10 coisas que aprendi sobre o Brasil morando no exterior

Confabulações de um esperançoso brasileiro expatriado

Cassius Gonçalves
1440

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Estou devendo este texto para algumas pessoas que sempre me pedem para relatar como é ver o Brasil de fora. Desde 2011 resido no Oriente Médio, uma região nada comum entre aqueles que buscam/têm uma experiência de viver dalém mar. Passado este tempo, creio que as percepções estão menos tomadas pela carga de novidade. O que aprendi sobre o Brasil estando fora dele?

1) O brasileiro trabalha muito

Se alguém chegar para mim hoje e disser que o brasileiro gosta de sombra, praia e água fresca, comprou uma briga feia. Percebi como nós brasileiros trabalhamos muito e bem. Damos conta do recado, não somos arredios ao trabalho. Somos hábeis solucionadores de problemas de forma criativa e pragmática. Outra coisa interessante: nossas leis trabalhistas não são ruins para os trabalhadores, como muitos gostam de pensar. Claro, elas precisam de uma boa atualização, pois foram concebidas para a realidade da década de 1940.

2) O brasileiro é bem-vindo na maioria dos países

Todos pensam que eu e minha esposa somos europeus. Alguns arriscam perguntando se sou canadense ou francês. A minha esposa é sempre uma linda francesa, charme puro! Quando digo que somos brasileiros há um grande espanto e uma mudança positiva de postura. Brasil! — Exclamam enfaticamente. Todavia, nossa imagem é totalmente estigmatizada ao universo do futebol. Então, o interlocutor tenta discorrer o maior número possível de jogadores; Kaká, Ronaldinho são os “#trends” do momento. É muito interessante esta simpatia conquistada, um bem incalculável. Espero que saibamos mantê-lo.

3) No Brasil tudo que se planta dá

Isto não é trivial. Nosso solo é a nossa maior riqueza. Cultivar em qualquer lugar do Brasil é uma dádiva. Onde moro é deserto. Parte dele é de areia e outra parte de pedra. As montanhas são escarpadas, impedindo que sejam transpostas. Durante seis meses o calor é infernal, chegando a picos de 60 graus célsius. Mesmo assim o cultivo de hortifruti no deserto é enorme. No entato, demanda-se mais trabalho para o cultivo da terra, necessita-se de estufas climatizadas para que o sol não torre a plantação e se perca o trabalho. Nada disso há no Brasil. Mesmo quente, podemos plantar em qualquer estação e sair pelas ruas. Nossa terra é um grande patrimônio natural, cheio de riquezas, do solo ao subsolo. Tais condições não existem por aí.

4) Possuímos grande extensão territorial e população

Além de um patrimônio natural diverso e rico, temos uma grande extensão territorial. Há países menores que o Acre. Temos uma boa ocupação do solo e não há riscos em potencial que impeçam o crescimento populacional. Onde resido a população é de somente 3 milhões de pessoas, menor que a do Espírito Santo e da Grande Belo Horizonte. É por isso que o Brasil é bem visto pelos interesses econômicos, pois uma empresa, ao colocar um produto no Brasil, ganhará pela quantidade de pessoas alcançadas (se isso é bom ou ruim, você decide!). Considerando que a renda familiar tem aumentado, os olhos dos grandes capitalistas estão voltados para o Brasil, incentivando-os a elaborar planejamentos de longo prazo. Os BRICS, associação formada por cinco países emergentes — Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul — , estão nesta posição pela grande população que possuem. Não podemos ignorar: tal fator também é uma grande riqueza. É uma vantagem competitiva de nossa nação, mas não estamos aproveitando pela falta de um projeto nacional de Estado.

5) O Brasil é um país muito caro para se viver

Muitos falam que o Brasil é um país caro. O Brasil é exageradamente caro. Pelas minhas andanças — até este momento que vos escrevo já visitei 17 países — , só comida consegue ser mais barata na maioria das vezes. Uma realidade decepcionante, pois vejo um Brasil que não tem sido de todos quando a maioria de muito precisa. Grande ironia: temos uma moeda forte, que integra a cesta das mais valorizadas, todavia, sem poder de compra dentro do próprio país. O empresariado joga a culpa no governo, por seu extenso cardápio de taxas, impostos e contribuições que nunca retornam ao contribuinte; o governo, por sua vez, diz que a culpa é dos empresários. Percebi que a culpa é do governo e de parte do empresariado. As grandes multinacionais praticam altas margens de lucro em seus produtos, desencadeando questões que as vejo consequentes, que abordo nos itens a seguir.

6) Compreendi o que é mercado emergente

Tenho duas especializações no mundo nos negócios: Marketing & Tecnologia da Informação e Gestão Estratégica de Negócios. Em ambas os professores muito falaram sobre “mercados emergentes”. São aquelas nações que crescem a passos largos. Ouvimos mais sobre os BRICS, mas há no universo asiático outra “comunidade” de 11 países emergentes, mas que se diferem pela pequena extensão territorial e população. Mas, o que ocorre no Brasil? As grandes empresas importam ou fabricam produtos simples e de qualidade — um critério dos produtos dos emergentes — , mas praticam preços abusivos. Por exemplo: Corolla é um carro intermediário da Toyota. Abaixo dele há somente um modelo e há vários acima dele. Logo, podemos dizer que ele faz parte do cardápio de “carros de entrada”. Em nenhum país o Corolla é vendido como premium ou “carro de luxo”, segmento no qual foi posicionado no Brasil. Para os mercados emergentes a Toyota criou o Etios. Na mesma categoria há o Yaris (ou Vios em determinados países), carro de entrada produzido para “mercados comuns” ou de preços justos. O mesmo se repete em outras marcas. A Samsung vende a preço de produtos sofisticados seus produtos de entrada. Assim, as multinacionais conseguem ganhar muito dinheiro às custas dos brasileiros. Nos outros países emergentes que fui isso não ocorre de maneira tão nefasta e abusiva. Os produtos premium e até mesmo de luxo podem ser vendidos, pois são acessíveis ao poder de compra da população. O mesmo não pode ocorrer no Brasil, pois somando altos impostos mais altas margens de lucro, tornam-se inviáveis mesmo para quem dizemos ser rico. As grandes empresas se beneficiam de uma péssima cultura que temos: pensamos que produto bom é produto caro!

7) O Brasil é um país isolado

Quando ouvimos na imprensa pessoas comentando o isolamento do Brasil, logo os políticos da situação dizem que “é intriga da oposição”. Não é. O Brasil é muito isolado. Não conhecemos direito nossos vizinhos. Quem faz uma viagem para o Chile ou Argentina logo recebe o comentário: “que luxo, tá podendo, hein!”. Não temos condições nem de viajar dentro do próprio país devido aos abusivos preços dos pacotes e falta de infraestrutura viária. Vendo e experimentando novas referências, observei como as pessoas viajam facilmente pela Europa e outros países. Percebi como os países, mesmos os asiáticos emergentes, estão mais estruturados e há mais diversidade de pessoas por lá. Assim, no Brasil, fica fácil para os “donos do poder” fazerem o que quiser, pois a população não possui outros referenciais e nem sabe como cobrar. Achamos que todos os lugares estão muito próximos da realidade brasileira, o que não é fato. O fato é: o Brasil está próximo de um colapso, basta sair e observar os seus pares.

8) O brasileiro não se conhece

Além de não sabermos o que está ocorrendo fora do Brasil, pouco sabemos sobre nós mesmos. O Brasil é um país muito bom. O poeta acertou ao dizer que “moro num país tropical abençoado por Deus”. Mas precisamos nos inteirar melhor de nossa história, pois os “donos do poder” estão fazendo ninhos em nossas cabeças. As necessidades do país estão latentes, à flor da pele, gritando para quem quiser ouvir pedindo solução. Não adianta riqueza natural e cultural sem organização para aproveitá-la. O brasileiro pensa que a desorganização da coisa pública é um pequeno desvio, sendo que não é. Pensa que o Brasil está bem, mas não está. Estamos vendo pela primeira vez na história deste país um governo colocar os brasileiros uns contra os outros, valendo das necessidades não para eliminá-las, mas para usá-la como instrumento de manipulação das massas. Até a imprensa internacional comentou esta aberração! Não conhecemos nossos direitos básicos, não sabemos acionar o sistema judiciário. Tais questões só depõem contra quem mais precisa dela: o assalariado e os que necessitam dos serviços públicos. Isto só é possível pelo fato de não nos conhecermos.

9) Desconhecemos os caminhos para fazer a coisa melhorar

Sempre pergunto a outros brasileiros que retornaram à Pátria Amada como está sendo o processo de readaptação. Ouvindo as respostas identifiquei muito do que disse anteriormente. Eles, espontaneamente, tocam na questão de terem adquirido “novas referências”, mas percebem que não sabemos a quem recorrer, qual caminho seguir para solicitar melhorias coletivas. A sociedade não está organizada e o sistema político encontra-se blindado, verticalizado e sempre evitando contato com a população, sendo eles, “os donos do poder” — situação e oposição — , os benefiários direto da coisa pública. Quando o brasileiro encontra uma forma de expressão, logo ela é apropriada pelos políticos, que rapidamente fecham tal porta, impedindo a organização civil.

10) O brasileiro é um povo alegre

Apesar de tudo, somos um povo alegre. Nossa hospitalidade, o respeito pelo próximo, o sorriso espontâneo e presente no rosto, dentre várias outras características, são cartões de visita. Todos os estrangeiros que vieram ao Brasil retornam levando um pouco de nós em sua memória. Mas sempre falam do sorriso e do abraço. Nada melhor que contato humano. É por isso que todo brasileiro volta dalém mar, pois a casa está sempre a espera.

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Cassius Gonçalves
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Produtor de conteúdo que transforma as informações de sua empresa em conteúdo estratégico para o negócio. Fundador da 1440.press