A Engenharia da Natureza

Karinna Beraldo
Editorial 20 21
Published in
4 min readApr 2, 2021

Uma das grandes diferenças entre a engenharia civil e as demais é que a maioria dos nossos projetos são estáticos. Depois que terminamos uma construção, não podemos ficar modificando muita coisa. Sabemos que é natural que materiais se deteriorem ao longo do tempo e tenham alguns problemas que, no nosso caso, podem ser causados, por exemplo, por dilatação térmica, recalques de fundação ou até mesmo pela agressividade do ambiente. Temos aí um grande dilema… vamos supor que, uma dessas coisas causasse danos e eu precisasse reparar parte da estrutura da minha obra, como eu faria isso?

Nós não poderíamos simplesmente sair quebrando essas partes danificadas, isso poderia causar um colapso na estrutura. Por sorte, nós vivemos na era da ciência, tecnologia e inovação. E só chegamos até aqui por conta da aplicação de tudo o que pudemos aprender com natureza. E se, pra solucionar nosso impasse, conseguíssemos replicar na nossa construção o que alguns seres vivos já fazem naturalmente?

Podemos começar observando nosso próprio corpo. Começamos comparando uma rachadura a um corte ou arranhão na nossa pele. Imediatamente após uma lesão, nosso corpo começa a recobrir a área danificada criando pequenas fibras, como uma costura interna. Graças a essa constante regeneração celular nosso corpo não fica exposto a riscos externos.

Agora voltando para o problema da nossa obra, uma das características do concreto é a rigidez, é ela que permite a construção de grandes estruturas como prédios e arranha-céus, mas também é ela que propicia o surgimento das fissuras. Nós podemos tentar aplicar a ideia de autocura que observamos em nós, seres vivos, ao concreto através de um ingrediente adicional chamado pelos pesquisadores de “agente de cura”. Esse agente, que é na verdade um tipo de bactéria, fica intacto durante a mistura, sendo ativado apenas se o concreto racha e sofre infiltrações. Temos aí o bioconcreto. Outra boa ideia é adicionarmos microfibras, como as do nosso corpo, à mistura de argamassa, o que formaria uma “armadura” tridimensional que combateria a formação e o crescimento dessas imperfeições.

É claro que essas soluções não resolveriam uma grande falha, mas essas pequenas rachaduras são o estopim de muitos problemas que a estrutura pode sofrer ao longo do tempo. Esse foi apenas um exemplo das milhares de soluções que poderíamos chegar apenas imitando os processos que a natureza já utiliza.

Aprender com a sabedoria acumulada pela natureza por bilhões de anos é o ponto de partida para solucionar os impasses da nossa época. Cientistas e empresas estão apostando na inteligência da natureza para criar soluções inovadoras que reduzam os impactos no planeta e ofereçam à engenharia melhorias na eficiência energética. Isso se chama Biomimética. Termo que deriva do grego bios, que significa vida e mimesis, imitação.

A biomimética pode ser definida como “uma nova ciência que estuda os modelos da natureza e, em seguida, imita ou inspira-se a partir desses projetos e processos para resolver problemas humanos”. Ao aplicar este processo, é possível criar produtos ou processos que são inerentemente mais sustentáveis, têm um melhor desempenho, usam menos energia , eliminam ou criam menos resíduos , reduzem os custos de materiais e abrem oportunidades para criar novos produtos e potencialmente novos mercados.

Para além do desenvolvimento de soluções e criação de novos produtos, a biomimética também tem se tornado um fértil campo de inspiração para arquitetos e engenheiros do mundo inteiro, interessados em desenvolver novas técnicas que deixem as construções mais eficientes, inteligentes e agradáveis.

As questões de sustentabilidade também estão entre aquelas que podem ser tratadas aplicando o processo de biomimética a um projeto. Utilizando-se processos biológicas para contratempos na construção e incluindo uma perspectiva da natureza no processo de design, é possível contornar vários problemas, uma vez que é provável que a natureza já ofereça uma solução.

Os humanos sempre buscaram inspiração na natureza para resolver problemas. Leonardo da Vinci aplicou a biomimética ao estudo dos pássaros na esperança de possibilitar o vôo humano. O design do bico de pássaros é inspiração para trens bala e o formato da nadadeira de baleias para turbinas eólicas.

A observação de que cupinzeiros africanos conseguiam manter sua temperatura interna amena, mesmo com temperaturas externas altíssimas, possibilitou com que um edifício com um sistema de ventilação extremamente eficiente, que deixa o ambiente sempre agradável, fosse construído no Zimbábue. Na Alemanha, a tecnologia das teias de aranha foi usada para criar vidros que refletem a luz ultravioleta e ajudam os pássaros a evitar a colisão com os prédios. No Brasil, a inspiração pra um hotel no litoral da Bahia veio de um mamífero norte-americano que cava os buracos com estratégicas entradas e saídas de ar, de modo que o ar possa circular de maneira constante.

São inúmeras as adaptações que podemos fazer. Novos estilos de fundações poderiam ser inspirados nas raízes de árvores, painéis fotovoltaicos, no arranjo das folhas das árvores, pontes estaiadas, em teias de aranha, sistemas de captação de água, no besouro-da-namíbia que atrai água da atmosfera através de sua carapaça hidrofílica.

Cabe a nós, como futuros engenheiros, transformar nosso olhar para identificar as melhores soluções, dadas de graça pela natureza, para os problemas que nos cercam no dia a dia.

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Karinna Beraldo
Editorial 20 21

Estudante de Engenharia Civil que aprende enquanto escreve.