Popole Misenga, judoca congolês, recomeçou a vida no Brasil

Rede Globo
Órfãos da Terra
Published in
3 min readJul 17, 2019

Os relatos de pessoas que tiveram que abandonar seus países e as histórias de quem se dedica a ajudar refugiados a reconstruírem suas vidas estão na 10ª edição do REP — Repercutindo Histórias

Boa noite a todos!

Eu me chamo Popole Misenga. Eu sou refugiado aqui no Brasil.

Posso contar minha história aqui. Foi em um dia de guerra, eu estava com minha irmã mais velha, nós dois começamos a correr, nós dois começamos a correr da guerra, das balas perdidas. Minha irmã começou a chorar, “Você pode partir, me deixar aqui. Estou cansada disso, não posso correr, não tenho escolha, vai…. Quero morrer. Se você me deixar aqui, me deixa aqui… Eu vou ficar”. Comecei a chorar, lá no Congo. Eu olhei melhor para a minha irmã, assim…. É preciso superar. Aí, eu disse, “Eu sou um homem, eu sou um menino. Eu vou. Vai dar certo”.

Eu parti. Eu fui para a floresta. Entrei lá na floresta alguns meses, alguns dias. Um dia depois, encontrei a UNI, do Unicef, que me ajudou. Depois, ela ficou na floresta. Nunca mais a encontrei. Mas nesse momento, nos falamos. A gente se fala, se telefona. Ela está viva

Eu perdi minha mãe lá, eu perdi minha mãe lá. Nós fomos abandonados em Kinshasa, na capital, na rua. Eu virei menino de rua. Deixei minha família em Bukavu. Foi lá que aprendi judô, em uma ONG. Como se diz aqui, em uma pequena ONG. Foi lá que comecei a fazer judô, porque eu vi que as pessoas do judô… havia muitos esportes lá… judô, boxe, karatê, maratona. Vi que no judô existe educação. Eu era uma criança mal-educada, perdida. Disse a mim mesmo, “Vou para o judô por uma boa educação”.

Como judoca, me tornei campeão do Congo, campeão do Congo. Campeão do Congo. Duas vezes, fui medalhista na África. Viajei para competir. Uma vez, vim para a Copa do Mundo aqui no Brasil. O técnico da equipe nos abandonou. Não havia vale refeição para comer. Ficamos três dias sem comer. Junto com uma amiga. Ela resolver deixar o hotel. Eu me disse, “Eu não conheço ninguém aqui no Brasil. A língua que eles falam aqui, eu não conheço, não entendo, não sei falar. Como vou sair na rua?”.

Quando cheguei lá no Maracanã, me perdi no Maracanã. Aí, decidi que não podia mais voltar ao hotel, porque não tinha mais comida lá. “Vou ficar na rua”. Fiquei do lado de fora do Maracanã um dia e uma noite. De manhã, cinco ou seis horas, vi uma pessoa que passava na rua, vi uma pessoa negra passando: “Você fala francês? Você fala francês?” E a pessoa, “Não, não, não!”.

Graças a Deus, eu segui. Eu encontrei uns africanos que me levaram para a Caritas (Caritas Arquidiocesana). Lá, tinha lugar. Eles recebem refugiados lá. Fui com ele para lá. “Aqui não tem problema. Vamos te dar o protocolo de um CPF e você vai fazer biscates como fazem os caras”.

Agradeço também ao Flavio Canto, ele foi a pessoa que me doou o seu kimono. Flavio Canto, que me levou ao “Reação”, me perguntou, “Onde está seu kimono?”. E eu disse: “Eu não sei de kimono. Eu estou aqui, mas não sei de equipamento”. Ele tirou seu kimono “assim” e me deu, “Toma aqui o kimono, comece aqui o judô. Geraldo, esse aqui é seu filho”. Geraldo Bernardes. Geraldo, esse é o filho que estou te dando; é preciso cuidar dele”.

Tenho orgulho de ser refugiado, porque represento todos os refugiados do mundo!

--

--