Água de Salsicha Convida — Luiz Felipe Reis

Água de Salsicha
Água de Salsicha
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6 min readJul 4, 2018

O Água de Salsicha Convida é um espaço para nossos seguidores soltarem o verbo sobre algum aspecto da Cultura Pop. Viu alguma coisa que explodiu tua cabeça? Ouviu algo inesquecível? Escreve um texto descompromissado pra gente!

Hoje, é a vez de Luiz Felipe Reis! Essa é sua estreia no quadro. Ele é advogado, cosmopolita, apaixonado por futebol, beatlemaníaco e entusiasta das novas tecnologias. Dentre outros hobbies, é escritor. Ele versa sobre "Perdidos no Espaço", a série de ficção científica que tem agora uma releitura na Netflix. Fiquem com ele!

Perdidos no espaço… e no tempo

Chariots exploram o novo planeta.

Em abril deste ano a Netflix lançou mais uma série original que alcançou relativo sucesso. “Perdidos no Espaço”(Lost in Space, no original) pode não ter sido um daqueles seriados que viralizam e atingem o efeito “La Casa de Papel” — aquele no qual todo dia alguém te pergunta se você já assistiu -, mas também está longe de ser tachado como “mais do mesmo” no quesito obra de ficção científica cujo plano de fundo é o espaço sideral. Muito pelo contrário. Trata-se de uma série riquíssima que narra as complicações da saga da família Robinson em sua missão de colonizar um novo planeta dando início à migração da humanidade para fora de uma Terra que está se tornando inabitável em 2046. A narrativa engloba a ação proporcionada por uma aventura espacial, o suspense envolvido pela sensação de estar perdido e cercado por um ecossistema totalmente desconhecido, o drama nos relacionamentos entre uma família com histórico problemático e os demais personagens que vão surgindo e até mesmo a ciência da engenharia espacial. Isso sem contar na fotografia estonteante, presente em diversas cenas ao longo dos episódios.

A Júpiter 2 no momento em que os planos começam a dar errado.

Além de todos estes elementos, a série é dividida em 10 episódios que duram entre 47 e 65 minutos e te fazem sempre querer continuar assistindo em busca das revelações dos mistérios do passado e do desenrolar das missões desenvolvidas no novo planeta. Ou seja, “Perdidos no Espaço” é uma série perfeita para ser maratonada.

No entanto, o que torna a obra ainda mais interessante é um fator que poucos conhecem e parece ter se perdido no tempo: este é um reboot de uma série de televisão de 3 temporadas que foi transmitida entre 1965 e 1968, justamente durante a época da Corrida Espacial, uma disputa inerente à Guerra Fria entre Estados Unidos e União Soviética pela supremacia da exploração e da tecnologia espaciais. “Perdidos no Espaço” original foi produzido e lançado ainda em preto e branco (em cores a partir da 2ª temporada) em um momento em que a URSS havia tomado a dianteira da rivalidade ao lançar ao espaço a cadela Laika em 1957 e o primeiro homem, Yuri Gagarin, em 1961. Neil Armstrong só viria a pisar na Lua em 1969, já após o encerramento do seriado. Todo esse contexto histórico, aliado a inovadores efeitos especiais, justificam o enorme sucesso que o programa televisivo teve no seu tempo.

Boxes de DVDs da série original. Áudio dublado da década de 1960 dá um charme especial, mas também há a possibilidade de assistir em inglês.

Claro que comparações entre as duas produções tornam-se inevitáveis. Se por um lado os personagens que compõem a família Robinson, o icônico Dr. Smith e o Robô estão novamente presentes, é bastante considerável a diferença na composição de suas personalidades.

Molly Parker interpreta Maureen Robinson.

A começar pelos Robinsons, a imagem de uma família americana perfeita e que vive à base de um sistema patriarcal é revolucionada. Na criação da Netflix, as mulheres se empoderam e assumem papéis e perfis mais relevantes, protagonizando por diversas vezes tarefas arriscadas e trazendo soluções aos obstáculos trazidos pela trama.

O Robô B9 e o Dr. Smith (Jonathan Harris).

O Doutor Smith por sua vez, personagem folclórico vivido originalmente pelo ator Jonathan Harris, tornou-se Doutora Smith na pele de Parker Posey. Se antes o Dr. Smith foi o espião de uma nação inimiga responsável por sabotar a nave Júpiter 2 ao mesmo tempo em que era um grande medroso que ficou preso na própria armadilha, trazendo tons de mesquinhez combinada com comédia, pouco se sabe sobre a misteriosa Dra. Smith. Apesar de manter seu tom incógnito e o seu egocentrismo, esta é uma personagem com muitos mais detalhes a serem explorados.

Contudo, a principal mudança está no Robô. O Robô B9 dos anos 1960 já assumia um conceito de inteligência artificial bastante avançado para o período. O que eles chamavam de “controle automático” nada mais era do que a ideia de um ser robótico que aprendia e desenvolvia tarefas por si só. Apesar de ter sido o objeto da sabotatagem do Dr. Smith para destruir a nave e frustar a missão dos Robinsons, em pouco tempo ele é reprogramado e vira um grande aliado nas tarefas dos astronautas. Por outro lado, o Robô do século XXI é um ser profundamente enigmático sobre o qual ninguém sabe a origem e as verdadeiras intenções.

Fato é que a série desenvolvida pela Netflix bebeu da fonte original e soube muito bem manter as características do seriado que fez sucesso e entrou na memória afetiva de muitos telespectadores ao redor do mundo. Além disso, os meios de transporte como a nave Júpiter 2 e os carros terrestres Chariots também estão presentes. O grande toque de maestria está na renovação de todos estes pontos para que se adequem à realidade e ao público atual.

Afinal, a conquista da Lua pelo homem já é um fato trivial para todos e a exploração de Marte é uma realidade há alguns anos. Mesmo assim, a força que move a humanidade por novas descobertas ainda segue bastante viva, assim como a curiosidade de entender até onde vai o universo e o porquê de seus mais variados fenômenos.

Se você soubesse que a Terra está a ponto de ser tornar um local inóspito e que a única solução é torcer para que uma família chegue sã e salva a um novo planeta para dar início à sua colonização, você não apenas torceria, mas também acompanharia cada passo deles. E é isso que você deveria fazer, sem tantas preocupações e com muito mais diversão, assistindo “Perdidos no Espaço”.

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