Agora que conhecemos mais o SARS-CoV-2, podemos ficar só limpando as superfícies?

Adriana Cabanelas
Óleo de Cobra e outras coisinhas
7 min readMar 12, 2021

Esse texto foi escrito em 6 de janeiro de 2021 para ser publicado em um site de DC, mas por motivos que não cabem ser explicados, acabou sendo esquecido. Hoje dia 12 de março lembrei dele e vou trazer alguns pontos importantes e responder às perguntas que tenho recebido e publicar aqui no meu antigo blog. Se vc não quiser ler o texto todo, que está logo abaixo, pelo menos leia os tópicos.

  • A transmissão principal é por aerossóis. A distância praticada de 2 metros é eficiente em ambientes abertos e ou bem ventilados, porém não é o suficiente em ambientes fechados. Evitem ao máximo esses lugares. Deixem portas e janelas abertas para aumentar a ventilação
  • A literatura de forma consistente mostra que o uso de máscaras faciais de pano reduz a carga viral inalada, o que provavelmente diminui a gravidade da doença. Porém com o surgimento das novas variantes, isso pode ter se tornado insuficiente como forma de proteção. A recomendação atual é o uso de máscaras PFF2 sem válvula.
  • Indiferente do tipo de máscara, esta deve cobrir corretamente o nariz e a boca e estar perfeitamente ajustada ao rosto de forma a não permitir a entrada de ar que não seja filtrado pela máscara.
  • Me perguntaram muito nesses meses se pode-se usar máscaras de pano por baixo da máscara PFF2. A resposta é não. O CDC em fevereiro de 21 recomenda usar uma máscara cirúrgica com uma máscara de pano bem ajustada no rosto como uma solução eficiente.
  • Máscaras de tecido precisam ser lavadas após o uso, porém máscaras PFF2 não devem ser lavadas ou borrifadas com álcool. O ideal de uso seria jogar fora após o uso, mas com a escassez, o reuso tem sido preconizado com o esquema de rodízio. Usar uma máscara PFF2, botar para ventilar e utilizar novamente após um mínimo de 3 dias. Jogar fora a máscara quando apresentar defeitos ou a vedação se perder.
  • No twitter @qualmascara, @estoque_pff e @PFFparaTodos ensinam como usar corretamente a PFF2 e onde comprar por bons preços.
Imagem retirada do site https://www.pffparatodos.com/d/reutilizar
  • Mutações e variantes são normais e fazem parte da vida normal de todo microrganismo. O surgimento de variantes é esperado. Porém nós ativamente fornecemos condições que facilitam o surgimento de mutações que aumentaram a aptidão viral, fornecendo alta circulação do vírus na população e uma pressão seletiva em infectar pessoas que já apresentavam anticorpos.Essas variantes são favorecidas pelo descontrole da pandemia. Tanto o é que as mutações selecionadas por essas variantes aumentam a afinidade ao receptor celular, facilitando a entrada na célula humana e o escape dos vírus aos anticorpos.
  • A variante P1 já é a predominante em várias cidades no Brasil, então se proteja ficando em casa, trabalhando de home office e tudo mais que você puder fazer para não entrar em contato com outras pessoas.

E agora se você quiser ver o texto original:

Muitos dos cuidados que tomamos para nos proteger da COVID19 mudaram ao longo do tempo, à medida que mais informações sobre o vírus e a doença foram sendo obtidas. Parece uma eternidade, mas em março de 2020, o uso de máscaras não era recomendado pelos especialistas, o que hoje soa como um absurdo, já que sabemos que elas são indispensáveis para diminuir a inalação de partículas virais lançadas no ambiente por pessoas contaminadas. E no meio do ano passado, a recomendação era usar máscaras de pano como suficiente e hoje com as novas variantes, a recomendação é guardar todas essas e usar apenas máscaras PFF2 se for imprescindível sair de casa. E isso é normal: conforme temos mais dados sobre um assunto, podemos mudar nossas atitudes e recomendações.

Também em março, foram publicados artigos mostrando que o SARS-CoV era detectável em diferentes superfícies, e era encontrado dias após a contaminação. E essa informação, que virou notícia em todos os jornais e meios de comunicação, fez com que as pessoas começassem a descontaminar todas as superfícies, as compras e passar compulsivamente álcool em gel nas mãos após tocar em qualquer coisa. A própria Organização Mundial da Saúde nessa época falava sobre contaminação por superfícies. Assim, existia a recomendação de limpar e desinfetar locais onde as pessoas circulavam, como ônibus, empresas, lojas, mercados, etc.

Mas, com o passar do tempo e com mais conhecimento sobre o assunto, especialistas perceberam que havia pouca evidência da passagem desse vírus de uma pessoa para outra através de contato com superfícies. E o Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA, o CDC, já em maio afirmava que a transmissão por superfícies não seria uma via comum de espalhamento do COVID-19. Todos os estudos acumulados até o momento apontavam que a transmissão acontecia pelos aerossóis lançados por pessoas contaminadas quando elas tossiam, falavam ou mesmo respiravam que era inalado pelas pessoas que estavam próximas a elas ou em ambientes fechados com elas. Ou seja, mesmo sendo possível, a transmissão pelas superfícies não parecia ser algo relevante.

Porém a ideia de limpar as superfícies permaneceu em lojas, escritórios e outros locais e altos valores com produtos de limpeza específicos e novas tecnologias foram desenvolvidas para realizar essa função, quando algo mais efetivo como melhorar a ventilação do local e fornecer máscaras seria mais eficiente para diminuir a contaminação entre as pessoas. Sobreviveu a ideia de que precisamos limpar e descontaminar tudo e usar produtos cada vez mais fortes e poderosos de higiene.

Você pode estar se perguntando então sobre os vírus encontrados nas superfícies, que permaneciam semanas e meses depois do provável contágio. A ideia de testar superfícies no início fazia sentido, afinal, do que sabemos de vírus respiratórios, alguns desses são capazes de contaminar as pessoas que tocam superfícies contaminadas. E o coronavírus parecia estar em todos os locais testados, o que o tornava a assustadora ideia de contaminação por superfícies bem plausíveis. Mas o que se percebeu com o tempo é que nessas superfícies era encontrado o RNA do vírus, que é o material genético do vírus, e não exatamente o vírus intacto. E os testes que usamos para detectar o vírus em pessoas e superfícies usam exatamente o material genético do vírus. Assim, boa parte dessas detecções em superfícies eram provavelmente apenas pedaços de vírus inativos, incapazes de contaminar pessoas.

Para saber se o vírus está viável ou não em uma amostra, podemos colocá-lo em células em cultura e ver se eles infectam as células. E sim, apareceram artigos mostrando que amostras retiradas de superfícies eram capazes de infectar células crescidas em laboratório. Testes em tecidos mostravam que o vírus permanece viável por horas apenas. Já em máscaras cirúrgicas, poderia permanecer viável por dias. Mas a questão aqui é que nesses estudos, essas amostras são colocadas e mantidas nas superfícies estudadas em situações laboratoriais controladas, o que não refletem exatamente o que acontece no dia a dia, na vida real. Poucos estudos focaram em amostras retiradas de hospitais, casas, lojas, da rua. E os poucos que o fizeram mostraram que as amostras que apresentaram sinais de RNA positivo eram incapazes de contaminar as células em cultura, ou seja, o material genético estava lá, mas o vírus estava provavelmente inativado.

Até mesmo conseguir vírus viável de amostras ambientais - do ar - se mostrou muito difícil. O único estudo que conheço que conseguiu recolher amostras viáveis do ar conseguiu coletar amostras a 5 metros de paciente com COVID-19, o que talvez indique que o distanciamento de 2 metros entre as pessoas seja insuficiente perto de uma pessoa sabidamente contaminada.

E ninguém aqui está dizendo que você não precisa lavar as suas mãos sempre que possível, nem limpar superfícies. A transmissão através de superfícies no presente momento parece improvável, mas não impossível. E os testes para se chegar a uma prova definitiva seriam antiéticos a serem realizados. E se te faltam motivos, lavando as mãos você está se protegendo de outras doenças também, então lavar as mãos continua sendo algo importante de se fazer, assim como não tocar os olhos, nariz e boca com as mãos sujas. Mas, pelas evidências que temos, deveríamos gastar menos dinheiro com novas tecnologias de limpeza e desinfecção e gastar mais tempo e energia em ventilação, máscara e evitar ficar em espaços fechados como escritórios e lojas. O mesmo sobre evitar ficar em locais abertos lotados de pessoas. Nesse momento em que estamos com aumento de casos, deveríamos focar no retorno do home office pelas inúmeras empresas que abandonaram a prática, e evitar a todo custo sair de casa para o que quer que seja. O distanciamento e, preferencialmente, o isolamento social, assim como o uso de máscara PFF2 para quem precisa sair de casa por qualquer motivo, ainda são as principais maneiras de se proteger contra o SARS-CoV-2.

Alguns dos artigos que foram usados como referências, para quem se interessar em ler mais sobre:

Consenso científico publicado na Lancet: https://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736(20)32153-X/fulltext

Aerosol and Surface Stability of SARS-CoV-2 as Compared with SARS-CoV-1. ttps://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/32182409/

Detection and infectivity potential of severe acute respiratory syndrome coronavirus 2 (SARS-CoV-2) environmental contamination in isolation units and quarantine facilities https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/32919072/

Dismantling myths on the airborne transmission of severe acute respiratory syndrome coronavirus-2 (SARS-CoV-2) https://www.journalofhospitalinfection.com/article/S0195-6701(21)00007-4/fulltext

Low-cost measurement of face mask efficacy for filtering expelled droplets during speech. https://advances.sciencemag.org/content/6/36/eabd3083

Mechanistic transmission modeling of COVID-19 on the Diamond Princess cruise ship demonstrates the importance of aerosol transmission https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/33536312/

Modeling the stability of severe acute respiratory syndrome coronavirus 2 (SARS-CoV-2) on skin, currency, and clothing https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/33166294/

Stability of SARS-CoV-2 in different environmental conditions https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/32835322/

Viable SARS-CoV-2 in the air of a hospital room with COVID-19 patients https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/32949774/

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Adriana Cabanelas
Óleo de Cobra e outras coisinhas

Bióloga especializada em fisiologia e microbiologia. Adora internet e nerdice. Faz um brigadeiro maravilhoso. “google” dos amigos. Membro do podcast Microbiando