Eliezer Batista: o brasileiro que pensou o Brasil

Precisamos de mais gente assim

Cassius Gonçalves
1440
6 min readJun 19, 2018

--

Meu primeiro contato com Elizer Batista foi lendo milhares de documentos históricos da então Companhia Vale do Rio Doce para organizar a memória de sua centenária ferrovia, a Estrada de Ferro Vitória a Minas, para o Museu Vale. E ele já impressionava por seus feitos somente lendo documentos, aparentemente, frios.

Eliezer encanta por sua capacidade de realização. Lendo suas palavras ou vendo suas entrevistas, percebe-se como é um entusiasta da vida. Há cerca de um ano perguntei por ele a um amigo em comum e disse: “ele me contava sobre seus novos estudos em nanotecnologia.” Isso aos 92 anos. O dito popular sobre “ser velho é um estado de espírito”, era algo repetido por ele de diversas formas. Como homenagem, conto um pouco deste brilhantismo que me capturou.

Eliezer Batista. Foto: TV Zero

Uma visão de mundo

Quando pesquisava a memória da Companhia Siderúrgica de Tubarão (CST), em Vitória-ES, hoje ArcelorMittal Tubarão, deparei-me com uma resposta sem sentido: de quem foi a ideia de criar esta empresa? "Do governo militar e dos sócios japoneses e italianos” todos diziam. Mas ninguém explicava como os sócios se juntaram, quem no Brasil propusera o negócio às extintas Kawasaki e Finsider. Numa reunião com os diretores da CST perguntei sobre esta questão e um deles respondeu: "foi ideia do Dr. Eliezer Batista, vou te colocar em contato com ele."

Naquela hora tive uma descarga de adrenalina. Novo, aquele era meu primeiro grande projeto. Dias depois, estava eu embarcando para o Rio de Janeiro. Fui recebido com um abraço caloroso de um bom mineiro e diante de uma pessoa a qual já admirava.

Do dia da nossa conversa, no Rio de Janeiro. Foto: Paulo Takashi, 2004.

À medida que ele explicava como a CST fora pensada, ele não falava sob uma perspectiva local, de uma necessidade específica do Brasil e do Espírito Santo daquela época, mas como o projeto se conectava ao mundo. Ele tinha uma visão do todo. E mostrava tudo isso de uma forma simples, didática e cheia de axiomas, uma de suas características. Um deles repito sempre:

Problemas existem para serem resolvidos

E ter ouvido essa frase no contexto dele, naquela época, definiu a forma como passei a lidar com qualquer projeto da minha empresa, bem como com as questões da vida. Problemas fazem parte do cotidiano e precisamos ter uma relação amistosa com eles. E veio com uma outra célebre frase:

Para tratá-los "é necessário ter uma visão holística e sistêmica das coisas."

Dr. Eliezer, como era chamado por todos, foi-me explicando quais eram as potencialidades industriais do Brasil na virada dos anos 60 para os 70. Era um projeto gigantesco, de longo prazo, ligando o Brasil ao mundo por suas vocações lógisiticas (mesmo não fronteiriço com os principais mercados, Estados Unidos e Europa), agrícolas e minerais. O propósito era ligar o Brasil a estes mercados pelo que chamava de “corredores logísticos”, considerando o que tínhamos de melhor à época. Pela primeira vez percebia meu país pertencendo ao globo.

Pessoas: mais do que colaboradores

Nossa conversa durou cerca de uma hora. Mas foi aquele momento capaz de redefinir minha forma de como perceber o mundo. Questões internalizadas em um processo. Talvez um psicólogo explique isso melhor do que eu.

Não devemos ter aquela visão de dentista, olhando sempre para baixo e pra dentro

Pra quem teve uma adolescência produtiva, o meu caminho ter cruzado com Eliezer foi, até agora, a minha maior motivação. Desculpas aos dentistas, mas esta recomendação de olhar sempre em volta e à frente é uma das melhores. Ele era um homem à frente do seu tempo, mas soube trazer sua percepção para o seu tempo e levá-lo à sua potência máxima. Ao invés de reclamar, ele formava pessoas, as ajudava a ver o que via, aguçando seus sentidos. Esse é o retorno que tive e venho tendo de pessoas que o conheceram. E isso ele fez comigo.

No documentário “Eliezer Batista, o Engenheiro do Brasil”, ele lembra de uma fato singular na transição da Estrada de Ferro Vitória a Minas para a Companhia Vale do Rio Doce, recém criada e que incorporava a primeira empresa. Na década de 1940 houve uma reforma do traçado, desenhado e 1902. Muitos dos trabalhadores eram analfabetos. As relações desses empregados descritas nas cartas encontradas no departamento de Recursos Humanos da empresa eram bem pessoais. Anos mais tarde, relata, um desses ex-empregados veio agradecê-lo porque os filhos já eram formados como ele. Emocionado, disse ser isso que vale a pena ao gerir pessoas. E essa história se repetiu em várias casas.

Um Brasil próspero e grande

Muito do existe no Brasil hoje está de pé em função de sua visão. Ele está para Elon Musk, dava vida àquilo que poucos conseguiam perceber ou acreditavam. Parte desses projetos não saíram do papel ou ficaram inconclusos. Talvez líderes da época tenham se sentido intimidados com tamanha capacidade. Resposta que não teremos mais e/ou ficou com aqueles bem próximos. Muito do que pensou ainda é viável, pois o Brasil tem mais capacidade e contamos com novas tecnologias para implementá-las.

Talvez, sua percepção, hoje, seja que ele foi o presidente da Vale por duas vezes e o pai de Eike Batista. Como era ministro de Minas e Energia do governo de João Goulart e acumulava a presidência da pequena Vale do Rio Doce, foi demitido da função de ter sido interceptado numa ligação com o ex-Presidente Tito, da antiga Iugoslávia, vendendo minério. A inteligência militar não conseguiu perceber que ele estava mantendo o comércio do Brasil. Anos mais tarde, em 1979, foi chamado pelo militares a retomar a presidência da empresa para implantar Carajás, pois todas as referências e credenciais sobre brasileiros com capacidade técnica e com boas relações comerciais no mundo recaíam sobre ele. E tornou-se uma forma de “desculpas” pela demissão de 1964, na minha leitura. Neste meio tempo, atuou em outras empresas de mineração e no escritório comercial da Vale na Europa, a Rio Doce International.

O que Eike disse sobre o pai expressa bem o modo de ser de Eliezer Batista:

As coisas são possíveis. E ele fez coisas impossíveis se tornarem possíveis

Algumas pílulas:

Ele pensou e encomendou um navio de 100 mil toneladas, quando o maior existente era de 46 mil. Foi chamado de louco. Era para transformar uma distância física em econômica. Levar o minério brasileiro, o melhor do mundo até hoje, a valores competitivos ao Japão, tendo a Austrália como principal concorrente. Deu origem ao Porto de Tubarão, em Vitória/ES, desde 1966 o maior porto de minério de ferro do mundo. A navegação mundial nunca mais foi a mesma depois que a Kawasaki entregou o primeiro navio. Eliezer criou um novo paradigma para a navegação.

O conceito siderúrgico brasileiro, de 1968, foi criado por ele. E até hoje é o fundamento. Ele queria que as placas de aço, insumo para grandes empresas, fossem consideradas minério beneficiado e não um processo siderúrgico à parte. O cliente escolheria in natura, pelotas ou placas. O Brasil seria o alto forno do mundo. Um descolamento conceitual que não ocorreu na última parte. O gasoduto Brasil-Bolívia é criação dele. A ferrovia que liga o Brasil ao pacífico é um dos corredores logísticos pensados por ele, para ficar em projetos mais conhecidos pela memória dos noticiários econômicos.

O atual conceito de sustentabilidade tem muito dele. Ele comprou uma área de floresta nativa com remanescente de Mata Atlântica com foco em preservação, isso na década de 1950, quando o conceito nem existia. Está em Linhares, no Espírito Santo, e é um dos maiores ativos intactos da floresta. Estava preocupado, pois os dormentes das ferrovias brasileiras eram de madeira e ele queria uma manejo racional da floresta. Com esta empresa desenvolveu conceitos de agroindustria (outro termo que não existia), criando florestas industriais que deu origem a Aracruz Celulose, hoje Fíbria, a maior empresa de celulose branca do mundo.

Sim, são ideias vinculadas a um tempo. Passíveis de caducar mas também de serem atualizadas. Porém, não houve um projeto substituto e ou uma pessoa com grande capacidade de realização. Nenhum governo da redecomocratização criou um projeto de longo prazo para o Brasil, pensando o país internamente e o conectando ao mundo.

Valendo de um termo usado no meio privado, ele foi o funcionário público padrão. Uma pessoa que pensou e defendeu os interesses do Brasil. Preocupou-se com o país, com a coisa pública e, talvez, por isso, tenha sido mal compreendido.

Eliezer Batista deixa a vida com vários legados. Uma vida que valeu a pena ser vivida. Cabe a ele também as palavras do apóstolo São Paulo: “Combati o bom combate, acabei a carreira e guardei a fé”. A fé em um Brasil capaz de se fazer e estar em igualdade com qualquer outro no mundo.

Produção: Vale

--

--

Cassius Gonçalves
1440

Produtor de conteúdo que transforma as informações de sua empresa em conteúdo estratégico para o negócio. Fundador da 1440.press