Prudence Libonza empodera mulheres negras e africanas

Rede Globo
Órfãos da Terra
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4 min readJul 17, 2019

Os relatos de pessoas que tiveram que abandonar seus países e as histórias de quem se dedica a ajudar refugiados a reconstruírem suas vidas estão na 10ª edição do REP — Repercutindo Histórias

Eu sou Prudence Kalambay, da República Democrática do Congo, tô no Brasil há 11 anos.

Aconteceu uma coisa no meu país, não poderia ficar. No Congo hoje, no meu país, nós vivemos há 20 anos uma guerra inesquecível, que a “mídia não se fala”. “Na Leste” do país, algumas mulheres estão sendo usadas como arma de guerra. E as crianças, que poderiam estar na escola estudando, estas crianças não têm oportunidade, essas crianças estão sendo usadas como “trabalho escravo”.

Quando eu saí do meu país, o Congo, eu fui no país vizinho, daí que eu entrei ilegal. Entrei como? Eu nunca vou permitir desejar alguém passar aquilo que eu passei. Hoje, virou uma história, claro, mas eu presenciei isso. Entrei no mato, entrei ilegal. Eu não poderia entrar junto com minha filha, porque ela ia chorar, gritando e os “militão” (militares), na fronteira, iam entender que tem gente dentro da fronteira. Eu deixei minha filha na Kombi e eu entrei no mato “rampão”, tipo “militão” que ‘rampa’ no campo de batalha, na guerra.

Nesse país, lá eu consegui conhecer e me apaixonar “no” Brasil. E assistindo televisão toda hora, assisti a essa novela “Alma Gêmea”, novela da Globo. E naquele momento — não escutava nem nada da língua portuguesa, aí, eu tive que pedir para alguém que tava perto de mim, “Me ensina, me explica”. Me deu mais força o amor, que reconheci “aprendesse a língua” (ao aprender a língua). Um dia deu certo, conheci o pai dos meus filhos, que claro que me ajudou a poder sair daquele país e chegar aqui no Brasil. Eu desci nessa cidade maravilhosa, que é o Rio de Janeiro. Ao descer no Rio de Janeiro, no aeroporto, eu não conhecia ninguém quando cheguei no Brasil. Cheguei grávida, com a minha mais velha. Quando eu saí do aeroporto, Avenida Brasil, tudo que eu olhava “para lá”, me deixava que…. “Beleza, a minha casa dos sonhos, casa de novela da Globo”, isso que eu queria pra mim. Eu já sonhava aquilo. Aí, passou a Avenida Brasil, cada vez o meu olhar começou a mudar. “O que que tá acontecendo? O que que tá acontecendo? Eu não desci no Leblon, nem Barra, nem na Tijuca”. Eu desci aonde? Na comunidade, claro. Na comunidade de Brás de Pina. Fiquei sete anos no Rio de Janeiro, que eu chamo minha cidade, sou carioca com sotaque, “raaaaaaaaaaarh” (risos). Aí, eu pensei em sair do Rio, para tentar “nova oportunidade São Paulo”.

Ao chegar São Paulo, gente, não foi fácil, eu cheguei em 2015. Naquele momento, tinha aquele vento que o trabalho era tão difícil, junto com o meu esposo — infelizmente, hoje eu sou sozinha, solteira — e ele não conseguiu emprego, nem eu. O que que aconteceu? Para não ficar na rua, com os nossos filhos, eu não poderia ficar na casa das pessoas com meus filhos. Aonde eu tive que me abrigar? Eu fui morar na ocupação da República, lá no Centro da cidade.

Eu corri atrás para alugar minha primeira casinha lá na Zona Leste, foi um quarto só. “Vamos sim, focar aqui”. E aí, minha vida começou a crescer aos poucos. Eu falei…, fui consultar Caritas (Caritas Arquidiocesana), São Paulo, daí me convidaram para poder participar do “Empoderando Mulher Refugiada”, foi a primeira reunião que eu comecei a sentar, conversar e, daí, eu comecei a ter aquele sonho que eu tinha “Prudence”, aquele sonho que eu tinha antes começou a se realizar.

Antes, eu pensava, “ser refugiada, ser estrangeria, minhas portas ia ser fechada”. Mas eu vi que “se sabemos que o Brasil também passa por uma situação…”, mas quando você corre atrás, você consegue ter a oportunidade sim. Eu comecei a ver aos poucos, “Uau, eu posso sim conseguir, indo atrás dos meus sonhos!”.

Eu amava muito ser modelo aqui, como não consegui ser agenciada, “o que que eu vou fazer?”, vou ser a minha própria protagonista. Eu comecei a me apresentar com a minha cultura africana, quando “me chama”, ia de roupa, de turbante, de tudo, aí eu falava do meu país, o Congo, a República Democrática do Congo. Aí, eu comecei a pegar essa bandeira da África, com orgulho de dizer, “Eu sou África”. Essa África que o mundo quer olhar, de olhar “tipo preconceito”, de olhar dizendo “Oh, coitado”. Falei, “Não! Não somos coitados não”.

Eu sou uma mulher, hoje, eu faço o meu trabalho de empoderar essas mulheres, como eu, essas mulheres que “se acham dizendo ‘que acabou a vida’”. Essas mulheres refugiadas que se sai do país dizendo “Como eu sou mulher, como eu sou mãe solteira, não posso nada, as portas vão ser fechadas”. Aí, essa luta vem desde a minha terra, essa coragem para poder ajudar.

Estou começando a empoderar as mulheres, falando sobre a força da mulher e, ainda, falando sobre a força da mulher negra e africana. Eu tenho muito orgulho! Nós passamos uma coisa hoje, ser negra é uma coisa, tipo ameaça. Uma coisa, olha, muito chocada! Aí, eu falo “Gente, eu sou humana como todo mundo, se você me cortar, cai o sangue vermelho, como esse que sou. Por que tem que ter esse olhar?”.

Aonde eu passo, eu falo, “Eu sou Prudence, África, refugiada, mãe de cinco filhos. Sou. Eu chego, eu ‘sorri’, eu falo com as pessoas, eu posso, eu posso. Aonde eu passo, saio por aí, botar a bandeira e dizer, “Obrigada, Brasil! Essa é a minha casa”.

Muito obrigada!

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