A dualidade de gêneros do Trap: O nascimento de um novo “gênero cinematográfico”

Thomas Loran
Editorial 20 21
Published in
6 min readFeb 10, 2021

O rap é um dos gêneros musicais que mais crescem no Brasil, desde a década de 90, e alcançou números e marcas que até poderiam fazer com que se encaixasse dentro de uma definição Pop se não fosse pelo seu conteúdo e estilo próprio.

Poucas pessoas tem conhecimento, mas o que chamam genericamente de “RAP”, envolve muitas vertentes e subgêneros de diferentes estéticas e padrões comerciais de produção. Uma das vertentes mais conhecida é o Trap.

O Trap é um subgênero que possuí inúmeras outras vertentes, cada uma com seu estilo. Mas o trap “mais comum” tem origem na década de 90 em Atlanta, nos EUA. As letras sempre ricas em vivências, drogas, mulheres, dinheiro e, também, questões econômicas e sociais — que nunca se desassociam quando passam por uma análise crítica — é uma das marcas identitárias do subgênero que conquista cada vez mais brasileiros, principalmente, os que convivem diariamente com desigualdades e o descaso governamental. Logo, o Trap não está distante do rap clássico contestador e político.

E como todo processo artístico que passa por uma inserção aos moldes capitalistas de produção, é natural que haja dentro do rap e seus subgêneros a existência de padrões hegemônicos de produção musical e audiovisual que maximizados por meio de grandes nomes- nacionais e internacionais- crie estruturas que se alimentam dos perfis de consumo, ou seja, quanto mais se consume o mesmo tipo de conteúdo, mais é mostrado ao mercado que isso é o que se consume, logo, o que se deve ser produzido e distribuído para o público.

Esses padrões acabam, muitas vezes, sendo absorvidos por muitos artistas independentes que por inúmeros motivos, acreditam ser o único caminho para conquistar esse tipo de público consumidor até alcançar uma posição de conforto para assim, poder colocar mais originalidade em suas produções. Como também há aqueles que desde o início apresentam propostas totalmente diferentes e por isso, conquistam espaço dentro da chamada “cena”.

Esse estabelecimento de padrões, principalmente, audiovisuais dentro do trap vêm influenciando o estilo de vida de muitas pessoas pois comportam-se mais como produtos de marketing do que criações artísticas e essa é uma das maiores críticas dentre as diversas outras problemáticas que esses videoclipes trazem, desde a popularização de drogas como o Xanax, por meio de drinks como o Lean — uma mistura à base de codeína, prometazina, refrigerante e balas de goma- até a discussões que tocam em temas como a objetificação das mulheres. Ou seja, esse tipo de material audiovisual pode estar corroborando para práticas perigosas que põe em risco a vida de pessoas que se encontram em fragilidade emocional, não possuem uma base de afetos e, até mesmo, reproduzindo posturas sexistas que por sua vez, implicam no crescimento dos números relacionados a violência contra as mulheres. Entretanto, antes de afirmar esse tipo de postura e relação causa-consequência, é preciso ter em mente que existe um projeto social de uma elite racista para que exista a criminalização de estilos musicais como o rap e o funk tendo como base esse discurso que mascara o racismo e desigualdade social. Discurso esse que sempre motiva inúmeras manifestações por parte dos consumidores e dos próprios artistas.

“Corta os papo de Comando, PCC e TCP

Artista não é bandido, nós só canta o que vê”

Bruxo, “MEDLEY !THE BOX!” com Bruxo, Martelin, Yung Nobre & QTZ Tivityn [Youtube]

Eliminando essa margem problemática carregada de estereótipos, preconceitos sociais e racismo — assuntos que levam bem mais tempo de análise e pesquisa utilizando de livros, músicas e outros materiais que tem como objetivo pensar Brasil- há um subgênero musical com um estilo cinematográfico de videoclipes extremamente próprio e consolidado. O que leva a estabelecer uma linha comparativa entre gêneros fílmicos e ao que chamo ousadamente de “gênero cinematográfico trap”, ou seja, como existe características próprias de filmes de faroeste, por exemplo, também há características próprias dentro dos clipes de Trap.

Estabelecer o título “gênero” não é motivo de limitação para obras que são compostas dentro desse seio e nem para aquelas que se distanciam. O gênero é uma forma de classificar, encontrar semelhanças e, por meio de uma pesquisa mais profunda, definir uma possível origem comum entre duas obras que, aparentemente, não possuem nada de similares, mas que possuem sim, uma influência estética-narrativa igual.

O Trap possuí duas facetas de gênero que apesar de diferentes em formato, dialogam entre si de maneira a se complementar quando juntas em uma só obra, que é o videoclipe. Este é um produto e linguagem audiovisual que desde a década de 1970 tornou-se um dos maiores e importantes produtos do universo da música por conciliar a expansão da visão artística e estratégias de marketing em um só veículo.

Então, analisando de forma bem simplória, produções brasileiras independentes e produções “gringas” de nomes mais consolidados, é possível encontrar pontos que aproximam essas obras audiovisuais: Temas abordados, situações narrativas, época dos acontecimentos, vestimentas, efeitos visuais e tantas outras características. Essa similaridade faz dos videoclipes de Trap uma espécie de subgênero próprio dentro do gênero do videoclipe. Para aqueles que não são consumidores desses videoclipes pode até parecer um tanto quanto prepotente essa definição, mas é nítido que há uma estética própria que permite a afirmação: “isso é um clipe de Trap”.

Entrando numa questão técnica relacionado a imagem e a utilização de efeitos visuais, os famosos VFX, temos alguns efeitos que são praticamente, “efeitos de clipes de Trap” como o “freeze frame” — basicamente, é quando há a inserção de um frame(imagem do vídeo) posterior sobre um frame anterior até que os dois casem e gere uma ideia de congelamento em parte do vídeo- “glows”-adição de brilho colorido, ou não, e esmaecido- e tantas outras inserções de fogo, raio, notas e outros elementos facilmente encontrados no Youtube no formato de Chroma Key, ou seja, vídeos com fundo verde feitos para serem utilizados e manejados por editores de vídeos.

Algo importante de ser pontuado é referente a imensa quantidade de conteúdo sobre esses efeitos. Basta uma simples pesquisa no Youtube com os títulos de “efeitos de Trap”, “como editar vídeos de Trap” e tantas outras perguntas relacionadas, para encontrar uma diversidade de tutoriais nacionais e internacionais sobre o que genericamente, são considerados “efeitos de Trap”. Logo, há o pressuposto de que existe entre os consumidores e produtores características estéticas bem definidas que constituem um videoclipe de Trap.

Pesquisa simples realizada no Youtube buscando por tutoriais que buscam ensinar como editar um clipe de Trap

Mas será que a repetição imposta pelos padrões comerciais de produção são realmente limitadores criativos? Será que não existem possibilidades de se destacar saindo de dentro dessa bolha, mas ainda mantendo-se dentro do Trap? A história do Cinema nos mostra que sempre que existir uma forma comercial dominante, haverá também manifestações de vanguarda e considerando o Trap como um “gênero cinematográfico”, isso não é diferente. Artistas como Goofy em “Foguete Amarelo” e Eliá em “Kick-Ass” são exemplos distintos que aprofundam a estética trap dentro de dimensões que fogem da curva, mas que não deixam de fazer parte da temática. Outro videoclipe é o “Ashley Banks” da Cristal que aborda temas do trap como dinheiro e ascensão, como também traz na sua manipulação digital “efeitos de Trap”, como o famoso “freeze frame”.

Estes são exemplos mínimos do inúmeros dispersos por todo país e redes sociais, de artistas, em sua maioria independente, que buscam atribuir para sua arte um apelo crítico do mesmo dispositivo que utilizam: A música.

Pensar o trap não apenas como estilo musical, mas também como gênero cinematográfico ou subgênero audiovisual, é abrir uma zona ainda maior de criações que extrapolem essas definições e bolhas produtivas. Além disso, pensar trap é de alguma forma pensar Brasil em sua diversidade de manifestações artísticas, é pensar juventude e pensar estratégias para que essa juventude seja vista de uma forma mais humana e respeitosa. Fazer com que os MC´s, Beatmakers, profissionais audiovisuais e suas criações alcancem outros espaços e camadas sociais para que um dia sejam vistos como verdadeiros artistas e pensadores de Brasil que sempre foram.

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Thomas Loran
Editorial 20 21

Estudante de Cinema e Audiovisual — UFF, Diretor de Fotografia, Editor de Vídeos e pesquisador de Cinema Negro Brasileiro