A Chegada: um filme póstumo de Stanley Kubrick?

Arthur Ferraz
Água de Salsicha
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5 min readNov 27, 2016

Finalmente começou a melhor época do ano para ser cinéfilo, a temporada do Oscar. Se Dennis Vilenueve já vinha namorando a premiação à alguns anos, desse vez sua cadeira no festival está praticamente garantida. A Chegada surpreendeu muita gente ao levar o prêmio do Festival de Veneza, que historicamente não premia filmes de ficção científica. Apesar do status de popstar do filme, sua estreia em solo brasileiro foi bastante tímida, vários cinemas grandes deixaram de exibir e o público parece não ter comprado o filme, uma pena. Mas ainda tem jeito, com a iminente participação no Oscar, muitos cinemas brasileiros devem reexibir essa obra-prima.

A sinopse já dá o tom de mistério que permeia todo o filme: doze estranhas naves aparecem em diferentes pontos do globo sem motivo aparente. Essas aparições causam um alvoroço no mundo todo, que começa a tentar entender mais sobre aqueles misteriosos objetos. A linguista Louise Barkes (Amy Adams) e o matemático Ian Donnelly (Jeremy Renner) são convocados para liderarem um equipe que tem como objetivo tentar se comunicar com as naves.

A própria premissa já exibe uma característica marcante do filme, ele é diferente. A abordagem da linguagem como ciência é bastante inovadora e feita de forma a refletir como nós lidamos com a comunicação. A escolha dessa temática enriquece muito a trama e é importante para encaramos aquela situação por um novo ângulo. O fato de ser um tema pouco explorado nos deixa em posição muito desconfortável e intrigante, ao mesmo tempo estamos nervosos por não termos noção de para onde a história pode ir e curiosos por não termos noção de para onde a história pode ir.

O uso de símbolos é muito forte durante todo o filme. Inclusive a questão de representações gráficas e seus significados é pauta para discussão entre os cientistas, uma metalinguagem sútil porém muito bem colocada.

As comparações com 2001 são quase inevitáveis, Vilenueve certamente fez um trabalho que deixaria Kubrick orgulhoso. Apesar de seus filmes terem estéticas bastante diferentes, a forma que ambos contam a história é bastante similar. Uso de metáforas, exploração da mente humana e o fato de deixar muita coisa subentendida são características marcantes de Kubrick que estão presentes em A Chegada. Aliás, cabe aqui um esclarecimento, o longa não é o tipo de conteúdo fácil de digerir, não espere um sci-fi com explosões e muita ação. É muito complicado comparar filmes de épocas tão distintas, porém podemos dizer que A Chegada tem potencial de ser tão influente quanto 2001.

Esq: Depois de Assistir Insterstelar; Dir: Depois de assistir A Chegada

Em termos de premiação, Amy Adams muito provavelmente concorrerá à estatueta de melhor atriz. A atriz está muito bem em seu papel e contribui de forma muito positiva para a construção dramática da história. Quem vem muito forte pra premiação é o compositor Jóhann Jóhannsson, que já bateu na trave nos últimos dois anos com Sicario e A Teoria de Tudo. A trilha é um dos grandes destaques do filme, o clima de tensão contínua só é possível graças ao brilhante trabalho de Jóhann.

Dennis Vilenueve já vinha a algum tempo chamando atenção da crítica, porém A Chegada parece ter consolidado o canadense como um grande diretor. A forma que ele conta a história é absolutamente fascinante, ele é capaz de parecer sempre estar dois passos a nossa frente, e nos zombar por isso. Porém tudo isso é feito de forma muito natural, quando mal percebemos já estamos totalmente imersos naquele universo e roendo as unhas para saber qual vai ser o próximo contorno da trama. Apesar de vir forte para o merecido prêmio de melhor diretor (além de melhor filme), a academia historicamente não premia filmes do gênero de ficção científica. Espero que eles tenham mudado um pouco após os recentes Gravidade e Mad Max, podendo dar o devido valor que esse filme merece.

A Chegada é certamente uma obra-prima da ficção científica e tem franco potencial para ser tornar um marco do estilo. A forma crua e quase mágica que é abordada a exploração de um novo ambiente é muito cativante, nos faz sentir como crianças assistindo um filme de fantasia. Se você ainda não assistiu esse grande filme, corra que ainda dá tempo!

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Arthur Ferraz
Água de Salsicha

Sagitariano que ignora qualquer informação sobre signos. Adora tecnologia e pensar sobre o futuro. Escritor do Água de Salsicha nas horas vagas