Baseado Em Fatos Surreais

Caio Simão
Água de Salsicha
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7 min readApr 11, 2018

O novo longa do polêmico Roman Polanski te convida a investigar a realidade.

Delphine e Elle.

O novo filme do consagrado diretor Roman Polanski (O Pianista — 2002 ; Chinatown — 1974) chega aos cinemas brasileiros para o grande público no próximo dia 12, quinta-feira. O filme já foi lançado tem um tempo e passou aqui no Brasil em alguns festivais de cinema. Eva Green e Emmanuelle Seigner atuam no longa com o protagonismo destinado à atriz francesa recorrente em filmes de Polanski. Entretanto, apesar de não ser a atriz principal do filme, a Bond girl mais marcante dessa última safra do 007 com Daniel Craig tem mais tempo de tela que muitos protagonistas por aí. Isso porque o filme se concentra quase que exclusivamente na conturbada relação entre elas.

O filme francês é distribuído aqui no Brasil pela Paris Filmes.

A sinopse relâmpaga

Delphine Dayrieux(Emmanuelle Seigner) é uma escritora que passa por um período de sucesso em sua vida profissional enquanto sua vida pessoal é marcada pela solidão, o sofrimento e muita confusão mental. O lançamento de seu último livro impulsiona o encontro com Elle(Eva Green), uma admiradora peculiar que se revela uma obsessiva perseguidora de sua vida.

O ritmo e a frequência

O primeiro ponto negativo do filme é seu ritmo. São cenas desnecessárias e sem muita conexão em várias partes do longa, o que vai minando o interesse e a paciência de espectadores cada vez mais exigentes que estão acostumados a assistir episódios de séries de TV, já que o cinema vem perdendo espaço para essa seção do entretenimento. Em muitos casos um ritmo lento é justificado em um filme, fato que não ocorre aqui. Em Baseado Em Fatos Reais(2017) o ritmo cadenciado não contribui tanto para o suspense como em outros casos. A lentidão confere em demasia um sentimento de filme arrastado e não instigante como normalmente é a ideia.

A escassa trilha sonora

Polanski usa uma estratégia arriscada para esse novo longa. São muitas cenas nas quais o silêncio predomina. A trilha aparece de maneira escassa e até eficiente quando exigida, porém é notável esse clima apático durante o filme, o que é justificável pois combina com o estado de espírito da protagonista Delphine. Definitivamente não é uma trilha marcante mas foi curioso perceber a falta dela em dias que a trilha é exaustivamente utilizada no cinema. Estratégia arrojada que não deu exatamente certo mas foi um estilo justificável pelo o que o filme pedia.

Emmanuelle e Eva

Um dos pontos positivos do filme é exatamente o desenvolvimento complexo de personagens que exigiam isso. As atrizes Emmanuelle Seigner e Eva Green entraram por completo em Delphine e Elle.

As cenas são tensas em grande parte por mérito delas já que o roteiro não é nada espetacular apesar de possuir boas caracterísicas para um filme de suspense. O fato é que se outras atrizes menos capacitadas pegassem o filme, o resultado ficaria irreparavelmente danificado.

A experiente atriz francesa passa todo o sofrimento que vive e a dificuldade que tem para seguir um trabalho criativo depois de um sucesso estrondoso.

Delphine(Emmanuelle Seigner)

Eva Green está robótica e por muitas vezes assustadora no filme. Sua expressão é constante e se altera apenas quando sua personagem perde totalmente o controle e apela para a violência contra objetos. Ela faz muito bem o papel da fã obsessiva que tem ciúmes de seu ídolo e que quer ser rigorosamente igual a ele. Por muitas vezes a atriz passa a clara impressão de ser uma alucinação já que seu comportamento é muito peculiar. É como se ela não existisse. Vamos discutir isso depois já que essa sensação não é exclusivamente impulsionada pela atuação.

Elle(Eva Green).

Ao decorrer do longa vemos que uma admiração é claramente um problema mental a ser tratado com Elle querendo se vestir igual, ter o mesmo cabelo, dominar a vida e até se passar por Delphine. A relação entre ambas tem tensão de todos os tipos e se desenvolve bem durante o filme. Talvez tenha sido o grande ponto alto.

A traição de desenvolvimento

Por muitas vezes, o filme apresenta uma ideia interessante que causa suspense e desvia o clímax muito rapidamente. Quando o espectador acredita que as coisas vão pegar fogo, o filme constantemente joga um balde de água das mais geladas. O espectador se sente traído pela apresentação e o não desenvolvimento de algo que fica apenas na superfície. Algo que poderia ter sido bem representado e não foi. A cena do alçapão deixa isso evidente. O suspense que ela causa e o resultado que ela produz são muito desproporcionais.

A partir daqui a resenha contém SPOILERS. É por sua conta e risco. Não vai estragar o entretenimento mas é recomendável que não se leia se não viu o filme ainda.

O tamanho imenso do poster é proposital pra evitar o spoiler.

Elle é real ou não é ?

A grande discussão que o filme suscita é essa. Sobem os créditos e o espectador sai com aquela pulga atrás da orelha de um final levemente aberto. Levemente porque o filme deixa quase que claro que quer que você acredite que sim, Elle é meramente uma alucinação da cabeça de Delphine.

A moça em nenhum momento contracena com outra pessoa que não seja a sua própria criadora. O título do filme indica que nem tudo é real, uma dica subliminar do que se passa na tela. As expressões de Elle e os jogos de câmera são colocados claramente para passar a ideia de que aquela pessoa não está de fato ali, característica mais presente logo que a admiradora obsessiva aparece e também ao final do filme.

O final também dá indicativos fortes, como o relato de François(Vincent Perez) que jamais falou com Elle, coisa que Delphine foi representada presenciando mesmo que agonizando no chão por conta de uma suposta intoxicação alimentar.

Mesmo em cenas que contém outras pessoas como é o caso da festa ou no café, em nenhum momento Elle fala com alguém que não seja Delphine, fato extremamente improvável se ela de fato existisse. Elle não tem amigos ou familiares. As duas conversam sobre uma amiga imaginária o que é mais uma dica sutil. Por fim, o próprio final mostra Delphine caracterizada fisicamente de Elle o que sugere que sim, Elle estava dentro de Delphine e vice-versa, já que inicialmente o que víamos era o contrário.

Delphine caracterizada de Elle

O filme praticamente implora pra que você compre essa versão numa mistura de O Sexto Sentido(1999) com Louca Obsessão(1990) se permitem a licença poética de uma comparação viagem.

O saldo final de uma boa ideia mal executada

Baseado Em Fatos Reais(2017) é um filme com problemas claros sendo o maior deles o fato de sua ideia subliminar não ser suportada pela execução do filme. Ao passo que em seu final ele implora que compremos a versão de Elle fantasiosa, durante o filme várias são as situações que para nos despistar acabam perdendo um pouco da verossimilhança. Como que Elle dirigiu até o chalé? É possível que tenha sido Delphine alucinando? Como que Delphine foi frequentemente ajudada por Elle com a perna quebrada? São muitos fatos que prejudicam a lógica que a mensagem do filme passa.

Entretanto, o filme atinge características boas de um thriller psicológico deixando o espectador desconfortável e tenso, o que acaba prendendo quem assiste. Para um filme de menos de 2 horas que consegue prender por boa parte dele, isso consegue anular um pouco seu ritmo lento e inócuo por vezes. As atuações são destacáveis e muito interessantes, num belo trabalho de desenvolvimento de duas personagens marcantes e complexas sendo esse o ponto alto do longa.

Portanto, apesar desta grave falha de implorar que o espectador compre algo que o filme não dá o respaldo lógico, Baseado Em Fatos Reais(2017) tem a marca de Polanski e entretém com eficiência. Não chega a ser um dos melhores filmes dele, longe disso, mas é uma experiência válida de se conferir nas telonas.

Roman Polanski, diretor do filme.

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Caio Simão
Água de Salsicha

Crítico de Cinema e apaixonado também por diversos tipos de esportes. É vascaíno fanático e ama o Marvin, seu cachorro. Nas horas vagas, é Engenheiro Químico.