeiro Governo Lula em termos de nível de inflação implícita média (de 1Y) registrada para cada um dos meses.
Dito isso, o cenário precificado parece ser mais brando em termos de inflação para o primeiro semestre de 2023, mas com um estresse posterior que geraria aumento para fora dos limites superiores dos próximos anos, o que poderia justificar um ciclo de Selic alta por mais tempo (caso o mercado acerte as projeções).
Entretanto, por mais que as implícitas estejam um pouco melhores do que estavam no final de 2021, cabe aqui uma crítica. Será que o regime de metas cadentes com limites menores a cada ano é factível para o Brasil? Historicamente o Brasil só entrega inflação mensal dentro dos limites ao redor de 50% das vezes, 60% das vezes nos melhores casos, mas com erro médio de +1,88% historicamente.
Se for considerado a meta como alvo único, o Brasil só entregou inflação abaixo da meta 26,25% das vezes, ou seja, existe uma grande tendência de entregar números de inflação entre a meta e o limite superior. Para os próximos anos já se sabe que esses números foram revisados para baixo, permitindo menos margem de manobra para entregar os valores de inflação nesta região.
Inclusive, para o próximo Governo de Lula, vale colocar aqui o número de ocorrências em que conseguiu entregar números de inflação abaixo da meta, 25,9% das vezes, ou seja, não foge muito dos números médios registrados para o país.
- Bônus
Trago aqui um breve gráfico para análise do leitor, sobre a relação (que me parece inversamente proporcional) entre a inclinação da Estrutura a Termo de Inflação Implícita contra a Implícita de 1Y.
Apêndice A
Como calculei a inflação implícita:
- Caso LTN + NTN-F
Passo 1. Bootstrap feito para calcular a curva de juros pré a partir dos ajustes de mercado de LTN e NTN-F.
Passo 2. Fit por Svensson do YTM das NTN-B diariamente
Passo 3. Bootstrap da curva de juros real a partir dos fits de Svensson no YTM
Passo 4. Fit final por Svensson (1994) nas taxas de juro spot das NTN-B calculadas no passo 3
- Caso DI1
Passo 1. Fit diário por Svensson (1994) da curva pré nos ajustes dos DI1
Os outros passos são idênticos
Diferenças entre as séries para Implícita 1Y:
A diferença vem devido ao spread entre taxas de juros pré registradas nos títulos públicos e nos DI1:
Referências bibliográficas
[Neto et. al. (2019)] José Monteiro Varanda Neto, de Souza Santos, José Carlos, Mello, e Eduardo Morato. O mercado de renda fixa no Brasil: conceitos, precificação e risco. Saint Paul, 2019
[Santos e Silva (2017)] José Santos e Marcos Silva. Derivativos e renda fixa: Teoria e aplicações ao mercado brasileiro, volume 1. Atlas, São Paulo, 2017.
[Manual de Curvas B3] Manual de Curvas B3, acesso em: 23/12/2022
METODOLOGIA PARA A APURAÇÃO DE CURVAS DE PREÇOS E DE SPREADS TEÓRICOS DE TÍTULOS PÚBLICOS, acesso em: 23/12/2022
[Svensson (1994)] SVENSSON, L. E. Estimating and interpreting forward interest rates: Sweden 1992–1994.
[Vicente (2015)] VICENTE, J. V. M.; GRAMINHO, F. M. Decompondo a inflação implícita. Revista Brasileira de Economia, SciELO Brasil, v. 69, p. 263–284, 2015.
GILLI, M.; GROSSE, S.; SCHUMANN, E. Calibrating the nelson-siegel-svensson model. Available at SSRN 1676747, 2010