Negação: pós-verdade nos tribunais

Arthur Ferraz
Água de Salsicha
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4 min readMar 23, 2017

Semana passada tivemos a estreia de mais um grande filme nas salas brasileiras. Negação teve sua exibição no exterior em 2016 e chegou a concorrer ao Bafta de melhor filme britânico. Baseado no livro que conta a história de Deborah Lipstadt, o longa traz interessantes reflexões sobre pós-verdade e liberdade de expressão.

Sinopse Relâmpago: Deborah Lipstadt (Rachel Weisz) é uma historiadora judia que tem como linha de pesquisa o holocausto. Após publicar um livro que refuta as ideias dos que negam o massacre aos judeus, David Irving (Timothy Spall) se sente ofendido e a acusa de tentar destruir sua carreira. Irving espertamente fez sua denúncia em Londres, pois nos tribunais ingleses o acusado é quem deve provar sua inocência. Sendo assim, a Dr. Lipstadt arruma um time de advogados para provar não só sua inocência, mas que o holocausto de fato havia acontecido.

Mesmo com um elenco estrelado, Rachel Weisz consegue se destacar por sua atuação. Seus advogados a impedem de falar durante o julgamento, ainda assim a atriz é capaz de passar o mar de sensações de sua personagem. Spall também está muito bem, porém muitos criticaram por ser caricato. De fato o filme é um pouco unilateral, mas convenhamos que é difícil humanizar um pessoa que defende os ideais de Hitler.

O diretor Mick Jackson decidiu abordar a história com enfoque no julgamento em si, o que tornou a trama mais didática, porém perdeu em evolução de personagem. Somos apresentados a vários envolvidos naquela situação que acabam sendo descartadas muito rapidamente. A própria evolução da Dr. Lipstadt fica bastante comprometida, é fácil se conectar com a causa que ela defende, mas é difícil se conectar com a personagem.

Apesar do enfraquecimentos dos personagens, a decisão trouxe uma visão do tribunal muito mais real do que o comum. Aqui não existem reviravoltas ou informações escondidas do espectador, a grande questão é como provar concretamente a existência do holocausto. Ainda que na maior parte do tempo seja assim, existem alguns diálogos que são forçados e fica evidente que estão lá apenas para esmiuçar o tema.

A fotografia é muito bonita. Em boa parte das cenas são usadas cores quentes e com bastante contraste, dando uma sensação de fuga da realidade. Assim como a Dr. Lipstadt, temos dificuldade de acreditar que tudo aquilo é real. A coisa muda quando temos as cenas em Auschwitz, aonde são usados tons frios e as cores praticamente somem. Essa diferença dos momentos é muito marcante e está em consonância com a trama de forma muito positiva.

No geral, o saldo é positivo. Negação é daquele tipo de filme que os temas abordados se sobressaem sobre a trama em si. O longa pode se resumir como uma excitante aula de história moderna, pra quem se interessa pela tema se torna obrigatório assistir. Ainda assim, em tempos que existe quem suavize o que foi a ditadura militar no Brasil, Negação se torna importante para qualquer brasileiro.

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Arthur Ferraz
Água de Salsicha

Sagitariano que ignora qualquer informação sobre signos. Adora tecnologia e pensar sobre o futuro. Escritor do Água de Salsicha nas horas vagas