Humanidade e Natureza: somos um só

Bruno Vilela
Editorial 20 21
Published in
5 min readNov 26, 2020

“Fomos, durante muito tempo, embalados com a história de que somos a
humanidade e nos alienamos desse organismo de que somos parte, a Terra,
passando a pensar que ele é uma coisa e nós, outra: a Terra e a humanidade.
Eu não percebo que exista algo que não seja natureza. Tudo é natureza. O
cosmos é natureza. Tudo em que eu consigo pensar é natureza."

Ailton Krenak, com suas palavras profundas e provocantes, nos instiga a olharmos pra si e para os outros. Cria-se um conflito interno quando lemos essas palavras de sabedoria, pois somos colocados contra uma parede, a parede da nossa existência como espécie que possui um papel ecológico e interdependente para com o organismo maior Terra. Nos estimula a refletir sobre o que é essa tal de humanidade e quem pertence a esta. Uma humanidade que se desfigurou da categoria Natureza e se intitulou acima desta.

É preciso ressaltar que essa mesma humanidade que Krenak fala não é o conjunto total de todos os seres humanos existentes. É preciso olhar criticamente para esse grupo. Nesta mesma obra "O amanhã não está a venda", o pensador indígena disserta sobre a seletividade que existe neste grupo humanidade que foi criado e inventado simbolicamente pelos grupos hegemônicos e dominantes ao longo da história. Com uma contribuição massiva da formação da estrutura ciência e a solidificação do modelo cartesiano, a ruptura com a natureza foi legitimada por suas meditações sendo os seres humanos (grupo seleto de homens, brancos, ocidentais e europeus) aqueles que dominam, se apropriam e exploram toda porção abiótica e biótica intitulada nesta categoria que, aos olhos deste modelo, é hierarquizada inferior.

Em meio a um pacote considerável herdado desta lógica de pensamento universal, o "Eu" passou a prevalecer em detrimento do "Nós" e a vida passou a estar limitada a uma bolha individual, gerando uma ruptura, não só com a natureza em si, mas especificamente com os outros indivíduos da espécie humana, estando cada vez mais coletivamente isolados. Diante de todo esse contexto, tudo isso torna-se matéria para alimentar esse sistema colonial, moderno e capitalista em que nos situamos hoje e a nossa separação da natureza tem tudo a ver com esse sucesso. Nossa permanência como sujeitos rompidos com aquela que nos alimenta verdadeiramente se torna uma estratégia associada a esse modo de viver, reduzindo nossa conexão com a natureza.

O contato que temos hoje com o natural, em uma sociedade pautada nesse contexto aqui referido (isentando os grupos coletivos e povos tradicionais, como indígenas por exemplo, que vivem de uma maneira totalmente distinta), passou a se limitar a uma ida básica a uma praia, visitar um local com cachoeiras ou fazer uma trilha em um final de semana em que não estiver atarefado com as coisas da "vida".

Pronto, estou renovado! Era isso que eu precisava!

Esse é um famoso discurso. Um discurso reduzido e limitado. Nossa saúde mental, física, espiritual e existencial foi deixada de lado. Esse discurso é um verdadeiro sintoma dessa doença que mata tanto quanto qualquer outra. Ela tem vários nomes: individualismo, consumismo, não pertencimento, superficialidade, superioridade.. enfim, todas dentro do que podemos chamar de normose com essa pitada de espécie renegada por ser boa demais do grupinho natureza. Porém... isso é papo para outro dia.

Durante a nossa própria rotina, muitas vezes, nos deparamos com uma inquietação imensa em nosso corpo, alma e espírito e não conseguimos suprir. Aí, naquele bendito dia de "conexão" com a natureza que você reservou para sua semana, você se sente melhor. Você meio que se sente vivo novamente... Isso quer dizer alguma coisa, não? Já parou pra pensar? Isso, vida! Ser humano, e simplesmente ser, é vida também! Isso precisa ser lembrado porque daqui a pouco "ser humano" precisará ser chamado de "fazer humano", "dever humano" ou qualquer coisa desse tipo. Enfim. Claro que tudo é difícil e as vezes é esse o tempo que é possível. Se com ele já fica complicado, imagina sem ele, né? A ideia aqui é refletir: porque não consideramos vida outras formas de viver? Assim, como Krenak, que pertence a uma etnia, um povo, uma experiência, uma outra forma de viver e enxergar o mundo. A diversidade ensina muita coisa. São povos como a diversidade de grupos indígenas que mais podem nos ensinar a reconsiderar essa ideia, que permeia um pouco de Ecologia, mas que vai além, a nossa relação, nosso elo de uma vida harmônica com os ritmos ecológicos naturais das múltiplas dimensões da vida.

Acho que é preciso ser humilde o bastante para reconhecer que nossa estratégia de viver está fadada e desgasta demais nosso ser. Desgastando, mais ainda, a própria. Todas essas críticas são potencializadas quando olhamos o cenário que vivemos e muito disso, com influência direta e indireta da espécie humana (não todos os grupos): alterações climáticas, aquecimento global, desmatamentos, perda de habitats, perda de biodiversidade, desertificação... Muito isso por essa separação com a Natureza e tudo aquilo que ela tem a nos ensinar. Pois é, aprender com ela, seu próprio ritmo. Coletividade, outra forma de lidar com o tempo, ciclos, estruturas sistêmicas e muitas outras coisas. Da Natureza vem o ar que respiramos, o alimento que comemos, os remédios que nos curam, as condições fundamentais para se ter vida e você existir. Claro que a bela Natureza também não é tão romântica assim, convenhamos... nem tudo é tão lindo e maravilhoso, e ela também ensina isso! No entanto, o que vale aqui é nos entender como seres biológicos interdependentes: influentes e dependentes.

Como disse brevemente, existem outras maneiras de se relacionar com o mundo e com a vida: sumak kawsay ("Buen vivir"), Teko Porã, Ubuntu, Agroecologia e tantas outras estão por ai. São filosofias e formas de relações humano-natureza que transmitem a importancia dessa via mútua. Trata-se da nossa sobrevivência... Precisamos começar a olhar, verdadeiramente, para nossa maneira de viver com o mundo que nos cerca. Rever nossas atitudes, nossos papéis, nossos modos de produção, nossa alimentação. São reflexões que dialogam com grandes perguntas filosóficas como "Quem?", "O quê?", "Como?" e "Quando?" São questionamentos ontológicos (nosso ser e existência) e epistemológicos (conhecimentos), e todas as suas vertentes.

Portanto, cabe aqui reforçar: não nos pensamos como natureza, revisitando a frase dita no início deste texto. Estamos vivendo cada vez mais alienados do mundo natural, de onde viemos. Aproveitando outros saberes das palavras de Krenak, é preciso uma expansão do conceito de humanidade. Para além intra e interespecífica, para além da vida biológica, para a vida abiótica também. Para que quando formos falar de humanidade, pensemos em natureza, e quando falarmos de natureza também pensemos em humanidade, essa humanidade expandida. Precisamos refletir sobre isso. Refletir com vontade, com esperança. Deixe o sentimento de se sentir vivo fluir mais e mais quando estiver em um contato com as dimensões naturais e que ele cresça ao ponto de você se sentir assim todo tempo. Lembre disso quando for tomar um café da manhã, quando for conversar com aqueles que você gosta, quando beber sua água, quando respirar, quando sentir frio ou calor, quando interagir com seu animal de estimação ou observar a vida da sua janela, quando você for dormir. Vá além dessa superficialidade fadada, se estabeleça com profundidade. Crie raízes. Somos todos natureza 🌱

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Bruno Vilela
Editorial 20 21

Estudante de Biologia que deseja promover conteúdos e reflexões sobre a natureza e nossa relação com ela, nossa Mãe Terra 🌱🌳🍃