Somos todas Certas Mulheres

Amanda Machado
Água de Salsicha
Published in
5 min readOct 9, 2016

O filme Certain Women, em português Certas Mulheres, terá sua estreia no Estados Unidos apenas na próxima semana, porém durante a última semana teve sua premiere no Festival de Filmes de Nova Iorque e sua exibição no Festival do Rio. Kelly Reichardt é a mulher responsável pela direção do longa que é formado por três histórias que aparentemente estão separadas mas que são protagonizadas por personagens que vivem no mesmo lugar, Livingston, no Minnesota, uma cidade pequena tipicamente americana.

Um dos filmes mais bem cotados do Festival do Rio, Certas Mulheres ainda conta com grande participação feminina. Escrito por Maile Meloy e protagonizado por quatro mulheres, o filme conta com baixíssima participação masculina. Tamanho destaque não é a toa, além de uma produção notável, o filme tem Kristen Stewart, Michelle Williams e Laura Dern no centro da tela. Melhor propaganda não poderia haver.

O filme conta brevemente, sem contextualizar previamente os fatos lançados ao público, situações complicadas da vida das protagonistas. Primeiramente temos a história de Laura, interpretada por Laura Dern, que é uma advogada de meia-idade bem sucedida que se vê perante um cliente difícil que não consegue aceitar a impossibilidade do seu caso. Já no segundo momento, somos apresentados à Gina, personagem de Michelle Williams, que faz uma mãe e esposa que circula pelas planícies do Minnessota em busca de materiais para construção de uma nova casa para sua família. A terceira história é a de Beth, interpretada por Kristen Stewart, uma advogada recém-formada que por receio de não conseguir emprego aceita uma vaga para dar aulas de direito da escola em uma cidade que fica há 4 horas de distância.

Ao desenrolar das histórias sutilmente somos apresentados à uma narrativa que prioriza e coloca em xeque a independência feminina. Ao mesmo tempo que nos questionamos sobre o quanto essas mulheres são felizes com a vida que estão construindo, temos a absoluta certeza que elas são as grandes responsáveis por todas as suas decisões, sejam as não tão bem pensadas, como quando Laura se coloca na mira de uma espingarda, como as muito bem planejadas, como quando Gina faz uma proposta de compra à um velho conhecido. Independência é o que não falta para as mulheres desse longa e isso fica muito bem colocado inclusive nas relações entre as protagonistas e os homens com as quais ela se relacionam amorosamente.

Não só de independência feminina o feminismo desse filme é feito. Durante os 107 minutos de filme podemos perceber comentários e insinuações que apesar de mínimos, alcançam o seu objetivo ao plantar na história questões sobre como as mulheres são tratadas pela sociedade. Questões como o sexismo no mundo do direito, em que profissionais mulheres são vistas como menos capacitadas e até mesmo situações em que propostas de negócio advindas de mulheres são ignoradas e apenas consideradas quando saídas de uma boca masculina.

Apesar de ter uma proposta muito boa, o filme não alcança um alto nível de excelência. O roteiro é lento e arrastado, não alcança o que é colocado na sinopse do filme pois falha em conectar as três histórias. Ao final do filme assistimos três histórias que poderiam ter acontecido em qualquer lugar do mundo e que apesar de ter acontecido na mesma cidade, não nos passa a sensação de unidade necessária. Além disso, cria a expectativa de um encontro entre as protagonistas ao cruzar duas das histórias em uma mesma cena, entretanto esse momento fica solto por ser único durante a película.

A atuação de Kristen Stewart é mais do mesmo, como sempre. A atriz que já tem o costume de interpretar a si mesma, faz isso mais uma vez, emprestando sua personalidade à Beth. Entretanto a atriz funciona bem no papel, já que a sua personalidade é compatível com a história de sua personagem. Já Michelle Williams dá uma verdadeira aula de sair de si mesma, ao apresentar uma personagem completamente fechada e em vários momentos vazia de afeto. Além disso, ficamos com a sensação de que a personagem é mais velha do que a atriz, que tem apenas 36 anos.

Uma atuação que merece aplausos apesar de não ter tanto destaque, é a de Lily Gladstone. Sua personagem é altamente complexa. Com sentimentos que não são emitidos e ficam apenas implícitos na tela e com uma narrativa realizada através de olhares, em muitos momentos ficamos confusos se captamos a intenção de Jamie. Apesar do filme se encerrar sem deixar claro o que a mobiliza, é bastante interessante observar seu comportamento ao longo da sua trajetória.

Apesar de suas falhas, Certas Mulheres é mais uma produção feita por mulheres sobre mulheres para mulheres, o que já a faz merecer reconhecimento e aplausos advindos de todos os lugares. Não bastasse isso, é um filme sobre mulheres comuns, sem grandes histórias repletas de drama, fama ou amor. As mulheres do filme são mulheres reais, que vivem uma vida que eu e você poderíamos levar. Filmes como esse são uma vitória no mundo cinematográfico e precisam funcionar como inspiração para que no futuro roteiros diferenciados como esse não sejam apenas uma exceção, mas que possam ser mais uma entre tantas opções.

Se você quiser conferir o filme durante o Festival clique aqui para conferir as próximas sessões.

--

--

Amanda Machado
Água de Salsicha

Médica, dançarina, educadora em Projeto Luar de Dança, escritora do quadro Mulheres em Ação na página Água de Salsicha. Sobretudo, feminista!