O time feminino dos sonhos em “Oito Mulheres e um Segredo”

Amanda Machado
Água de Salsicha
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6 min readJun 16, 2018

Desde o título até os pequenos detalhes, Oito Mulheres e um Segredo é recheado de referências e conexões com a trilogia de grande sucesso protagonizada por grandes estrelas, Onze Homens e um Segredo. Se ainda restavam dúvidas sobre se o filme seria uma releitura ou uma continuação, as primeiras cenas do longa já deixam claro para o espectador que essa pergunta será respondida com “um pouco dos dois”. Isso porque apesar de se utilizar do mesmo enredo e de personagens com características semelhantes, o grande plano dessa vez é arquitetado pela irmã do já conhecido líder do bando de ladrões, Danny Ocean (George Clooney), acontecendo após os eventos relatados nos filmes anteriores.

Para garantir o marketing e o destaque da produção sobre os flashs da mídia cinematográfica, os produtores do filme apostaram em um time de atrizes de peso. Sandra Bullock, Cate Blanchett, Anne Hathaway, Mindy Kaling, Sarah Paulson, Awkwafina, Rihanna e Helena Bonham Carter dão vida a essa quadrilha poderosa. Sem contar nas aparições de atores que participaram das produções anteriores e de famosos no tapete vermelho, como a família Kardashian, Katie Holmes e Heidi Klum.

A quadrilha mais poderosa e bem vestida do cinema

A história tem início com a saída de Debbie Ocean (Sandra Bullock) da prisão após cumprir pena, qualquer semelhança com o longa de 2001 não é mera coincidência. Sua primeira atitude é visitar o túmulo do irmão, deixando visível o quanto a morte de Danny a abalou. Não há homenagem mais digna ao grande pilantra do que um roubo monumental bem na cara da elite. Diante de um plano idealizado ao longo de cinco anos e com uma execução brilhante por um time de criminosas com grandes habilidades, temos um filme repleto de ações inimagináveis e minuciosas, não perdendo em nada para o longa que deu origem a linhagem de falcatrua da família Ocean.

Apesar de se utilizar de um enredo de sucesso e de ter reunido um time de grandes atrizes, o resultado final não é tão bom quanto poderia ser. Isso devido ao fato do roteiro ser muitas vezes superficial e bobo. A trama não se aprofunda nas questões que colocaram nossas protagonistas nesse time e muito menos em suas tramas pessoais, dificultando que simpatizemos com suas histórias. Além disso, a personagem que é enganada na história, Daphne Kluger (Anne Hathaway), uma atriz que será a anfitriã do Baile de Gala do MET, é em boa parte do filme ridiculamente clichê, com falas e atitudes fúteis, sem falar de sua inteligência limitada. Esse pequeno exagero por parte do roteiro é contornado no final do filme, ainda que a explicação não seja muito boa.

Daphne Kluger (Anne Hathaway) e Rose Weil (Helena Bonham Carter)

Outra falha da trama, um suspense cômico, é a falta de um ápice para a história. Aquele momento, típico dos filmes de assaltos, em que temos certeza que não haverá saída e o plano será descoberto. O plano simplesmente dá certo. Até no momento em que encontram algo que não fora planejado, há uma saída fácil — e não crível — que resolve com extrema facilidade a questão.

Mesmo com as falhas e a escolha preguiçosa do roteiro de ir pelo caminho mais fácil, repetindo o estilo “roubo padrão Ocean” — inclua aqui a passagem dos itens roubados de mão em mão e o contorcionista asiático passando através dos sensores de laser — , o filme é uma boa celebração ao seu gênero. Com uma boa execução, cumpre muito bem o que prometeu e ainda deixa um espaço bem claro para uma continuação, especialmente com a cena final em que ficamos ansiosos com a possibilidade de que alguém apareça.

Contudo, o filme não é apenas uma quadrilha Ocean formada por mulheres. Dessa vez, ser formada por mulheres é o primordial para que o plano seja um sucesso. Isso fica claro em uma conversa entre Lou (Cate Blanchett) e Debbie, em que é sugerido que elas chamem um homem para a execução do plano e a líder do grupo nega veementemente.

Se for Ele é notado, se for Ela é ignorada. E, pela primeira vez, queremos ser ignoradas

A frase pode ter passado despercebida para alguns, mas é claramente uma manifestação em relação ao machismo da nossa sociedade, que classifica as mulheres, especialmente em um evento de moda, como inofensivas e incapazes de realizar atos de tamanho perigo e complexidade. Entretanto, dessa vez é exatamente disso que elas precisam: Serem ignoradas e passarem despercebidas em um dos maiores roubos da história.

Rihanna como Nine Ball, a hacker do bando

O filme reforça que não é apenas um filme com mulheres, mas um filme sobre mulheres ao inovar com uma mulher realizando habilidades técnicas geralmente retratadas como masculinas, como no caso da hacker Nine Ball (Rihanna), contudo sem sexualizar a personagem. O cenário do roubo, o item roubado e todo o glamour do evento são mais componentes do universo feminino desmitificados no longa, já que essas mulheres não estão ali por conta das fotos nas revistas ou para mencionarem que marca estão vestindo.

É muito interessante ver um filme sobre criminosos em que há um clima de parceria, sem integrantes querendo ganhar vantagem sobre os outros. Para bom entendedor (leia-se: boa feminista), tudo se torna metáfora para sororidade. Se nas telas houve um bom entrosamento, fora delas não está sendo diferente, as atrizes que deram entrevistas foram categóricas em queixarem-se da predominância masculina entre os críticos de cinema, justificando a aprovação moderada do filme.

Ainda que a mensagem não seja clara no filme, ele é feminista. O fato disso não ser explorado literalmente é muito bom, pois naturaliza o protagonismo de mulheres no cinema, especialmente das que não estão correndo atrás de uma paixão ou um casamento. É feminista, sobretudo, ao não mitificar ou sexualizar o fato da quadrilha ser composta apenas por mulheres, efeito narrativo comum em outras histórias de ação com mulheres no lugar central. Se Oito Mulheres e um Segredo é uma boa celebração ao gênero, é ainda mais uma boa celebração a força e inteligência feminina.

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Amanda Machado
Água de Salsicha

Médica, dançarina, educadora em Projeto Luar de Dança, escritora do quadro Mulheres em Ação na página Água de Salsicha. Sobretudo, feminista!