"A Morte de Stalin" satiriza a política universalmente

Caio Simão
Água de Salsicha
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6 min readJun 7, 2018

Sátira política inteligente tira sarro dos eventos relativos à morte de Stalin.

A Morte de Stalin(2017)

O originalíssimo humor britânico ataca, dessa vez, o Partido Comunista. A Morte de Stalin(2017) é uma comédia que satiriza a política de maneira geral, com foco nos eventos próximos à morte de Josef Stalin, secretário-geral do Partido Comunista da União Soviética de 1922 até 1953.

Indicado ao BAFTA 2018 nas categorias de Melhor Filme Britânico e Melhor Roteiro Adaptado.

O longa é dirigido por Armando Iannucci, que tem experiência no assunto de debochar da política. Ele é o criador da série de sucesso "Veep". O filme é britânico e seu elenco conta com nomes de peso como Steve Buscemi, Jeffrey Tambor, Simon Russell Beale, Michael Palin e Adrian McLoughlin.

O filme tem sua estreia marcada para o dia 07 de junho e é distribuído pela Paris Filmes.

A sinopse

O ditador soviético Josef Stalin(Adrian McLoughlin) não tem o menor pudor para executar quem o incomoda. Se você entrar na lista dele, pode ir se despedindo do mundo. Quando o líder surpreendentemente morre, grandes figuras do Partido Comunista como Georgy Malenkov(Jeffrey Tambor), Nikita Khrushchev(Steve Buscemi) e Lavrenti Beria(Simon Russell Beale) começam uma batalha nos bastidores para obter o poder que Stalin deixou vago.

O fato principal.

Ritmo, roteiro e trilha sonora

Vamos começar analisando alguns aspectos do filme. Seu ritmo é, indubitavelmente, acelerado e cativante. Uma tendência natural de filmes de sucesso atuais, o ritmo rápido prende mais facilmente a atenção do espectador e funciona melhor principalmente para comédias. Como o filme não tem duração muito longa (1h 47 min) o ritmo rápido é mantido por quase todo o longa sem que isso te canse. Diálogos rápidos, edição precisa e piada pra todo lado.

O bom roteiro é amigo do ritmo, já que somos bombardeados com piadas inteligentes a todo momento e por isso, a estratégia de entretenimento do filme funciona bem. O longa tem seus melhores momentos explorando o medo que Stalin causa em seus funcionários e a falsidade escancarada que eles mostram para conseguir bajulá-lo. Mesmo as piadas são escolhidas milimetricamente para agradar o grande líder soviético e, mesmo assim, a qualquer momento pode-se ir parar na temida lista dele. A imprevisibilidade mantém um clima ao mesmo tempo tenso e hilário. Um político que parecia amigo e sem problema algum de relacionamento com Stalin recebe o "adeus para sempre" do nada por parte de Beria, ex-chefe da NKVD, responsável por sua lista negra da morte. O que é o humor se não a quebra súbita de expectativa?

A trilha sonora do filme é escassa e aparece mais nas transições de cenas. São muitas cenas de diálogos rápidos que recusam racionalmente a presença de uma trilha marcante. Quando ela aparece, é uma versão atualizada do hino da União Soviética. Faz sentido e traz um aspecto divertido. Outro ponto positivo. Saber quanto usar e como usar a trilha.

Nikita Khrushchev(Steve Buscemi) organiza o suntuoso funeral.

O elenco pesado e o humor britânico

O elenco do filme conta com atores experientes, de sucesso e que têm intimidade com a comédia. Quem se destaca por mais tempo é o trio Steve Buscemi, Jeffrey Tambor e Simon Russell Beale.

O Mr. Pink de Cães de Aluguel(1992) vive agora o importante político Nikita Khrushchev. Pessimista, atrapalhado e perspicaz, o personagem acaba sendo o mais fácil de se torcer para, apesar de sua imoralidade destacável. Buscemi vai conseguir te fazer rir e seu personagem cativa.

O vencedor do Globo de Ouro por Transparent dá vida a Georgy Malenkov, o ingênuo e facilmente manipulável sucessor imediato de Stalin. Fica claro que ele só assume a posição mais alta porque pode ser retirado a qualquer momento como uma peça descartável de um jogo. Seu esforço em conseguir respeito é um deboche à falta dele. Tambor é engraçado naturalmente e suas expressões faciais vão te fazer rir, bem como suas falas surreais.

A estrela de Penny Dreadful vive o pragmático e ambicioso Lavrenti Beria, chefe da NKVD. Apesar de todos os personagens serem imorais, Beria é um caso a parte. Ele poderia fazer qualquer coisa para chegar ao poder e sua falta de escrúpulos é mais escancarada. Ele funciona como um antagonista que parece que tem tudo sob o controle sempre. Curiosamente, tudo dá errado pra ele.

De maneira geral, o elenco merece críticas positivas. Não faltaram representações que impulsionassem o humor característico britânico. A primeira cena do filme, na qual Sergei(Tom Brooke) e Andreyev(Paddy Considine) lutam para atender a um pedido especial de última hora de Stalin, lembra demais uma sketch que o Monty Python poderia fazer. A cena inicial já mostrou o tom que o filme teria e foi muito criativa.

A sátira é de caráter universal

Logicamente, utilizar o Partido Comunista da União Soviética para representar o que a política tem de pior não agradou Putin. O filme britânico irritou os russos e teve sua produção duramente criticada pelo governo do país.

Entretanto, a crítica subliminar do filme é mais universal do que propriamente focada na URSS. Claramente, vemos situações que podem ocorrer e ocorrem com frequência no sistema político por ser assim que ele se mantém. Hipocrisia, bajulação, tráfico de influência, corrupção e sedução pelo poder são características colocadas mais como defeitos humanos do que soviéticos.

O saldo e a mensagem

O filme merece o reconhecimento positivo que a crítica e público vem acenando desde o início de suas exibições no Festival de Toronto de 2017. Sua proposta de sátira funciona, seu elenco é eficiente, seu roteiro é inteligente e engraçado e o melhor do humor britânico está presente. Um ótimo filme de comédia.

A mensagem do filme é essa grande descrença com a política tradicional. Um sistema que obriga o uso de defeitos humanos para contemplar o sucesso no meio. Entretanto, o filme não assume nenhum viés nem propõe solução alguma. Ele só quer tirar sarro e o faz com louvor. O jogo de influências que te faz mudar de lado e dançar conforme a música por pura conveniência e não por acreditar em alguma coisa, essa é a visão política do diretor. Realista e inteligente. Vão ver esse filme.

"Unanimidade"

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Caio Simão
Água de Salsicha

Crítico de Cinema e apaixonado também por diversos tipos de esportes. É vascaíno fanático e ama o Marvin, seu cachorro. Nas horas vagas, é Engenheiro Químico.