Porque “não se preocupe com dinheiro, apenas viaje” é o pior conselho de todos os tempos

Isso mostra apenas um profundo mal-entendido sobre o que “se preocupar” realmente significa

Cristiani Dias
5 min readJul 3, 2015

Esse é um texto traduzido retirado do website thefinancialdiet.com

Eu tenho uma conhecida na internet que acompanho nas redes sociais há mais ou menos dois anos. Ela é uma garota legal e inteligente que escreve em um blog e recentemente decidiu voltar para a Europa para fazer um mestrado em uma área que, por muitas razões, provavelmente não irá guiá-la a um grande emprego. E ela sabe disso, acredito, porque fala mais sobre isso como “uma oportunidade para aprender e expandir a mente” do que uma preparação para uma futura carreira. O que é bom, mas a verdade é que ela pode aproveitar esse tipo de liberdade — ser como uma andarilha que ama viajar, estudar pelo prazer de estudar e de ter longas conversas em bons jantares — porque ela vem de uma família que tem dinheiro e, se não totalmente subsidiada, nunca teve que se preocupar com sua segurança no futuro. Ela ganhou uma espécie de loteria genética, e é inútil invejar a liberdade que o destino a concedeu.

Moço, ‘não tenho dinheiro nem pro Bilhete Único’ constitui uma desculpa?

Mas é útil — até mesmo importante — condenar sua atitude em relação a tudo isso, atitude que é bem prevalente entre os jovens que não precisam se preocupar com a fundação da sua futura segurança financeira: a ideia de que você deve viajar, como um imperativo moral, sem se preocupar com algo tão trivial como “dinheiro”. A garota em questão posta frases superficiais em suas exuberantes fotos sobre largar tudo e ir embora, ou pedir demissão daquele emprego que você odeia para começar uma vida nova em um lugar novo, ou absorver a beleza do mundo enquanto você é jovem e sem amarras o suficiente para fazê-lo. É pornô inspiracional, que serve ao duplo propósito de atrair o espectador com uma vida que ele não pode ter, enquanto o faz se sentir como um derrotado por não conseguir alcançar esse patamar.

É a forma como as classes mais altas fazem para se sentir melhor em fazer algo que, quase literalmente, todo mundo com dinheiro pode comprar. Viajar pelo simples viajar não é uma realização, e nem é garantia de fazer qualquer pessoa mais culta e única (alguns dos turistas mais horríveis e arrogantes são as mesmas pessoas que podem visitar três novos países a cada ano). Alguém que tem o privilégio extremo (sim, privilégio) de sair por aí e viajar enquanto jovem não é melhor, nem mais sábio, ou mais valoroso do que aquela pessoa que tem que ficar em casa, enquanto trabalha em vários empregos para ter a esperança de um dia conseguir o emprego que o cara viajante de carteirinha acredita ser algo ganhado naturalmente. É um jogo de dinheiro e acesso, e agir como se “se preocupar com dinheiro” em relação a quem tem menos fosse apenas uma escolha piora o insulto.

Tive a oportunidade de viajar, e mesmo sendo eu quem pagou pela minha vida em outros países, ainda assim era um resultado de uma grande carga de privilégio. Sou de uma família de classe média que nunca precisou da minha ajuda financeiramente, e eu sabia que sempre podia retornar a eles se as coisas não dessem certo. Além de ter economizado dinheiro enquanto morava com eles antes da minha partida. Há milhões de pessoas que não tem nada disso, e que mesmo se quisessem pagar por sua própria viagem, simplesmente não poderiam por causa da responsabilidade que tem ou da pobreza em que vivem. Mesmo pela minha mais modesta maneira de ver o mundo, sou eternamente grata.

Além disso, entendo (talvez até melhor por ter viajado bastante) que a sua habilidade ou inabilidade de viajar não representa em nada você como pessoa. Alguns são simplesmente mais incumbidos de responsabilidades e compromissos, e tem menos renda, seja pela família ou não. E aquele que precisa ficar em um emprego que talvez não ame porque possui família para sustentar, ou faculdade para pagar, ou ainda não alcançou uma independente base financeira, também possui o mesmo desejo de aprender e crescer como pessoa como aquele que viaja. Ele simplesmente não tem as mesmas opções e está aprendendo e crescendo a sua própria maneira, dentro do contexto de vida que possui. Ele está aprendendo o que significa trabalhar duro, adiar gratificações, e melhorar a si mesmo de maneira modesta e lenta. Isso pode não ser um mochilão pela Europa, mas não há como discordar que construa caráter.

Encorajar essa pessoa a “não se preocupar com dinheiro” ou a “largar tudo e seguir seus sonhos” demonstra apenas um profundo desentendimento sobre o que “se preocupar” realmente significa. O que o viajante condescendente quer dizer quando disser “não se preocupe” é “não faça disso sua prioridade, ou não dê tanto valor para isso na sua vida”, porque de alguma forma ele imagina que você está escolhendo ganhar um dinheiro extra ao invés de ter uma grande experiência. Mas o “se preocupar” que realmente está ocorrendo na sua vida é o conhecimento de que você não tem escolha a não ser fazer do dinheiro sua prioridade, pois se você não o ganhar — ou decidir gastar “milhares de dinheiros “ em uma viagem para o sul da Ásia em uma busca por autoconhecimento — você poderá facilmente acabar na sarjeta. Implicar que isso é uma questão de escolha é ingênuo e degradante.

Todos nós precisamos forjar nosso caminho para independência financeira e liberdade. E talvez você seja sortudo o suficiente para que seu caminho envolva muitos passeios por aí, tudo ao seu tempo, e um monte de experiências novas — pois você sabe que a segurança estará esperando por você no fim do arco-íris. Isso não é ruim, e não há motivos para se sentir culpado ou envergonhado por causa do seu privilégio. Mas encorajar as pessoas a seguir o mesmo caminho raro que o seu, porque você sente que é a única maneira de elevar o espírito ou buscar um significado para a vida, te faz um babaca. Isso te faz a pessoa que posta frases insípidas de inspiração que apenas se aplicam a uma pequena porcentagem da população que já tem todas as necessidades básicas atendidas. E Deus perdoe qualquer um que precise de dinheiro e resolva seguir esses terríveis conselhos, pois ele não será como você, passeando pela América do Sul e tentando graduações por pura diversão. Ele estará, quando a viagem acabar, em uma situação muito pior do que antes. E nenhum chaveiro como souvenir fará essa realidade doer menos.

Este é um texto traduzido e adaptado da autora Chelsea Fagan. Para ler o original clique aqui.

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