Jackie: A Primeira grande Dama

Amanda Machado
Água de Salsicha
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5 min readFeb 9, 2017

As primeiras cenas de Jackie retratam exatamente o momento que marcou para o mundo quem era Jacqueline Kennedy: A viúva de um ex-presidente dos Estados Unidos que foi assassinado. O filme, que não é uma cinebiografia, mas sim um recorte desse momento trágico, nos mostra a primeira-dama desde a chegada em Dallas, onde os fatídicos disparos foram efetuadas, até semanas após o funeral de John F. Kennedy.

A história é construída através da interposição de momentos da eterna primeira-drama após o assassinato e de flashbacks do passado, que servem para apresentar ao público as diversas faces de Jackie. O principal eixo é a entrevista dada por Jackie, inspirada na real entrevista com o jornalista Theodore White, para a revista LIFE. A entrevista que vai ziguezagueando o roteiro nos revela uma Jacqueline que não é a mesma que paira no imaginário do grande público. Inquieta, agressiva e ríspida. Imagem essa que vai se contrastando a dos outros eixos, o tour pela Casa Branca realizado pela primeira-drama para a televisão norte-americana, o próprio funeral do presidente Kennedy e uma conversa com ares de confissão com um padre no cemitério.

Não só o filme é marcado pelos preparativos para o funeral do presidente assassinado, como a figura pública de Jackie ficou registrada para a eternidade graças aos seus esforços em realizar um funeral que cumprisse a função de fazer com que Kennedy fosse lembrado, apesar de seus poucos feitos como presidente dos Estados Unidos. Notamos a intenção de mostrar a preocupação de Jackie com o fato do marido ser esquecido quando logo após o assassinato ela questiona a enfermeira e o motorista se eles lembram dos outros presidentes dos Estados Unidos que foram assassinados durante o mandato. Após a resposta, ela define que seu marido terá um funeral como o de Lincoln, com toda a pompa necessária para que fique registrado na História.

Como todos sabemos, ficou. Se Jacqueline Kennedy era só uma moça bonita que dava rosto à Casa Branca antes da tragédia, após o fato ela alcançou status de celebridade, conquistando a imagem de dedicação e dignidade dignas da eterna primeira-dama viúva.

O filme, dirigido por Pablo Larrain abusa dos closes da atriz, aproximando o espectador de um modo quase indiscreto da figura de Jackie que ele deseja nos mostrar, uma mulher um tanto insegura e traumatizada que em muitos momentos paira sobre a imponência de ser a primeira-dama de um presidente assassinado. Como se várias janelas fossem sendo construídas ao redor da protagonista, o modo como é feito o enquadramento é mais um artefato para traduzir as faces de Jacqueline Kennedy, ora pequena e insegura, ora grande e arrebatadora.

Um efeito muito bonito do filme é o dado pela fotografia. Com um grão mais grosso, a imagem se aproxima da textura da imagem da época, se misturando a trechos de imagens reais do funeral do ex-presidente com bastante suavidez. Além das cores utilizadas para mostrar os momentos antes da tragédia, com tons mais alegres, e os momentos após o assassinato, mais melancólicos, puxados para o cinza.

Algo que é bastante angustiante durante o longa é a trilha sonora. Inspirada em como a protagonista está se sentindo internamente, independente de que imagem passa na tela e com quem a divide, a cadência chega a ser torturante em momentos em que não condiz em nada com o que vemos. Diálogos repletos de gentileza e delicadeza e, uma música digna de um filme de suspense.

Se existe algo que deu certo em Jackie, foi a interpretação de Natalie Portman. A atriz não só deu rosto à famosa primeira-dama, como encarnou Jacqueline em tom e trejeitos. Para quem nunca ouviu Jackie falar pode parecer estranho o modo como Natalie dá vida à voz da ex-primeira-dama, entretanto, a hesitação ao falar, característica de Jacqueline está presente no filme de forma muito brilhante, quase que real. Natalie faz jus à indicação à Melhor Atriz no Oscar. Desde a postura endurecida da viúva, até seu modo de andar, falar, segurar as mãos e sorrir, Natalie foi perfeita.

O filme traz um outro olhar sobre a definição do que seria a real história dos bastidores de um dos mais trágicos acontecimentos do século 20 para a sociedade norte-americana e mundial. Ao questionar se o que é relatado nos jornais, e nesse caso, nas televisões, já que esse foi um dos primeiros assassinatos capturados por uma câmera, é sempre a verdade história, somos apresentados a uma história contada por outro ângulo. Um ângulo considerado sempre com o olhar da compaixão mas nunca com o olhar de quem sabia que precisava fazer de um momento trágico o seu marco na História. Jacqueline Kennedy sem dúvida nenhuma foi uma mulher pragmática em todos os momentos e não à toa virou referência para muitas mulheres. Sua imagem de força e coragem virou a marca necessária para que se seja uma boa primeira-dama estadunidense.

“Eu nunca quis fama. Eu apenas me tornei uma Kennedy.”

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Amanda Machado
Água de Salsicha

Médica, dançarina, educadora em Projeto Luar de Dança, escritora do quadro Mulheres em Ação na página Água de Salsicha. Sobretudo, feminista!