O mundo está às avessas
O que era real tornou-se virtual e o virtual passou a ser nossa realidade. Entramos de cabeça no mundo fantasticamente perigoso da internet. Lá, a verdade é absoluta, não existem muros e mesmo assim você só pode ficar de um lado. O meio termo se perdeu, não tem valor. O sensato se escondeu atrás da tela, pois o mundo virtual é voraz demais, dá preguiça! É uma luta sem vencedor, uma guerra de disputa por algo que não existe.
Só essa semana já devo ter lido umas quatro resoluções definitivas para todos os problemas da humanidade. O problema é que definitivamente a terra não é plana, não adianta andar até a beira do penhasco e pular. Ei! Parem o mundo que eu quero descer! Não irá funcionar. Não é uma montanha-russa apesar dos altos e baixos que vivemos todos os dias!
Que estranho…parece que estamos presos dentro de nossas telas. Acordamos para ver quantos likes temos na última foto fake que postamos, foto essa que foi tirada meses atrás quando estávamos no sol e não tínhamos ideia da alegria que era. Hoje faz sentido aquele sorriso, mas no dia, era só mais uma pose em um lugar bonito que nem aproveitamos porque estávamos preocupados em não perder a luz e ganhar muitos likes na rede.
O mundo se inverteu, só agora percebo o que perdi na vida real, pois estava focada demais no virtual, de onde quero fugir agora e dar um abraço apertado na minha avó que não vejo há meses.
Olhamos para as telas como deveríamos olhar para nossas janelas. Contemplamos as fake news como deveríamos contemplar as lindas paisagens que Deus nos deu. Que doidera! Colocamos paisagens como fundo de tela e nem ao menos lembramos que se trata de um lugar, talvez real, onde deveríamos ir, mas estamos presos nas nossas telas.
Será tarde demais? Contemplar a vida enquanto ela passa lá fora, temer um inimigo invisível que sempre existiu e o ignorávamos. Não se trata de um vírus. Trata-se da minha distração, como uma tela reluzente podia brilhar mais que o sol lá fora? Lugar que nem conheço mais, que dá medo pensar em explorá-lo novamente. Será que saberei andar na areia novamente? Tem tanto tempo presa aqui dentro…
Não se trata de um vírus, uma ameaça recente que certamente venceremos. Trata-se de mim e de você que já não nos vemos há anos. Nos esquecemos daquele café que adorávamos ir, de folear páginas de livros, dar gargalhadas e trocar olhares para nos entender. Agora só trocamos mensagens rasas!
Será que aquele café ainda existe? Será que ainda sei me comunicar com os olhos? Ficaram tantos serás aqui. Será que esses serás soltos no ar geram likes? Alegrias momentâneas sem valor. Ai gente… voltei sem querer pro vazio…
Será que alguém aqui sabe me ensinar a olhar no olho novamente? Lembrei do meu avô, ele deve saber! Lembrei também que na última vez em que nos falamos foi quando postei uma foto do netinho e ele colocou uma carinha feliz. Até ele se reinventou, entrou na rede para nos encontrar. Talvez ninguém mais atendesse o fixo, o celular tinha letras muito pequenas para ele. Será que ele ainda se lembra como olhar no olho? Ultimamente tem mandado muitas mensagens sobres curas milagrosas e super alimentos que prometem curar até o câncer sem nenhuma quimio.
Talvez minha ausência o tenho feito se meter em um mundo novo, lugar onde a informação que antes era certeira nos livros , jornais e revistas, são jogada por qualquer um na rede e ele não sabe disso, ainda acha que a palavra escrita, seja qual for a fonte é verdadeira. Afinal, quem teria a ousadia de espalhar tamanha infâmia!? Ele não percebeu que a sociedade é liquida e que fazemos de tudo para minha verdade ser mais verdadeira que a sua.
Estou assustada agora! Onde meti meus avós, onde coloquei seus valores? Não parei pra explicar com calma que as telas nem sempre falam a verdade. Não a verdade verdadeira ensinada por nosso médico de família, que com os anos, foi trocado por fórmulas milagrosas postadas na net. Será que devo fazer um check-up? Será que devo levar meus velhos? Eles têm tomado tanta coisa ultimamente…
Vou ligar…mas não sei como falar…não seria melhor mandar uma mensagem? Hummmm…acho que permaneceria muito informal…quero o calor humano novamente! Não posso sair, não posso colocá-los em risco! Será muito tarde para amar? Da forma antiga, aquele amor com abraço, carinho, beijo, sorriso com o olho ao ver o ser amado de perto!
Meu Deus! parece que estou acordando de um sonho apocalíptico. Será que consigo retomar minha vida como ela era quando criança? Será que ainda tem espaço para mim no colo dos meus pais? Acordei com muitos serás hoje.
E vocês? Acordaram?
