Negros brasileiros, conhecer o passado é compreender o presente.

radpreta
4 min readJun 8, 2020

Um lembrete a todos os negros e não negros brasileiros, de que a realidade do negro no mundo não é a mesma e tão pouco a construção de nossas lutas e histórias.

Com as atuais ondas de manifestação e levante negro no EUA, ouviram-se burburinhos incessantes de questionamentos latentes, “Mas e o Brasil?”. Recentemente tivemos a morte do garoto João Pedro, 14, no Complexo do Salgueiro, que poderia ser mais um estopim para uma forte onda de manifestações em imediato.

De antemão ressaltemos um ponto crucial, EUA e Brasil tiveram suas estruturas sociais e lutas enquanto racismo, desde abolição, feitos de formas completamente diferentes e entender isso é entender que existe um longo processo histórico por trás que justificam todos os atos tomados atualmente.

Voltemos ao passado, não aos primórdios do racismo, mas sim, pós abolição da escravatura. Em uma sociedade erguida estruturalmente a base de uma hierarquia racial em hipótese alguma seus beneficiados abririam mão de seus privilégios ou mudariam seus pensamentos, minimamente que assim fosse, pelo contrário, fariam de tudo para o perpetuar. Após abolição, 1888, deu-se início aos projetos de eugenismo in Brasil, a tese do branqueamento social (1888–1920). Sua proposta era simples, embranquecer a população Brasileira onde hoje seriamos uma nação completamente branca. Para tal acontecer as medidas eram simples: “embranquecer” os negros por base da miscigenação (e sabemos que miscigenação é fruto do estupro), marginalização dos negros os execrando de sociedade e direitos básicos para assim serem entregues as mazelas, e trazendo grande quantidade de imigrantes europeus para o país. Logo após, em 1930, ouve-se o primeiro ato de uma grande mentira perpetuada até os dias atuais, o discurso da democracia racial onde o Brasil se torna um país não de branco, ou indígenas, ou negros, mas de todos.

Mas veja como essa mentira é bem elaborada. Vende-se uma imagem de boa vizinhança e valorização as culturas porem negros são perseguidos incessantemente a ponto de não poderem se aglomerar, fazer suas celebrações, até mesmo religiosas, abertamente ou festejos sem sofrerem consequências. A Lei da Vadiagem, 1941, é um ótimo exemplo.

Importante ressaltar que antes, durante e depois de todo processo é possível a percepção de que o negro brasileiro foi rigorosamente socializado a ser “domesticado” para ser dócil, sempre com brancos e autoridades, e isso foi feito de forma minuciosa para ser posto em nossa socialização.

Agora observe, diferente do país ao norte, nós tivemos fortes projetos para embranquecer nosso povo, não satisfeitos, nossas mentes. O discurso de democracia racial cai como uma luva para incutir no mais fundo de nossas mentes a ideia de que o povo brasileiro é um só. Não existe branco, negro, indígena, existem brasileiros (quem nunca escutou aquele discurso “ninguém aqui é branco”?). Você quer forma mais eficiente e perversa de alienar, apagar e dizimar não só um povo, mas toda a sua cultura do que essa?

Esse discurso nutri além, ele atua onde mais precisa: os negros não se enxergarem enquanto “povo”, mas sim, uma parte do todo. Quando não olhamos para nós, negros, e não nós vemos como um povo em especifico, não conseguimos detectar o erro nessa estrutura social hierárquica baseada em raça, não conseguimos nos organizar, nós armar e principalmente, nós reconhecer. Enquanto reconhecer é importante ressaltar aqui a miscigenação brasileira e seu processo de conflito identitário. Um povo que não se reconhece, não sabe o que é, de onde veio e tão pouco sua história, não conhece os seus direitos e muito menos pelo que deve lutar. Todo o plano e processo de estruturação racial no brasil é bem amarrado.

Passando por apenas essa pequena ponta do iceberg é possível compreender alguns dos meios que nos trouxeram até aqui. Dizer que negros em Brasil nunca lutaram, ou não fazem nada e tão pouco têm consciência é provar zero de conhecimento histórico de nossa luta. A história do brasil está repleta de grandes exemplos de negros em levante (Revolta dos Males, 1855, é um belo exemplo). Ainda hoje não nós silenciamos, quantas vezes a favela não “desceu” e gritou pelos seus mortos?

A favela é inquieta e cirúrgica e esse é um sentimento/movimento comum para pessoas pretas que já entenderam o projeto genocida.

E se hoje, aos olhos de alguns, parecemos “pacíficos” é por puro reflexo da socialização a qual fomos moldados. A violência na essência do negro brasileiro é negada para tentar afastar a semelhança animalesca.

O racismo e toda sua estrutura no Brasil agem dento das pequenas linhas de forma cruel, camuflado, para que assim se perpetue por longo período sem que todos despertem e percebam que nós não somos “um só”, somos um país de vários povos, governado somente por um e que curiosamente sempre quis dizimar os outros.

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radpreta

Feminismo radical, movimento negro e umas opiniões que ninguém gosta