Primeiro Uso de CRISPR–Cas9 em Humanos

Adriana Cabanelas
Óleo de Cobra e outras coisinhas
4 min readNov 16, 2016

E saiu ontem uma notícia na Nature mostrando o primeiro uso da técnica CRISPR–Cas9 em uma pessoa. Aí você me pergunta: Hein?????? Que troço é esse?

E a mais nova modinha das ciências biomédicas. Fica calmo que vou tentar explicar.

Foi descoberto no final da década de 80 que bactérias E. coli (as queridinhas dos cientistas) possuíam pequenas sequências de DNA de bacteriófagos. Uns 15 anos depois, percebeu-se uma região do DNA da bactéria que continha muitas dessas sequências, e adjacentes a estas ficavam repetições de nucleotídeos. E isso recebeu o nome CRISPR, que significa Clustered Regularly Interspaced Short Palindromic Repeats ou em português Repetições Palindrômicas Curtas Agrupadas e Regularmente Interespaçadas (eu juro que eu traduzi, mesmo você tendo continuado a não entender o nome). Para que serve?

Então, quando um bacteriófago invade a bactéria, ele usa o maquinário da célula para fazer cópias de si mesmo. E isso não é legal. Então a bactéria usa duas proteínas chamadas Cas1 e Cas2 para cortar um pedacinho do DNA desse vírus e depois armazena esse pedacinho nessa região CRISPR. Assim, nessa região a bactéria está fazendo uma pequena biblioteca de vários pedacinhos de vírus e ela separa cada pedacinho com uma sequência repetitiva. Ao transcrever essa região do DNA, a bactéria produz um RNA mensageiro, que se liga a moléculas de tracRNA que auxilia no corte do mRNA em crRNA (essa informação só é relevante se você for da área, se não for, abstrai e continua). São esses pedaços tracRNA-crRNA que vão se ligar a proteína Cas9, que vai ser a responsável pela destruição do DNA do vírus invasor. Quando a Cas9 “compara” a sequência do complexo tracRNA-crRNA com um DNA na bactéria e esses são idênticos, ela corta a fita de DNA e assim, impede a reinfecção da bactéria com um DNA de vírus já conhecido. E ainda mais importante, as bactérias trocam material genético entre si, então uma elas podem receber a biblioteca uma das outras, criando uma maior proteção. E esse é uns dos sistemas imunes da bactéria.

Ficou difícil mesmo assim? Ok, eu admito que um vídeo é mais legal. Eu procurei por um mediano, mas só achei ou vídeos muito simples ou muito avançados, então como o propósito é ser leigo, coloco esse do In a Nutshell, que é simplificado, mas é bem lindão e fala dos problemas associados. Coloca a legenda em português e vê se agora fica fácil.

Pois é, mecanismo elucidado, porque não usar para manipulação genética? Porque os eucariotos (a qual pertencemos) não possuem sistema CRISPR-Cas9. Mas aí fica muito fácil de resolver, basta desenhar e inserir o que precisamos. Foi criado uma sequência para funcionar como tracRNA-crRNA (que foi chamado de gRNA) e inserindo na célula que queremos modificar o gene do Cas9 e o gRNA, preferencialmente em um vetor, está feito o trabalho, molezinha, molezinha. Mas muita calma nessa hora, que não queremos destruir o DNA, queremos modifica-lo, não é mesmo. Aí bastou fazer modificações no sistema e voilà, podemos fazer o que bem intendemos com a célula. Já em 2013 tínhamos os primeiros animais geneticamente modificados com esse sistema. E todo mundo ficou animado com as possibilidades envolvidas. Porém, a biologia não é um campo fácil, de coisas obedientes.

Como a história mostra com todas as modinhas anteriores (beijo para clonagem, célula tronco, etc.), na teoria é tudo uma lindeza, na prática nada funciona. Células são uns troços muito desobedientes, órgãos mais ainda e organismos então nem se fala. Mas vamos ser otimistas, pois a técnica é realmente incrível, tornando mais fácil e barato fazer coisas que eram muito difíceis e caras. No âmbito da pesquisa e conhecimento vai ajudar muito os pesquisadores. No âmbito da cura de doenças, bebes modificados e o fim da velhice, ainda precisa passar um bom tempo para sabermos se é viável. Mas estão todos muito empolgados, como é possível ver no vídeo e na notícia acima citada, já está em estudos clínicos.

Voltando a notícia, um grupo chinês liderado pelo oncologista Lu You na Universidade de Sichuan que fica em Chengdu introduziu células imunes (células T) modificadas usando essa técnica em um paciente com um câncer agressivo de pulmão. E o que mesmo que o vídeo disse que começava em agosto, mas acabou sendo adiado para agora. O sistema CRISPR-Cas9 foi utilizado para desligar o gene da proteina PD-1, que é uma proteína que “freia” a resposta imune. Assim, essas células modificadas vão continuar atacando e destruir o câncer. Lembrando que esse é um ensaio de segurança, as pessoas tratadas vão ser acompanhadas para ver se essas células que foram injetadas não fiquem muito loucas e acabem fazendo merda (lembrando fortemente dos ensaios clínicos com células tronco? Pois é). E muitos outros estudos clínicos estão programados para 2017.

Eu escrevo de supetão sem revisar, senão acabo desistindo de escrever. Se você achar um erro de português, me avisa, por favor! E se você gostou, clica no coração. É importante para mim, pois é assim que eu sei se vocês gostaram ou não.

E aí, será que finalmente encontramos a solução para nossas doenças?

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Adriana Cabanelas
Óleo de Cobra e outras coisinhas

Bióloga especializada em fisiologia e microbiologia. Adora internet e nerdice. Faz um brigadeiro maravilhoso. “google” dos amigos. Membro do podcast Microbiando