Por que devemos entender nossa posição no mundo: um manifesto
O neoliberalismo falhou conosco. Algum dia pensou-se em nos ajudar? Claro que não, também nunca tivemos a perspectiva de que de fato isso poderia se destacar como uma solução e um avanço da condição humana no globo. No entanto, diante do claro avanço das forças do Mercado e da mercantilização da vida humana, entender isso como um problema é o início da solução, que deve ser entendido, enfrentado e transformado.
No Brasil, desde o final da ditadura, a doutrina de Thatcher e Reagan começou a permear nossa mentalidade, nosso modus operandi e tomou força. Sentado na cadeira do Planalto, sem distinção de partido, apoderou-se da nossa classe trabalhadora e diluiu em muitos graus nossos movimentos sociais e sindicatos. A pseudo-burguesia brasileira só se fez presente para reproduzir os mecanismos sociais de Miami e se entregou a um projeto não-nacional, onde o lucro toma o lugar da riqueza. Os países de capitalismo desenvolvido chutam nossa escada rumo ao desenvolvimento. O pé na porta é palavra de ordem diante do atual cenário!
As ideias a respeito da sociedade e da história que prevalecem nos países que nos servem de referência — os países ricos do Atlântico Norte — mistificam o entendimento do existente ao suprimir a imaginação do possível. São deficientes na qualidade mais importante do pensamento social e histórico, que é a compreensão de como se fazem e se reconstroem as estruturas institucionais e ideológicas que dão rumo às sociedades.Vivemos, em todo o mundo, interlúdio reacionário durante longo período revolucionário na história da humanidade. Em vez de cumprir seu papel de antidestino, que associa a vontade de entender à ambição de transformar, o pensamento hegemônico toma o lado da fatalidade. Naturaliza os constrangimentos. (UNGER, 2018, p. 13)
Nesse sentido, nos é introjetado uma ideia de que fracassamos ao construir um país, um continente. Porém, esquecem que não fomos nós que criamos as fronteiras. Estas que escancaram muito: Veias estão expostas. O sangue latino jorra. O extermínio das várias histórias que temos não é por acaso. Descobrimento? Piada. É invasão, é matança — pelo pretexto de expansão comercial. Liberdade, Fraternidade e Igualdade só para eles. Para nós, a revolução é uma forma de afrontá-los. Se feita, então, por àqueles que são “suas” mercadorias — é necessário sua sentença. Não é atoa que o apagamento desta(s) história(s) é tão crucial à eles. Porém, a nós, seu ecoado é um outro caminho. É resistência!
Sabemos que as condições de reprodução da vida humana são socialmente e historicamente construídas. Nós, enquanto donos do nosso destino, fazemos a história! Porém, não nas circunstâncias que queremos. Claro, há um contar de histórias que quer tirar isso de nós: que são mecanismos supra idealizados que conseguiram transformar o mundo; que são instituições regidas por poucos que estão em pleno funcionamento e garantem o direito à democracia (só se for a deles). É preciso que um vírus apareça para escancarar esse modo de vida que, para nós, está fadado ao fracasso — mas que para eles é necessário a sua continuação.
Colocado, então, essa problemática, por que então não pensarmos outras formas de deslumbrar o mundo? Há tantas histórias construídas durantes vários séculos de humanidade e tão somente essa que nos é mostrada está correta? É a qual precisamos seguir? Por que essa linearidade em ver os eventos históricos, sociais e políticos? À quem interessa essa forma singular de visão de mundo?
Não temos nenhuma solução pronta, até porque não é essa nossa proposta. A ideia é debater, gerar provocações e levantar questionamentos ao cenário que se coloca. Compreender nossa posição global, na correlação de forças estruturais e (suas formas de opressão e dominação) é o ponto de partida para qualquer perspectiva de mudança. O “À curva da linha” é isso: uma tentativa de incitar o debate acerca dos desdobramentos da história humana como algo não-linear e que busca compreender e analisar as condições estruturais que se colocam, sejam elas políticas, econômicas e/ou sociais. Nosso objeto é o Sul Global, a periferia do sistema capitalista, o subdesenvolvimento, as histórias marginalizadas e, assim, pretendemos construir aqui um espaço com vários autores e acerca de diferentes temas.
“As ideias por si sós não mudam o mundo. Sem ideias, porém, não podemos mudá-lo. As que mais importam são aquelas que ligam o entendimento do existente à imaginação do possível — do possível adjacente, aquele que podemos alcançar a partir da situação em que nos encontramos, com os meios que já temos ou que podemos providenciar. (Ibid. p. 13)”
Texto em co-autoria por:
*Marcus Maello
Graduando em Ciência Política e Sociologia pela Universidade Federal de Integração Latino-americana. Pesquisador sobre Dependência Latino-Americana.
**Mauricio Doro
Graduado em Relações Internacionais pela Universidade Federal de São Paulo. Pesquisador em Política Externa Brasileira e Relações China — América Latina.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CHANG, Ha-Joon. Chutando a Escada: Estratégia de desenvolvimento em perspectiva histórica. São Paulo: Unesp, 2004.
GALEANO, Eduardo. As veias abertas da América Latina. São Paulo, L&PM: 2010.
JAMES, C.R.L. Os Jacobinos Negros: Toussaint L’Ouverture e a revolução de São Domingos. São Paulo, Boitempo, 2000.
MARX, Karl. O 18 de Brumário de Luís Bonaparte. São Paulo: Boitempo, 2011.
UNGER, Roberto Mangabeira. Depois do colonialismo mental: repensar e reorganizar o Brasil. São Paulo: Autonomia Literária, 2018.