Caçando Fantasmas e Preconceitos

Amanda Machado
Água de Salsicha
Published in
6 min readJul 17, 2016

Na última quinta-feira estreou no Brasil, o reboot de Caça-Fantasmas, filme que teve sua primeira estreia no mundo cinematográfico em 1984, com direção de Dan Aykroyd e Harold Ramis, e alcançou o mundo com uma repercussão gigantesca, sendo o segundo filme do ano em arrecadação e ganhando, inclusive, uma continuação em 1989.

O reboot tem como protagonistas as atrizes crias do Saturday Night Live, Kristen Wiig, Leslie Jones e Kate McKinnon, além da atriz Melissa McCarthy, atriz comediante de grande destaque em Hollywood. A direção do filme ficou com Paul Feig, diretor de Missão Madrinha de Casamento. O trailer do filme teve uma repercussão muito ruim, sendo o trailer mais rejeitado da história do YouTube, com mais de 950 mil “descurtidas”. Isso porque os fãs do filme original se sentiram insultados pela substituição dos protagonistas por personagens femininas. Purismo saudosista ou puro machismo? Boa pergunta mas péssima resposta. O machismo prevalece. Obviamente há os fãs do filme dos anos 1980 com agora seus 40 anos que amam o filme e qualquer tipo de versão que fosse realizada seria ruim, com ou sem mulheres, mas inclusive esses são influenciados por um machismo que não consegue enxergar que há possibilidade de mulheres serem as pessoas que salvam o dia no final da película. E elas salvam, afinal.

O filme conta a história de duas mulheres que ficaram amigas no colégio e dividiram sua paixão pelo mundo fantasmagórico, inclusive escrevendo um livro sobre o assunto juntas, mas que seguiram caminhos diferentes. Erin se tornou professora universitária e busca manter seu passado longe do conhecimento de seus superiores, enquanto Abby trabalha em um laboratório em uma faculdade não muito convencional onde nem o próprio reitor sabe que tipo de trabalho ela desenvolve. A história começa quando Erin busca Abby com esperança de convencê-la a retirar o livro que disponibilizou na Internet. No entanto, as cientistas acabam presenciando uma aparição fantasmagórica e acabam renovando sua parceria.

A equipe se completa com a também cientista, Jillian Holtzmann, e da ex-empregada do metrô de Nova York, Patty Tolan, formando então o grupo das Caça-Fantasmas, nome dado pela imprensa para o grupo de mulheres que estava envolvido em resolver e desvendar o mistério das aparições fantasmagóricas.

Também participa do filme, o roteirista do Saturday Night Live, Neil Casey, que faz o vilão da história, Rowan North, um homem que foi inferiorizado durante toda a vida e que sente que nunca foi tratado como merecia por toda a humanidade, se considerando um gênio que precisa se vingar e, que escolhe fazer isso liberando todos os fantasmas. Além disso, temos a aparição de Andy Garcia, como prefeito da cidade, Ozzy Osbourne, como um rockeiro em uma cena rápida, além dos atores que participaram do filme original.

O filme é bom. Apesar de não ser composto de grandes piadas, dá para dar risadas em uma boa Sessão da Tarde, entretanto tem defeitos. Algumas piadas não são universais, sendo compreendidas apenas no cenário norte-americano. Além disso, o filme nos passa a impressão de que foi picotado e colado para caber no tempo de filme, que ainda assim, pareceu longuíssimo. Os instrumentos utilizados eram desenvolvidos de forma muito rápida, sem nenhum tipo de explicação sobre como eram pensados e construídos. Alguns momentos apenas puderam ser explicados nas cenas pós-crédito, como, por exemplo, o motivo dos cidadãos de Nova York ficarem paralisados em uma posição com os dedos apontando para o alto — foram paralisados enquanto dançavam. E outros apenas não foram explicados, como o momento em que as protagonistas apareceram com o cabelo pintado de cores diferentes em cenas seguidas. Mal editado, muito mal editado.

Quanto ao conteúdo tão desprezado pelos fãs da franquia, porém tão bem colocado no cenário atual, as protagonistas são mulheres e tem características muito distintas, representando um pouco a diversidade feminina. Temos a nerd que se veste “mal”, a gordinha, a loira que tem uma personalidade vista pela sociedade como mais masculinizada e a negra com brincos grandes. Além disso, o filme constrói um grupo de mulheres que além de trabalharem juntas, são amigas, não havendo nenhum tipo de competição entre elas, e um clima de parceria e entusiasmo com a vitória de cada uma. Coisa linda de se ver em um filme com protagonistas mulheres.

Outra boa sacada do filme foi substituir o clichê machista da secretária loira burra, pelo secretário loiro burro, abusando da ironia para criticar uma ideia tão disseminada por Hollywood por anos e anos e, repetidas tantas vezes que quase se tornou obrigatória, especialmente em filmes de comédia. O personagem que apenas existe por ser belo. Apesar da boa piada, essa parte do filme é a mais chata e monótona, sendo muito cansativa e em alguns momentos incrivelmente desnecessárias as falas burras do personagem, provando que só é engraçado quando invertido os gêneros pois já está no senso comum, sendo um momento de quase “vergonha alheia”. O personagem torna visível até para o mais machista o quanto é gritante a desigualdade na representação de gênero no cinema.

O filme é recheado de referências à história original, além da aparição dos atores que participaram do filme de 1984, ainda contamos com aparição de Geléia, fantasma famoso no filme original, com o enorme homem de marshmallow, Stay Puft, e com os instrumentos utilizados pela equipe original, como a mochila de prótons. Homenagens feitas, alguns momentos foram desnecessários, como a cena em que o personagem de Bill Murray vai até o laboratório das Caça-Fantasmas em busca de desmascará-las. Desnecessário, totalmente desnecessário. O filme em alguns momentos quer ser saudosista, inclusive para conquistar os fãs do filme original, passando um pouco do ponto e, deixando pontas soltas para os novos fãs, como a origem de Stay Puft, o enorme homem de marshmallow que surge aleatoriamente na tela.

Apesar das críticas antes e depois da estreia quanto ao conteúdo feminista do filme, na verdade, o feminismo salvou o filme. A grande crítica do filme foi o momento onde as protagonistas leem comentários misóginos em um vídeo postado na Internet por elas, um belo tapa na cara de quem fez isso na “vida real”.

O filme tem ótimas protagonistas mulheres, constrói personalidades totalmente diversas para essas e, ainda apostam no grande estilo super-heroínas que quebram tudo e andam por aí com pose de estrelas do rock. Genial. Exemplo para as meninas que assistirão o filme e além de darem risadas e tomarem um sustos, desejarão serem caçadoras de fantasmas quando “crescerem”. Mais do que boas homenagens à filmes antigos que nem sempre foram tão bons assim, precisamos de histórias que sirvam não apenas para nos entreter mas que sirvam para inspirar grandes mudanças. Aos machistas de plantão, desejo uma boa sessão!

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Amanda Machado
Água de Salsicha

Médica, dançarina, educadora em Projeto Luar de Dança, escritora do quadro Mulheres em Ação na página Água de Salsicha. Sobretudo, feminista!