Tranquility Base Hotel + Casino: Arctic Monkeys se supera e consagra Alex Turner de vez

Rafael Barreto
Água de Salsicha
Published in
6 min readMay 17, 2018

Mensagens subliminares. Boatos nas redes sociais. Pistas lançadas pela banda. Projeto solo paralelo do vocalista a mil. Desaparecimento dos palcos desde 2014. Cavanhaque do Alex Turner. Anúncio do novo álbum sem nenhum lançamento prévio de single. Shows esgotados com meses de antecedência.

Não foi pouca a expectativa que envolveu o lançamento do novo álbum dos Arctic Monkeys. Ao lançarem, em 2013, o álbum hitmaker AM, os britânicos de Sheffield alcançaram o patamar de uma das maiores bandas de rock do mundo, voltando para os radares das críticas especializadas após dois álbuns dispensáveis. Depois do último show da turnê AM, no Rio de Janeiro em 2014, os Arctic Monkeys sumiram e não foram mais vistos juntos por um bom tempo.

Enquanto Alex Turner estava fazendo sucesso com seu melhor amigo, Miles Kane, rodando o mundo em turnê com o projeto Last Shadow Puppets, as esperanças de um novo álbum dos Arctic Monkeys ficaram estagnadas, porém, os fãs mais atentos já tinham ali a oportunidade de pressentir como seria um novo trabalho da banda. Last Shadow Puppets permitiu a Turner, vocalista e compositor, que se confortasse no seu status mundial de rockstar para explorar novas sonoridades sem afetar a carreira dos Arctic Monkeys e ofender a memória de seus fãs.

Com importantes e contemporâneas bandas indie, como The Killers e Arcade Fire, lançando novos trabalhos com pegada eletrônica e abuso de sintetizadores, indicando um novo rumo do rock independente, muitos ficaram preocupados que os Arctic Monkeys pegariam o mesmo bonde para se manterem mainstream e relevantes no cenário musical mundial.

Porém, ao invés de apostarem que você manda bem na pista de dança, os Arctic Monkeys pegaram a contramão com um cavalo-de-pau tão sinistro que muita gente ainda está atordoada com o mais novo álbum, o sexto da carreira, Tranquility Base Hotel + Casino.

Assim como fizeram os Beach Boys e os Beatles com Pet Sounds e Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band, após fazerem muito sucesso com um estilo único e personalizado, Alex Turner e sua banda decidiram assumir um risco muitas vezes fatal na instável vida de uma banda de rock. Arctic Monkeys finalmente chegou no ponto decisivo em que seus integrantes tiveram que escolher entre fazer mais do mesmo, músicas com riffs emblemáticos que lotariam pistas de dança e fariam tremer estádios de futebol; ou ceder à tentação de responder aquela pergunta que surge acompanhada da fama na carreira de um músico: “Será que sou genial?”

A primeira opção garante estabilidade, sucesso, fama e dinheiro. Em time que está ganhando não se mexe. A segunda é um ponto sem volta em que não se admite fracassos. A tentativa de provar uma genialidade, um talento musical fora da curva é muito expositiva e deixa o artista em uma posição extremamente vulnerável. A tentativa fracassada é sempre muito nítida e responde a pergunta de um forma bem clara, curta e grossa. Estabelece um teto, uma altura máxima de voo. O que são os Strokes hoje em dia?

Sem medo, bancando a aposta e assumindo o risco, Alex Turner largou a guitarra, adotou o piano e guiou os Arctic Monkeys para o lançamento de um álbum conceitual, profundo e tecnicamente perfeito.

Ao invés de abusar de sintetizadores eletrônicos, os Arctic Monkeys apostaram em batidas de jazz, linhas de baixo marcantes e um piano insistentemente trabalhado para dar ao álbum a atmosfera soturna, fantasiosa e quase cinematográfica que Turner havia concebido.

Obcecado no tema do avanço da tecnologia e da nossa quase cega submissão a aparelhos eletrônicos e redes sociais, Alex Turner precisou se distanciar da sociedade para que pudesse criticá-la. O exílio encontrado, em uma distância segura, seria criando um Hotel Resort e Casino na Tranquility Base, local onde o homem pisou na lua pela primeira vez em 1969.

O álbum gira em torno dessa ideia: um oásis na lua em que estaríamos afastados da escravidão tecnológica em que nos submetemos. Para dar força a essa vibe futurista e ilusionária, Turner se debruçou sobre a cultura da ficção científica para criar um disco espacial misturado com uma ideia de lounge de hotel — se esse hotel fosse o que Jack Nicholson perdeu a cabeça no filme “O Iluminado”.

Enquanto não sabíamos se iam se dedicar a fazer hits como antigamente ou se aventurar em campos eletrônicos para novas músicas dançantes, os Arctic Monkeys pegaram uma nova e inesperada rota, pendurando seus sapatos de dança e entrando numa onda diferente de tudo que já fizeram, se reinventando e colocando um marco em sua carreira.

Naturalmente, é um álbum de difícil digestão na primeira "escutada". É necessário se desfazer da expectativa de um AM vol. II ou até de um flashback para seus álbuns iniciais de rock puro, cru e honesto. Ao incorporarmos a proposta do novo Arctic Monkeys, conseguimos ver que eles são capazes de ir muito além disso.

Mesmo que disfarçado, tudo que eles construíram ao longo dos 13 anos de banda está presente. A versatilidade é tamanha que mesmo que seja algo bem diferente do que costumam fazer, não temos dúvidas de que este é um álbum dos Arctic Monkeys quando o escutamos. O carro chefe do álbum, “Four out of Five”, é um dos principais demonstrativos. Traz um riff marca registrada da banda que se harmoniza com perfeição na nova sonoridade trazida por Tranquility Base Hotel + Casino.

Novamente, não é um álbum fácil. É um álbum de maturidade sonora, necessário para a banda e essencial para sua discografia. Mesmo que sirva para provar um ponto e que eles voltem a fazer o que faziam antigamente, o recado está dado. Aos 32 anos de idade, Alex Turner compôs músicas muito mais velhas que ele e atraiu atenções inéditas para seu trabalho.

Sucesso da crítica e já campeão de vendas — na primeira semana, o disco vendeu mais que o top 20 britânico somado, devendo alcançar a primeira posição em breve -, o sexto álbum da banda a coloca no paraíso dos corajosos, do que tentaram e conseguiram.

Alex Turner abre o álbum dizendo: “I just wanted to be one of The Strokes/Now look at the mess you made me make”. The Strokes assumiu o risco e fracassou. A nova sonoridade trazida em Comedown Machine não colou e a banda hoje vive, com muita fragilidade, de glórias do passado. Tranquility Base Hotel + Casino prova que Arctic Monkeys não são e não serão isso. Se reinventaram com uma sonoridade madura e original, provando que se mantém relevantes e que estão em um processo meteórico de ascensão para a direção que quiserem pois têm talento musical e genialidade para isso. A espera acabou. Os Arctic Monkeys voltaram mais fortes do que nunca.

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