Lady Bird, um voo surpreendente sobre a adolescência

Amanda Machado
Água de Salsicha
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6 min readFeb 22, 2018

Com 5 indicações ao Oscar, o primeiro trabalho solo de direção de Greta Gerwig já é considerado um sucesso. Conhecida por seus trabalhos como atriz, que em sua maioria também contaram com a sua participação na elaboração do roteiro, Greta estreia não só com 5 indicações, mas com a indicação de Melhor Direção, se tornando a quinta mulher a ser indicada na categoria — que até hoje só contou com uma ganhadora —, desafiando a sub-representação dos últimos 90 anos.

Para quem já conhecia Greta das telinhas, fica claro já nas primeiras cenas de “Lady Bird: A Hora de Voar” que esse é um filme com pinceladas da diretora por todos os cantos. Isto é, além das claras referências a sua própria biografia, o longa é marcado por diálogos e cenas que transbordam naturalidade, como se tivessem sido gravados em meio a uma brincadeira entre amigos.

A proposta do longa é antiga, dissecar nas telas o que é a adolescência. Entretanto, apesar de já termos visto várias tentativas, “Lady Bird” acerta em cheio ao retratar esse momento sem fazer da protagonista uma heroína adolescente que conquista a simpatia do público. Pelo contrário, nossa impressão de Christine “Lady Bird” McPherson flutua de “adolescente chata que só sabe reclamar” a “adolescente que todos nós fomos um dia”. Não é por menos, Christine é uma representante clássica da Geração Y, os tão falados, millennials — geração esta da qual eu também faço parte. Ela nasceu durante a explosão da internet, sua infância foi marcada pelo surgimento de equipamentos inovadores que mudaram o modo de conviver em sociedade e tudo isso teve um impacto muito grande sobre o que é crescer.

Lady Bird” é fiel a adolescência em todos os pontos, o que solidifica a identificação pessoal com a protagonista independentemente de em qual país se vive. Ela é insegura em relação ao seu rendimento escolar mas sente-se destinada a um futuro maior do que o que ela tem como familiar em casa. Ela vive um misto de orgulho pelos pais e vergonha de sua condição social. Ela ama sua melhor amiga mas almeja círculos sociais mais populares. Ela não faz a menor ideia do que fazer em uma relação amorosa, mas ela não só inicia uma como tem que lidar com as desilusões que vem a seguir. Se identificou? Pois é, impossível não se identificar.

Se você é do gênero feminino, ainda mais. Isso porque apesar de uma boa parte da trama apresentar dramas universais a qualquer adolescente, certos pontos são um retrato perfeito do que é ser UMA adolescente e de todo o machismo ao qual somos submetidas. A cena da primeira relação sexual de Christine é icônica. Nós, meninas e mulheres, crescemos em uma sociedade que nos ensina — ou melhor, nos enfia goela abaixo — que mulheres precisam planejar sua primeira relação sexual com muito cuidado, como se lidássemos com genitálias de cristal. Precisa ser com a “pessoa certa”, como se no auge de nossos 16 anos soubéssemos distinguir o que sentimos com tanta tranquilidade e julgar pessoas de forma excepcional. A verdade é: somos pessoas que transam com pessoas e a chance de não ser como planejamos é grande, bem grande.

Então, quando nos damos conta de que aquele momento especial saído de um conto de fadas não foi exatamente como sonhávamos — ou como as revistas dizem que devemos sonhar — é como se toda aquela experiência simplesmente não tivesse valor. Não estou dizendo que a primeira relação sexual não seja um drama adolescente para os meninos também, a pressão para que ela aconteça o mais rápido possível é grande. Mas é isso, tão somente isso. Não importa muito com quem foi, onde aconteceu e se vocês têm ou terão uma relação afetiva. Para meninas, importa. Porque não pode ser com qualquer um, por mais que você tenha tesão com um zé ninguém. Um banco de trás do carro não é digno de uma boa moça. Não é seu namorado? Vai te largar em 2 semanas? Tem alguma coisa errada com você. Chuva de julgamento a seguir. O que sobra é uma adolescente atormentada de culpa. Com Christine não é diferente.

— Eu só queria que fosse especial.
— Por quê? Você vai fazer muito sexo não especial na vida.

O ponto crucial do filme sem dúvida é a relação entre mãe e filha, ponto importante na biografia de qualquer adolescente. Uma mãe não muito afetuosa, uma filha não muito grata. Uma filha que só deseja afeto, uma mãe que só deseja gratidão. Para os jovens é mesmo muito difícil entender seus pais, quanto mais ser grato pelo que abdicam por eles. Com o tempo vamos nos colocando mais nos lugares de nossas mães e conseguindo enxergar que um tanto de vezes elas também não sabem o que fazer e estão tão perdidas quanto nós. É o caso de Christine e Marion, mãe e filha desejam coisas diferentes da vida e dialogar sobre isso sem que entrem em uma briga é um grande desafio, apesar de ambas desejarem o melhor uma para a outra.

A relação mãe-filha é um tema que poderá ser abordado um milhão de vezes no cinema e nunca alcançará a sua total complexidade. “Lady Bird” tenta e chega bem perto. O que vamos percebendo com o passar do filme e com a mudança de Christine para Nova Iorque, é que Lady Bird finalmente renasce como Christine ao conseguir se colocar no lugar de sua mãe e perceber que finalmente elas não são tão diferentes assim. A questão da aceitação de seu nome no final do filme é uma sacada bastante interessante do roteiro. É quando Lady Bird consegue colocar um ponto final em todo o seu processo de voo e de crescimento pessoal e finalmente se reconhece pousando no seu lugar, crescida, como a pessoa que seus pais a criaram para ser.

Para quem já cresceu, ou seja, é considerado adulto pela sociedade, esse filme pode ser um soco na cara ou um abraço quentinho antecedido por lágrimas. Para quem está crescendo é mais um filme sobre o quanto esse processo é difícil, espero que sobrevivam sem muitas marcas. Já para quem observa alguém crescer é uma mensagem para que se redobre o apoio e se triplique a cobrança, eles vão sobreviver. Eu não sei vocês, mas eu espero que Greta Gerwig voe bem alto e leve para casa a estatueta de Melhor Direção. Ficamos na torcida!

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Amanda Machado
Água de Salsicha

Médica, dançarina, educadora em Projeto Luar de Dança, escritora do quadro Mulheres em Ação na página Água de Salsicha. Sobretudo, feminista!