O Rei do Show: faltou, mas importa?

Arthur Ferraz
Água de Salsicha
Published in
5 min readJan 10, 2018

No dia 25 de Dezembro, também conhecido como natal, tivemos a estreia de “O Rei do Show” nas telonas brasileiras. O musical conta a trajetória de P. T. Barnum, um recém desempregado que cria uma espécie de show de horrores para ganhar dinheiro, que posteriormente ficaria conhecido como circo. O estrelado elenco conta com Hugh Jackman, Michele Williams e Zac Efron prometia um candidato figurar nas premiações, porém os defeitos da trama tornam praticamente impossível a aparição nas categorias principais. Ainda assim existe a chance de concorrer a prêmios “menores” como design de produção e canção original (a canção “This is Me” levou o Globo de Ouro de melhor canção). Se você ainda não assistiu pode continuar tranquilo que a crítica não contém spoilers.

Vamos começar pelo que o filme tem de melhor, que é a parte musical. As canções foram escritas por Pasek e Paul, que ficaram muito conhecidos por serem os escritores do premiadíssimo La La Land. Em geral, temos um bom uso das cenas musicais, sempre movendo a trama pra frente. Inicialmente podemos estranhar o uso do estilo pop, que nem mesmo existia na época, porém veremos que há uma justificativa temática para isso. As músicas conseguem emocionar na medida certa e ficar na cabeça do espectador (ainda que algumas por força bruta), características essenciais para o bom funcionamento de filmes do gênero.

Os cenários são muito bem construídos, apesar de serem razoavelmente simples. A crítica aqui fica por conta do excesso de polidez dos elementos, tirando um pouco do realismo daquele universo. No mais, os números musicais são muito bem executados e são fascinantes, destaque para a música “Otherside” em que Jackman e Efron brincam com elementos do bar em consonância com a música. A escolha de uma montagem e edição mais simples ajuda na visualização todo, porém empobrece o filme em termos cinematográficos. Apesar de termos a parte musical muito boa, existia ali um potencial para ser excelente.

O grande problema de “O Rei do Show” está na salada que é o seu roteiro. Os conflitos mal são estabelecidos e já são resolvidos na cena seguinte. As atitudes de Barnum parecem não ter consequências reais, tudo é perdoado e o universo gira em favor dele, o que por si só não é um problema, porém o filme se propõe a ser um retrato razoavelmente sério, ai sim se torna um problema. Tudo isso torna seu personagem genérico e sem conexão com o espectador, dessa vez nem o carisma de Hugh Jackman salvou.

Além disso o filme abre porta para várias discussões mas sem acrescentar nada aos temas. É como se ele falasse “existe esse problema x”, porém não aborda de fato as questões. A impressão que temos é de que o estreante diretor Michael Gracey se empolgou e quis colocar tudo que ele tinha para falar em apenas um filme. Esse inchaço de temas prejudica muito a trama, tornando-a excessivamente corrida e sem nenhuma profundidade.

Provavelmente a questão melhor explorada é o dilema do artista: fazer uma obra que entretém ou fazer algo tecnicamente elaborado. Não que sejam qualidades disjuntas, porém frequentemente existe uma queda de braço entre elas. O circo de Barnum é visto como uma arte mais popular, menos rebuscada e, portanto, seria considerada uma arte “menor”. A escolha das músicas no estilo pop não foi a toa, o estilo é frequentemente visto como uma música mais popular e menos rebuscada. A canção mais complexa tecnicamente é justamente “Never Enough” (aliás que voz impecável dessa Loren Allred), que trata da soberba dessa tal “alta” cultura. Estou evitando entrar em detalhes da trama, porém essa questão permeia toda a obra e vale ser observada com atenção.

Por último quero falar um pouco da minha experiência pessoal ao ver o filme. Quando os créditos subiram eu já estava armado com as várias falhas de roteiro e falta de profundidade dos personagens, porém aconteceu algo que me pegou de surpresa. Um senhor de idade começou a aplaudir de pé, extremamente encantado pelo que ele tinha acabado de assistir. Eu já estava sensibilizado pelos pontos colocados ao longo da trama e então pude repensar sobre a experiência que acabara de ter. “O Rei do Show” encantou aquele senhor e nenhum argumento técnico que eu dê vai tirar isso dele. Ele entendeu o filme de cara, eu demorei um pouco mais.

Se antes recomendaria que quem gosta de musical fosse ver “O Rei do Show”. Agora me parece injusto que uma obra que me encantou, me emocionou e ainda me fez refletir não fosse recomendado efusivamente. Então, se ainda não teve a oportunidade, assista esse grande filme!

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Arthur Ferraz
Água de Salsicha

Sagitariano que ignora qualquer informação sobre signos. Adora tecnologia e pensar sobre o futuro. Escritor do Água de Salsicha nas horas vagas