O que a Marvel insiste em nos dizer sobre o lugar das mulheres

Amanda Machado
Água de Salsicha
Published in
5 min readMay 8, 2016

Fãs do Água de Salsicha, isso mesmo, o quadro é novo e a escritora também. O quadro que se inicia hoje é uma nova parceria que tem como objetivo deslocar os holofotes do entretenimento feito por homens e para homens e destacar o lugar feminino nas telas, na música, nas páginas e no mundo. Lá vai uma boa dose de ação feminina…

O que a Marvel insiste em nos dizer sobre o lugar das mulheres

Na última semana as redes sociais ficaram repletas de pessoas debatendo sobre quem estaria certo, o Homem de Ferro ou o Capitão América, todos escolhendo um lado. As salas de cinema lotadas de fãs dos heróis e de quadrinhos. Poucos se deram conta de como a Marvel retratou e vem retratando o comportamento feminino dentro desse universo.

A Viúva Negra, personagem interpretada nos cinemas pela atriz Scarlett Johansson, apareceu pela primeira vez em um filme da Marvel em 2010, desde então vem sendo retratada desde “ajudante” até “muleta sentimental”. Essa crítica não é nova, críticas em relação ao lugar ocupado pela Viúva Negra nos Vingadores vem sendo levantadas há alguns anos, entretanto a reação da Marvel às críticas não é de reformular verdadeiramente o espaço ocupado pela Viúva Negra, mas de ir escondendo cada vez mais o sexismo por detrás de pequenas esmolas.

Inicialmente a Viúva Negra apenas fazia parte do cenário, atuando muitas vezes como uma secretária, servindo apenas para embelezar as telas e ser uma personagem com a qual as espectadoras pudessem se identificar. Aos poucos foi ganhando minimamente mais destaque, mas nunca dando ao espectador a oportunidade de um aprofundamento na história da personagem. A heroína apenas se destacava como interesse romântico ou a mocinha a ser salva, lugar que nenhum fã esperaria para uma super-espiã com habilidades e agilidade sobre humana.

Não bastasse o sexismo nas telas, o mesmo foi parar nas entrevistas sobre o filme, vindo dos atores que interpretam o Gavião Arqueiro e o Capitão América. Os mesmos declararam aos risos que a Viúva negra seria uma “vadia” e uma “puta”. Isso devido ao fato de uma não confirmada interação amorosa com três dos heróis. Porque nenhum homem se envolve amorosamente com mais de três mulheres na vida. E caso se envolva, isso faz dele ainda mais super. Uma super-heroína maravilhosa tem o direito de se envolver com quantos homens ou mulheres ela quiser e, mais ainda, dar um pé na bunda de fanfarrões.

“Não uma vadia”

A história ainda vai mais longe quando não inclui a Viúva Negra em vários dos produtos de divulgação dos filmes, inclusive a substituindo em produtos que retratam cenas vividas pela personagem. Digno de boicote.

Em Capitão América: Guerra Civil, a história continua. A Viúva Negra é colocada em um papel de conciliadora, quase que como uma mãe em briga de filhos teimosos. Por que um personagem do sexo masculino não foi colocado nesse papel? A resposta é simples, sempre que se precisa de um personagem gentil e compreensível que tenta ser empática e ouvir os dois lados da história, essa personagem será uma mulher. Homens e, mais, super-heróis nunca valorizarão mais o diálogo que a violência.

Se a problemática parasse na Viúva Negra, estaria agora um pouco confiante, talvez tendendo a ilusão de que a história pode melhorar já que durante essa semana foi anunciado por Kevin Feige, presidente da Marvel Studios, o seu comprometimento em realizar um filme solo da vingadora. Espera-se que dessa vez a Marvel cumpra o que prometeu, caso contrário, perderá muito mais do que perdeu com a não produção de artigos da heroína.

Como sexismo pouco nunca é suficiente, a Marvel ainda nos presenteia com o melhor do lugar comum. Temos uma Feiticeira Escarlate, interpretada por Elizabeth Olsen nos cinemas, não apenas com problemas para lidar com a magnitude dos seus poderes, o que seria esperado já que é uma das dificuldades da personagem nos quadrinhos. Mas é oferecida aos fãs uma heroína, mulher que, como toda mulher de acordo com o senso comum, é surtada. Não é explicado na história que ela ainda é jovem e não tem total controle dos seus poderes, não nos mostram uma heroína que reflete e se conclui desolada por ter causado danos à inocentes. O que vemos é uma heroína a quem é dito que ela deve ficar desolada, sem nenhum tipo de avaliação sobre como ela realmente se sente em relação à tragédia.

Ainda que tivéssemos uma super-heroína que se sente mal por ter causado uma tragédia, a evolução da personagem novamente nos remete ao lugar comum de comportamento feminino. Não é ela que escolhe ficar reclusa, é obrigada a isso e convencida de que é o melhor, por um homem, ou mais de um. E até mesmo quando parte rumo ao outro lado da batalha, não é a partir de uma reflexão própria sobre qual atitude é melhor dentro de sua visão, mais uma vez é imposto que ela se liberte, por um homem, ou dois.

O filme pode ser ótimo, para os fãs, homens. Para nós, mulheres, ainda não nos sentimos representadas por essas personagens. Vingadoras que são fortes, decididas, inteligentes, bonitas e que não precisam ser salvas por nenhum super-herói, muito menos ter sua voz silenciada ou ter retirado seu direito de decisão. Marvel, por favor, se redima na próxima. É o mínimo perante o público feminino que ainda vem lotando as sessões.

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Amanda Machado
Água de Salsicha

Médica, dançarina, educadora em Projeto Luar de Dança, escritora do quadro Mulheres em Ação na página Água de Salsicha. Sobretudo, feminista!