Moana, a primeira não-princesa da Disney

Amanda Machado
Água de Salsicha
Published in
5 min readJan 13, 2017

Moana — Um Mar de Aventuras, nos conta a história de uma jovem adolescente de 16 anos que apesar de repreendida pelo pai, que é líder de sua aldeia, se sente atraída pelo mar e movida a solucionar uma maldição lendária que caiu sobre seu povo. Nesse cenário, nossa “princesa” embarca em uma aventura em busca de um ser mitológico, o único que pode reverter a maldição que recaiu sobre seus ancestrais, já que a causou.

A direção da nova animação da Disney ficou por conta de Ron Clements e John Musker, também diretores de clássicos, como A Pequena Sereia, Aladdin e Hércules. Os diretores passaram três semanas imersos na cultura da Polinésia e obtiveram um resultado incrível em retratar essa cultura, o que pode ser visto até mesmo nos mínimos detalhes, desde a escolha dos animais de estimação de Moana, um porquinho e um galo, figuras típicas nas Ilhas do Pacífico Sul, até as cores, em que eles usaram e abusaram, deixando a animação incrível. A cultura regional não só inspirou o cenário do filme, como interferiu no roteiro. Maui, o semideus do vento e do mar, é uma figura mitológica muito importante nas Ilhas do Pacífico e os diretores tiveram o cuidado de incluir até mesmo suas típicas tatuagens, o que foi um ponto forte do filme, garantindo boas piadas.

A mídia fez muito barulho quanto ao fato de Moana ser a primeira princesa da Disney feminista. Discordo plenamente. Não é a primeira e não há de ser a última, já tivemos nas telonas princesas fortes e obstinadas que não cederam ao patriarcado antes. Vide Pocahontas, Ariel, Bela, Jasmine, Mulan, Tiana. Entretanto, em muito Moana foge do lugar comum construído pelas já citadas princesas da Disney. Ela não é uma mulher lutando por um amor, ou uma mulher que apesar de inicialmente não estar apaixonada, acaba por colocar um romance no lugar central de sua vida. Na animação não há um romance ideal, não há um romance. E nisso, o filme acerta em cheio, coloca uma mulher em um lugar central e a mantém nesse lugar até o último instante.

“Eu não sou princesa.”

“Você é uma princesa. É a filha do ‘rei’ e tem um animalzinho, é uma princesa”

O roteiro acerta não só em manter Moana e sua jornada como protagonistas absolutas, como constrói uma personalidade incrível para nossa heroína. Determinada porém insegura, afinal, Moana é apenas uma adolescente. Desprovida do glamour clássico das princesas, Moana é só uma típica garota do Pacífico Sul, com sua cor de pele, seus cabelos crespos, suas curvas próprias. Nada de cintura fina, cabelo liso e nariz arrebitado. Moana é quase real.

E nada é mais real do que um homem com seus comentários machistas subjugando uma mulher. Isso também não falta no filme. Maui desqualifica Moana por boa parte da aventura. Os comentários incluem piadas que comparam Moana a um frango, que questionam sua idade e o fato de sua aldeia tê-la escolhido como representante, e que ridicularizam a determinação de Moana em ser uma aventureira. No fim, Maui reconhece que Moana é forte e destemida e que merece seu respeito. Mais ilustrativo impossível.

No fim do filme, após Moana perceber-se sozinha em sua jornada, enfraquecida e desiludida, nossa heroína fraqueja e se questiona sobre se é a pessoa certa para resolver o problema. A escolhida do oceano então é surpreendida pela aparição de sua avó, que em uma ótima exemplificação do que é sororidade, faz com que Moana reencontre sua motivação e sua voz interior. Outro momento que representa uma relação de extrema sensibilidade entre duas figuras femininas é quando Moana consegue entender a dor de Te Fiti, a entidade responsável pela vida e o equilíbrio que teve seu coração roubado. Repleta de coragem, a protagonista vai até Te Fiti, que está enfurecida, e a partir do carinho e de empatia, resolve a maldição que assolava sua aldeia.

Moana — Um Mar de Aventuras é, sobretudo, uma mensagem linda sobre viver em busca de sabermos quem somos e acharmos a nossa voz. De que não devemos aceitar que ninguém nos diga onde deve ser o nosso lugar e qual jornada devemos escolher. Que devemos ser livres para escolhermos nossas próprias batalhas, assim como para desistirmos delas. Mas principalmente, que todas podemos realizar grandes feitos. Com ou sem ajuda masculina, somos capazes de enfrentar grandes monstros de cabeça erguida e sairmos vitoriosas.

“Eu sou Moana de Motunui, você subirá na minha canoa, navegará por todo o mar, e restaurará o coração de Te Fiti”

--

--

Amanda Machado
Água de Salsicha

Médica, dançarina, educadora em Projeto Luar de Dança, escritora do quadro Mulheres em Ação na página Água de Salsicha. Sobretudo, feminista!