Histórias Que Nosso Cinema (Não) Contava

Caio Simão
Água de Salsicha
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4 min readAug 31, 2018

Filmes do gênero pornochanchada realizam uma releitura histórica da ditadura militar da maneira mais irreverente possível.

Cineasta e artista visual, a diretora Fernanda Pessoa teve uma ideia muito interessante para montar um filme: Por que não escolher alguns filmes de gênero pornochanchada e deixar que eles contem o passado recente de censura e restrição de liberdade que foi o regime militar? O longa documental vem com essa ideia original e ao mesmo tempo que agride e informa, também faz rir.

"Histórias que nosso cinema (não) contava" foi exibido em mais de 20 festivais nacionais e internacionais e ganhou seis prêmios. O filme estreou dia 23 de agosto nos cinemas sendo distribuído pela Boulevard Filmes.

Sinopse

"Histórias que nosso cinema (não) contava" é um documentário de montagem, ou de remploi, feito inteiramente com imagens e sons das pornochanchadas, sem entrevistas ou off. Temas como a luta armada, a violência do Estado, o milagre econômico, a “era de aquarius” e a modernização do país são abordados de forma divertida e inusitada, através de uma montagem criativa e associação inesperada de imagens.

O gênero

A produção do longa selecionou imagens oriundas de 27 filmes produzidos no período da ditadura militar no Brasil (foco nos anos 70) que são do gênero pornochanchada e representam filmes erótico-populares da época. Foi o gênero mais visto e produzido durante a década de 70 e alguns estudiosos defendem que nenhum outro levou tanta gente ao cinema no Brasil quanto esse. Irreverentes, carregados de ironia e uma dose de humor negro, esses filmes questionam os costumes e exploram o erotismo. Alavancaram carreiras de grandes atores do nosso país como Vera Fischer, Andréa Beltrão, Sônia Braga, Christiane Torloni, Marília Pêra, Antônio Fagundes, Ney Latorraca, Nuno Leal Maia, Jece Valadão, Tony Vieira, Carlo Mossy, e David Cardoso, considerado o rei da pornochanchada.

Vera Fischer em "A Super Fêmea" (1973)

Ritmo, trilha, tamanho

O longa documental adota um ritmo rápido para validar sua estratégia principal, que é agredir o espectador com um humor que é informativo e ao mesmo tempo ácido. Com um filme acelerado, a quebra de expectativa fica mais recorrente e dessa maneira, o espectador é mais atingido de acordo com o objetivo da diretora.

A trilha sonora não poderia ser mais coerente, situando o espectador na época retratada e trazendo até um sentimento nostálgico para quem viveu aquela época de censura, resistência e luta por direitos.

O longa deveria ter sido reduzido, já que ele não é dividido em arcos e sua demarcação de desenvolvimento não é clara. Sendo assim, quando ele se aproxima do final, seu objetivo já tinha sido alcançado antes, dando a impressão portanto de que a película foi um pouco longa demais.

A ficção é a realidade

O aspecto mais interessante de "Histórias que nosso cinema (não) contava" é justamente essa ideia da ficção versando sobre a realidade. Fatos históricos são retratados nos filmes e, sob uma ótica divertida, somos informados, convidados a refletir e entretidos.

Elogiável também o trabalho de montagem, para garantir que assuntos em comum sejam abordados por cenas de diferentes filmes. Essa combinação surtiu o efeito certo para trazer fortes doses de comédia ao filme.

Temas recorrentes da sociedade brasileira são abordados, tais como: conservadorismo e liberalismo, moralismo, religião, aborto, alienação política e machismo.

O filme tem essa clara preocupação de relacionar esses eventos e reflexões com os dias de hoje, para que o espectador compare e veja como o debate evoluiu(se é que houve evolução). Em época de eleição, é uma opção válida para refletir. O passado é sempre útil para entender o presente e projetar o futuro.

O saldo

"Histórias que nosso cinema(não) contava" é um documentário original e importante. Ele vai entreter, informar e provocar risadas de muita gente que superar a barreira do preconceito de gênero e for assistir o filme nos cinemas.

O longa é um convite à reflexão sobre temas da sociedade brasileira e tecnicamente, é um belo trabalho de montagem. De fato, uma produção inteligente e curiosa. Apesar do tamanho um pouco mais longo do que o ideal, vale a recomendação.

Nuno Leal Maia foi um dos grandes nomes da pornochanchada

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Caio Simão
Água de Salsicha

Crítico de Cinema e apaixonado também por diversos tipos de esportes. É vascaíno fanático e ama o Marvin, seu cachorro. Nas horas vagas, é Engenheiro Químico.