Seria esse o futuro da TV brasileira?

Rafael Barreto
Água de Salsicha
Published in
4 min readAug 25, 2016

Já tem um tempo que podemos perceber que a televisão é o futuro do entretenimento adulto e que irá desbancar o cinema dentro de alguns anos. As previsões são de que o cinema se restringirá ao culto da sétima arte e a televisão receberá o movimento migratório dos blockbusters das telonas. Pode parecer nonsense,mas a supremacia das séries de televisão está criando um novo tipo de espectador. O consumidor se acostuma com um formato menor, com mais informações em menos tempo, com uma história capaz de oferecer o máximo de clímax possíveis em menos de uma hora que o faz sempre querer continuar interessado por uma trama mais complexa contando que os ganchos estejam bem posicionados. Aos pouquinhos esse novo espectador não terá mais paciência para um filme de 2 horas, preferindo prolongar sua atenção por anos, contanto que seja dividida em um episódio por vez.

Diferente dos Estados Unidos, nossas produções televisivas não são voltadas para séries de televisão. Nosso mercado visa às telenovelas e minisséries que vêm funcionando há mais de 50 anos, sem um motivo concreto para que esse cenário mude. No entanto, a Rede Globo resolveu experimentar esse novo mundo e essa semana lançou a série “Justiça”, no formato das produções norte-americanas. A resposta veio em peso nas redes sociais.

Deixando de lado os aspectos técnicos por enquanto, a série acertou muito bem na escolha do tema. Extremamente abrangente, capaz de contar várias histórias parecidas de formas diferentes, a temática da justiça dificilmente será esgotada. Apesar de ser um valor em abstrato quase inalcançável, o sentimento de justiça é subjetivo ao ser humano e pode muito facilmente se desvirtuar e se transformar em vingança de acordo com cada experiência pessoal. Focando em episódios trágicos da vida de quatro personagens principais, a série coloca a sociedade brasileira em confronto com o sentido de Justiça, questionando o quão eficiente é o nosso sistema punitivo e carcerário para que a justiça seja feita.

Justiça é um tema muito recorrente em mesas de bar nas noites bêbadas de nossas cidades. Apesar de cada um ter o seu pitaco, desde a Grécia Antiga se procura uma definição em abstrato de justiça e existem ciências próprias para conseguir explicar o que é justiça. Nossas leis e penas são feitas em cima de teorias e estudos que aproximem a punição ou reparação o mais próximo possível do valor abstrato de uma justiça para todos. Apesar das críticas feitas na série à nossa legislação, a questão que fica em aberto na verdade é o quanto nós somos capazes de nos contentar com a justiça que nos é oferecida. Será o sistema brasileiro realmente falho e insuficiente ou o injustiçado que exige uma resposta que na verdade extrapola o sentido abstrato de justiça? Desacreditados e insatisfeitos, os personagens da série vão atropelar a justiça institucionalizada para perseguir a velha lei do olho por olho, dente por dente, revestida na verdade de vingança.

Com uma direção afiada e um roteiro envolvente, a série “Justiça” apresenta uma qualidade superior a qualquer outra produção já feita pelas televisões brasileiras. Os atores mostram uma preparação típica do cinema, mostrando que estamos prontos também para experimentar essa transição aqui no Brasil. O roteiro foi inteligente o suficiente para criar um enredo complexo que avança em quatro frentes interligadas. A jornada de cada um dos quatro personagens, exibidas em um capítulo de cada por semana, promete nos mostrar a longa e turbulenta estrada pela justiça que não escapa das tentações da vingança.

Porém, nem tudo são flores. Por ser uma televisão aberta e o canal mais popular do Brasil, a Rede Globo esbarra em censuras etárias para adaptar temáticas mais adultas em sua programação normal. Por isso, vemos um certo abuso da erotização na série com cenas desnecessárias que só servem para manter o telespectador acordado até tarde. Uma manobra consideravelmente baixa para conquistar uma parcela de público que não acrescenta em nada para trama.

É possível que “Justiça” seja um salto para as produções televisivas brasileiras, mas não podemos deixar de imaginar que o roteiro também poderá tropeçar no futuro e torná-la apenas mais uma minissérie vazia da Globo. Por enquanto, tanto a recepção do público e da crítica foram boas e a série mostrou uma faceta diferente, mas ainda assim é possível que o interesse pelos números de audiência fale mais alto e a produção se desvirtue. É pagar para ver. Por enquanto, vamos esperando que o tema justiça seja muito bem aproveitado na série que se passa em um país em que a desconfiança nas instituições e a revolta com a impunibilidade crescem a cada dia.

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