Uma série para Rainha nenhuma colocar defeito

Amanda Machado
Água de Salsicha
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4 min readFeb 2, 2017

A série ganhadora do Globo de Ouro na categoria Melhor Série Dramática pode até não ter alcançado grandes números em relação à audiência, sendo a terceira pior série da Netflix nesse quesito, mas agradou muitos aos fãs e críticos que ficaram boquiabertos com uma produção glamourosa e impecável. Não era por menos, The Crown é a série de televisão mais cara da história, com um orçamento de US$ 130 milhões somente para a primeira temporada, a série promete bater ainda mais recordes, já que apresentará uma temporada para cada 10 anos do reinado de nossa protagonista.

Todo esse luxo é apenas pano de fundo para uma história que conta de forma bastante íntima, o início do reinado de Elizabeth II, a atual rainha do Reino Unido. Mesclando história real e dramas ficcionais, a série enrosca o telespectador através dos episódios, gerando uma curiosidade sobre detalhes de fatos apenas lidos nos jornais e livros de História. O tom crível dos diálogos é o que torna a série tão interessante.

Em muitos momentos, a impressão que temos é de que o roteiro da série é lento. E é mesmo, isso porque o roteiro, realizado por Peter Morgan, também criador do longa A Rainha, é rico em detalhes minuciosos coletados ao longo de anos de dentro do castelo da monarca. Como se a série precisasse de mais atributos, The Crown, conta com atuações impressionantes. Claire Foy interpreta a rainha com maestria, o que lhe rendeu o Globo de Ouro, já John Lithgow se transformou completamente para dar vida a Winston Churchill.

O enredo se desenvolve de maneira à mostrar várias facetas do estilo de vida da monarquia britânica, além de sua própria história. Algo bem trabalhado na série e que talvez não seja de total conhecimento do público, é a personalidade de Margaret, irmã de Elizabeth, e a relação entre elas. As duas tinham personalidades completamente opostas, como dito na série, uma era “o orgulho” e a outra “a alegria”. Em muitos momentos a relação entre ambas gera apreensão, mas é bastante interessante uma série que conta a história de uma rainha dar tanto espaço a uma relação fraternal, sendo talvez a principal relação do drama.

Quem conhece a imagem séria de Elizabeth II, não consegue imaginá-la como uma princesa apaixonada. No entanto, inicialmente somos apresentados a uma jovem completamente envolvida em seu relacionamento amoroso e submissa ao seu esposo. Aos poucos, com a coroa e com as responsabilidades e privilégios advindos desta, Elizabeth vai mudando e se tornando a mulher forte e destemida que conhecemos. Já Philip, seu consorte, vai se tornando um homem ainda mais frustrado que vive às sombras de sua esposa, uma das mulheres mais poderosas do mundo. Obviamente, em um relacionamento da década de 1950, essas mudanças não aconteceriam sem gerar grande atrito.

A crítica ao preconceito de gênero vai sendo realizada durante toda a série. Uma mulher ocupar o maior cargo de um império, sendo este todo controlado por homens, ainda mais sendo esta uma jovem de 25 anos, não seria recebido de forma amistosa nem nos dias de hoje. Apesar de Elizabeth estar sempre atenta aos seus deveres e buscar cumprir seu papel com perfeição, sua ingenuidade muitas vezes é usada para que as pessoas ao seu redor que a julgam inapta ao cargo, a manipulem para alcançarem os resultados que acham necessários. É necessária toda uma temporada para que consigamos observar uma rainha mais segura de si e de suas decisões.

Apesar de vermos um grande crescimento pessoal da monarca durante a temporada, que vai descobrindo quem é, o que deve ser e o tamanho da sua força. Incomoda muito concluir que mesmo tendo dezenas de pessoas próximas com o dever de ajudá-la e aconselhá-la, mesmo ocupando o maior cargo de um império, mesmo tendo sobre a cabeça uma coroa e um símbolo divino, essa jornada de auto-conhecimento e de busca por segurança é extremamente solitária. Aparentemente, não importa se você é rainha ou plebéia, ser mulher e ser reconhecida como capaz de realizar toda e qualquer tarefa é uma estrada escura e apavorante na qual você caminha sozinha.

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Amanda Machado
Água de Salsicha

Médica, dançarina, educadora em Projeto Luar de Dança, escritora do quadro Mulheres em Ação na página Água de Salsicha. Sobretudo, feminista!