Trainspotting 2: Vício em Nostalgia

Caio Simão
Água de Salsicha
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5 min readApr 4, 2017

O explosivo quarteto está de volta aos cinemas 20 anos depois.

No último dia 23, estreou no Brasil a continuação do clássico recente do cinema, Trainspotting(1996). O filme de Danny Boyle, o mesmo de 127 Horas(2010) e Quem Quer Ser Um Milionário?(2008), se passa 20 anos depois do término do primeiro filme, com praticamente o mesmo elenco de 20 anos atrás, sem falar no próprio diretor.

A sinopse relâmpaga

Depois de 20 anos fora da Escócia, Mark(Ewan McGregor) retorna a seu amado país para, por querer ou não, se reencontrar com seus antigos amigos Spud, Begbie e Sick Boy.

O diretor

Danny Boyle

Mudando de gênero para gênero, cada um dos filmes de Boyle são vivos de possibilidade. É a mesma pessoa que dirige Quem Quer Ser Um Milionário?(2008) e Trainspotting(1996), filmes de temática completamente diferentes, mas com ritmos frenéticos e um tamanho prazer pela arte de viver. Seus filmes se movimentam o tempo todo. É muita mobilidade, traduzido aqui em cortes rápidos, trilha sonora acelerada e roteiro rapidamente dito. Choose Life.

Boyle cresceu na Irlanda Católica e, depois de assistir a Apocalypse Now(1979), se disse devastado pelo poder do cinema. Foi seu ponto de início para uma carreira brilhante.

Assim como alguns de seus colegas de profissão(Scorsese, John Woo, M Night Shyamalan) Boyle pretendia seguir uma carreira religiosa, de pastor ou algo do tipo. Depois de descobrir o poder do cinema, ele voltou atrás, mas sem antes declarar que:

"É basicamente o mesmo trabalho, temos que dizer para as pessoas sobre o que pensar"

A (já esperada excelente) trilha sonora

A trilha sonora é tudo nos filmes de Boyle. Imprime um ritmo único a suas criações. Seja pelo início arrasador em T1 com Iggy Pop(Lust for Life) ou pelo final inusitado em Quem Quer Ser Um Milionário?(2008) — Jai Ho.

Em T2, a trilha continua afiada. Temos uma variedade de estilos, mas todas a músicas são aceleradas, a não ser que alguém esteja tomando aquela dose protocolar de heroína. Aí, a trilha pára e entramos na onda junto com os personagens. É um show de variação.

Temos Queen, Run-DMC e Frankie Goes to Hollywood. The Clash. Sem falar em Underworld, que provoca arrepios na mais sóbria das pessoas. Segue aí a trilha sonora completa do filme:

Underground e Moralismo

Trainspotting(1996)

T2 continua com o fator underground presente. Um filme que procura o tempo todo questionar e provocar o meio de vida convencional. Ir contra modismos. Ele propõe, critica e não te dá uma solução.

O roteiro é o melhor dos dois filmes. Essa comparação é inevitável, o segundo filme provoca o tempo todo e faz um fan service muito bem feito, fazendo referências a todo instante a cenas e propostas do primeiro filme. É um ''mais do mesmo'' atualizado. Questões que não apareciam em 1996 aparecem agora em 2016/2017, o que culmina na melhor cena do filme. Te agride, te desafia e te deixa sem palavras:

Choose life
Choose Facebook, Twitter, Instagram and hope that someone, somewhere cares
Choose looking up old flames, wishing you’d done it all differently
And choose watching history repeat itself
Choose your future
Choose reality TV, slut shaming, revenge porn
Choose a zero hour contract, a two hour journey to work
And choose the same for your kids, only worse, and smother the pain with an unknown dose of an unknown drug made in somebody’s kitchen
And then… take a deep breath
You’re an addict, so be addicted
Just be addicted to something else
Choose the ones you love
Choose your future
Choose life”

Respire fundo… e vamos lá.

A franquia nunca foi moralista, mesmo tratando de um tema que é um grande taboo. O filme mostra o que acontece, e você que tire suas próprias conclusões.

Essa abordagem é muito interessante, pois aproxima o longa da realidade. Na vida, não há uma mensagem pronta, fácil de ser identificada. As coisas aparecem e cabe ao seu senso crítico entender o que é certo e o que é errado. É assim em T1 e T2.

Com isso, temos personagens reais, que mesmo que tenham suas mazelas, são extremamente humanizados. Exceção feita aqui para Begbie, que assume papel de vilão claro no segundo filme, o que não acontece no primeiro.

Por mais escatológica que algumas cenas sejam, o humor também está lá representado. Conseguimos rir com a mais absurda das situações em Trainspotting.

O saldo nostálgico

Autorreferência T2 para T1

Se uma palavra fosse capaz de resumir essa continuação, seria nostalgia. Esse sentimento permeia o longa. É um filme sobre o passado, sobre como deixar o passado de lado, seguir em frente, ou não.

O filme exagera um pouco nessa dose com o perdão do trocadilho. É muito T1 em T2. O segundo filme perdeu um pouco em independência e ficou viciado, assim como seus personagens, em uma nostalgia que ao mesmo tempo é muito legal por lembrarmos do querido T1, mas é também falta de criatividade.

Ansiávamos por ver uma proposta nova, mas essa foi atualizada. Foi bastante eficiente nessa atualização, continuou agredindo, mas não surpreendeu. É um filme viciado em nostalgia. Quem gosta de T1, vai gostar de T2, mas dificilmente achará o segundo melhor que o primeiro.

Críticas a parte, o escritor desse post se assume um fã da franquia e pede:

Escolha a vida.

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Caio Simão
Água de Salsicha

Crítico de Cinema e apaixonado também por diversos tipos de esportes. É vascaíno fanático e ama o Marvin, seu cachorro. Nas horas vagas, é Engenheiro Químico.