Excelentíssimos: O cenário pré-apocalíptico de uma política perdida
Estamos vivendo um capítulo sombrio da história do nosso país. Debates políticos se revestem de campos de batalha e o país está completamente dividido, mas isso não é de hoje. Em 2014, o ressurgimento da juventude política com os atos do ano anterior criou uma verdadeira panela de pressão, trazendo ao cotidiano novos perfis como “coxinhas”, “petralhas” e “isentões”. Já naquela época era evidente a instabilidade política e o grande Fla x Flu que foram aquelas eleições fez eclodir rivalidades pessoais em todos os setores da nossa sociedade.
No entanto, em 2014, não tínhamos ideia do que estava por vir. A deflagração devastadora da Operação Lava Jato, o processo de impeachment da Presidente Dilma e a reaparição de movimentos que flertam com o fascismo, elegendo como presidente aquele que não deve ser nomeado.
Foram 4 anos turbulentos que jamais sairão da memória de quem os viveu e sentiu na pele a radical divisão que ultrapassou limites políticos, levando as opiniões mais fervorosas para campos morais e éticos. Nesse meio tempo, a democracia nunca pareceu tão forte e fraca ao mesmo tempo. Democraticamente optamos por atacar a democracia.
Diferentemente de qualquer outro histórico evento da nossa nação, a tecnologia de hoje permitiu que cada segundo desse circo fosse documentado através de vídeos, imagens e áudios, permitindo uma maior análise de todas as frentes que criaram esse cenário catastrófico.
“Excelentíssimos” chega aos cinemas no dia 22 de novembro com uma visão única sobre os meses em que se desenrolou o processo de impeachment da primeira presidente mulher do Brasil na Câmara dos Deputados. O país assistiu em choque o espetáculo mambembe da aprovação do relatório pró-impeachment, autorizando o julgamento da chefe de Estado pelo Senado Federal, no dia 17 de abril de 2016. Das dedicatórias a familiares, eleitores, Deus e torturadores aos hipócritas discursos anti-corrupção, terminando com a entoação do hino nacional em um salão moralmente vazio celebrando o verdadeiro golpe institucional que se instaurou diante dos nossos olhos, tudo aquilo foi o grande ato final de uma articulação política de bastidores de valores nada democráticos e republicanos.
O documentário de Douglas Duarte apresenta a perspectiva dos deputados federais nos dias que antecederam a fatídica votação na Casa do Povo. Acompanhamos de perto as movimentações feitas por políticos do governo e da oposição — ou dos dois ao mesmo tempo — neste verdadeiro jogo político de interesses, passando pelas facetas ocultas e assustadoras do nosso Congresso Nacional.
O documentário não é imparcial e isto fica claro desde o início. A sua montagem sempre nos direciona para o discurso de que o processo de impeachment não foi feito de uma forma democrática, em desrespeito à formalidade prevista na Constituição Federal, para estabelecer um plano de governo elaborado na surdina. No entanto, independentemente da posição política de quem está gravando, são mostradas cenas que por si só, mesmo sem qualquer vetor opinativo, atestam o quão ridículo e absurdo foi todo esse procedimento por parte daqueles que votaram a favor do impeachment de Dilma Roussef.
Além disso, mesmo focando nos eventos daqueles meses de 2016, sendo finalizado no início deste ano, o documentário também permite que assistamos de perto o desenvolvimento da onda bolsonarista que conseguiu o poder no mês passado. É possível entender a lenta desistência de valores democráticos e sua transformação na histeria anti-corrupção que levaram ao enaltecimento de falsos discursos moralistas e ao momento político que nos encontramos agora.
O documentário é longo e exige paciência e estômago. Até os maiores anti-petistas estão propícios a se sentirem desconfortáveis e envergonhados com o Legislativo brasileiro retratado nas telas. Porém, é exatamente neste ponto que o filme sai vitorioso. Independentemente do resultado ou de que lado o espectador está na torcida, a caricatura dos congressistas exibida no longa retira qualquer tipo de posição política, restando apenas interesses tangenciais e perfis que cheiram a enxofre.
“Excelentíssimos” é mais um documentário sobre esse prenúncio horripilante do que estava por vir. Um close sobre um dos primeiros capítulos da nova era política que está se instaurando que mostra todos os sinais que ignoramos na época, mas que agora formam um corpo de evidências sobre o que estava por vir. Para servir de conforto para as mentes inquietas: nada nunca foi tão documentado e retratado tão completamente e assim teremos algo para nos reportarmos para não cometermos os erros do passado no futuro.