“Acertando o Passo”, uma história sobre a vida e o amor na terceira idade

Amanda Machado
Água de Salsicha
Published in
5 min readMay 10, 2018

Do diretor Richard Loncraine, famoso pelas suas comédias românticas, “Acertando o Passo” conta a história de Sandra (Imelda Staunton), uma senhora de classe média alta que descobre que está sendo traída pelo marido e sua melhor amiga no dia em que estão celebrando a nomeação do seu esposo à Sir da Ordem do Império Britânico. Arrasada, a protagonista segue de malas em mãos para a casa de sua irmã, Bif (Celia Imrie), com quem não tem contato há pelo menos dez anos. Vivendo a rotina de sua irmã que é extremamente diferente da que levava, Sandra conhece amigos e redescobre vontades que há muito já havia esquecido.

O roteiro é muito parecido com muito que já vimos nos cinemas anteriormente, mas inova por colocar no lugar central personagens idosos e focar em suas perspectivas de futuro, algo que raramente é considerado em histórias de pessoas mais velhas. Ao abordar a desilusão de Sandra, que se dedicou ao longo de anos ao seu marido e à família, inclusive deixando seus sonhos de lado, temos o ponto de partida para a personagem encontrar verdadeiros e novos motivos para a felicidade.

Esse processo doloroso, de ver algo que você construiu por quase a vida inteira ruir como um castelo de areia, não é nenhuma raridade entre mulheres mais velhas. Não é incomum os esposos, especialmente após a aposentadoria, decidirem por um fim aos seus relacionamentos de décadas, trocando a esposa dedicada por uma mulher mais jovial. Como nossa sociedade é muito mais dura com o envelhecimento feminino do que com o masculino, é muito difícil que essas senhoras se sintam seguras para investir em novos relacionamentos. É exatamente assim em “Acertando o Passo”.

Sem todas as obrigações em que sempre se viu envolvida, a protagonista precisa lidar com a própria liberdade. Vivendo ao lado de sua irmã, que manteve uma vida fora dos padrões femininos britânicos, Sandra é forçada a revisitar suas memórias e seus desejos mais antigos. O processo de redescoberta não é fácil, é preciso se abrir para situações nunca antes vividas e se expor de maneira quase brutal, mas o trajeto é libertador. Aos poucos, vamos notando sutis mudanças no visual da protagonista que simbolizam esse processo de abertura, o penteado vai ficando menos “certinho”, as roupas ficam mais fluidas e menos conservadoras, os lenços dão lugar à cachecóis coloridos, nos pés surgem botas.

Sob a influência da personalidade divertida de sua irmã, Sandra toma de volta para si o comando de sua vida e acaba retomando também uma relação de parceria com a irmã que ambas não tinham desde a juventude. A mágoa vai dando lugar ao afeto e, juntas, elas conseguem reconquistar um lugar de confiança e união que fazia muita falta para elas.

A trama ainda é composta pelas histórias paralelas dos amigos da aula de dança de Bif, todos idosos com vivências sobre o amor e o processo de envelhecimento diferentes. Parte muito bonita do longa, o filme toca nessas questões de forma muito emocionante, explorando as diversas facetas que o término de um relacionamento a dois pode ter e como cada um lida com a dor do fim de uma forma. Seja por traição e separação, pela morte do parceiro ou por uma doença degenerativa que acomete a memória. O filme é recheado de momentos onde nos colocamos no lugar dos personagens e nos questionamos do quão doloroso seria. Pode ser que algumas lágrimas rolem.

Como toda boa comédia romântica com uma reconstrução de vida, nossa protagonista que optou por dar uma nova chance para si e viver em busca de sua felicidade acaba por encontrar o amor. Como todo filme “sessão da tarde” que se preze, há um dificultador para essa história acontecer e um fim dramático para acelerar nossos batimentos cardíacos. O romance do longa não é o ponto alto e nem tem esse intuito, mas é interessante ver Sandra e Charlie (Timothy Spall) tateando o início de uma relação após anos enferrujados.

De modo geral, as atuações do longa estão muito boas. Com um elenco formado por atores muito experientes, não esperávamos outra coisa. As cenas de dança são bem elaboradas e divertidas, sendo interessante assistir atores mais velhos as executando com louvor. O cenário do filme é incrível, o que não é muito difícil quando se tem Londres e Roma de pano de fundo.

Por fim, a mensagem de “Acertando o Passo” é clara: Nunca é tarde demais para escolhermos viver a vida que gostaríamos de ter. Sempre há tempo para explorar o novo, para se arriscar e para sonhar. Ainda que as rasteiras da vida cheguem, há sempre por onde recomeçar. Por mais que pareça impossível, sempre existirão laços afetivos para nos fortalecer e nos ajudar a encontrar o nosso caminho. São esses laços que nunca devem ser desfeitos.

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Amanda Machado
Água de Salsicha

Médica, dançarina, educadora em Projeto Luar de Dança, escritora do quadro Mulheres em Ação na página Água de Salsicha. Sobretudo, feminista!