Jessica Jones: a heroína que todas nós queremos ser

Amanda Machado
Água de Salsicha
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5 min readMar 15, 2018

A primeira temporada de Jessica Jones, no final de 2015, arrebatou milhares de fãs que antes não se interessavam por séries de super-heróis e os transformou em fãs de carteirinha ansiosos por uma nova temporada, especialmente o público feminino. Isso aconteceu pois a história não focava nos poderes da defensora, que está longe de ser o protótipo super-heroína loira de collant, mas sim na origem de um dos traumas da sua vida, um relacionamento abusivo bem pesado.

A saga da mulher com super força para se libertar do seu abusador e superar os traumas advindos dessa experiência caiu como uma luva para o momento que vivíamos mundialmente. Uma heroína que sofria o que milhares de mulheres ao redor do mundo sofrem todos os dias sobrevivia e se mantinha de pé. Não tinha como ser mais inspirador e de quebra acendeu uma luz (roxa) para o que muitas pessoas não conseguem enxergar: o quanto relacionamentos abusivos são destrutivos para quem os vive.

Todo o burburinho após a primeira temporada e o longo tempo de espera por uma segunda, deixaram expectativas muito grandes nos fãs que esperavam uma nova temporada tão boa quanto a primeira. Infelizmente, muitos se decepcionaram. Mas certamente alcançar essas expectativas era uma tarefa muito difícil, já que não tinha como forçar um tema tão apelativo para que o roteiro fosse impactante como foi o da primeira temporada.

Baixadas as expectativas, o que vemos é uma Jessica Jones um pouco mais aberta à relações pessoais tentando levar uma “vida normal” mas ainda a mesma desbocada revoltada de sempre. Nos momentos de contemplação, nos olhares e diálogos, fica bem claro o quanto a protagonista está lutando para deixar seu passado para trás ao mesmo tempo que tenta descobrir quem é de verdade. Tudo isso interpretado de forma maravilhosa pela atriz Krysten Ritter, que encontrou o modo certo de passar os sentimentos da personagem sem precisar emitir uma frase.

Infelizmente não basta uma boa protagonista para que a história a ser contada seja boa. O ritmo da segunda temporada de Jessica Jones é lentíssimo, no decorrer da série chegamos facilmente à conclusão de que treze episódios foi ambição demais e que a mesma história poderia ter sido contada em dez, em um formato que beneficiaria muito mais o roteiro. A falta de rumo da temporada acabou por transformar uma das personagens mais importantes e complexas da série, Trish Walker, em um recurso desestabilizador da trama diversas vezes, chegando a ser chato de tão previsível e sem sentido. O único momento que permitiu que o roteiro desse uma respirada foram as aparições de Kilgrave nas alucinações de Jessica, deixando claro que um personagem com o carisma do vilão fez muita falta.

Apesar de não tão abertamente problematizar um tema como na primeira temporada, a série continua vasculhando a origem de Jessica e esbarra mais uma vez no efeito que as relações tóxicas que ela vive tem sobre o seu modo de agir e ver o mundo. Dessa vez o foco são as suas relações com a melhor amiga-irmã, Trish, e sua mãe, que ela acreditava ter perdido durante o acidente na adolescência. Ambas possuem grande influência sobre suas decisões e acabam por criar um cabo de guerra. Jessica fica entre o sonho de viver uma relação com a mãe assassina e a obrigação de detê-la a qualquer custo, sem uma resposta sobre o que é o certo a se fazer, pressionada e imersa em um drama com consequências, obviamente, traumáticas.

O efeito dessa nova relação com a mãe que ela acreditava ter perdido é devastador sob o ponto de vista de que apoiá-la pode trazer consequências graves à Jessica e da perspectiva de que a defensora viveu por muitos anos sofrendo e culpando-se pela morte da família. A chance de ter de volta um pouco do que perdeu, ainda que de forma não muito ortodoxa, motivaria qualquer um e é nesse ponto que a nossa heroína se mostra mais uma vez um ser humano como qualquer outro, através da sua necessidade de manter laços com a única imagem de família que ela ainda possui.

No final da temporada somos apresentados a uma nova versão de Jessica Jones, que ressurge mais uma vez de uma experiência dolorosa e traumática e escolhe prioridades imediatas totalmente diferentes do que estávamos acostumados a esperar da mocinha. Começa a negar as relações desgastadas que vivia e alimentava acima de tudo e a se permitir viver novas relações, com profundidade e intimidade, o que nos instiga para os próximos passos da defensora nos capítulos dessa história que estão por vir. Jessica Jones termina a temporada despedaçada, mas inteiramente dona de si.

Se o que esperávamos era uma temporada cheia de empoderamento feminino, uma personagem forte lutando para sobreviver em meio ao caos que é estar viva e uma pitada de heroísmo, tudo isso encontramos nessa temporada. A sensação que fica de ter faltado algo é porque tínhamos a expectativa de que a série continuasse a gerar grandes reflexões sociais, o que ficou muito mais em segundo plano dessa vez. Sem dúvidas, tanto Jessica, quanto as outras personagens femininas da série são inspiradoras por serem fortes, destemidas e determinadas.

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Amanda Machado
Água de Salsicha

Médica, dançarina, educadora em Projeto Luar de Dança, escritora do quadro Mulheres em Ação na página Água de Salsicha. Sobretudo, feminista!