Políticas públicas para mulheres: a efetividade das propostas dos candidatos ao governo do Rio Grande do Sul
Coletivo feminista de Porto Alegre avalia planos de governo que mencionam ações voltadas para as gaúchas
Mulheres são maioria entre a população do Rio Grande do Sul. Em 2016, elas contabilizavam 53,6% no Estado, de acordo com levantamento da Fundação de Economia e Estatística (FEE). As mulheres também são maioria entre os eleitores gaúchos, segundo o Cadastro Eleitoral do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), levantamento que aponta um total de quatro milhões e oitocentas mil gaúchas aptas a votar em 2018, representando 52,5% do total. No entanto, quando o tema é liderança política, há uma grande queda no índice de representatividade — entre as 497 cidades gaúchas, somente 34 são gerenciadas por mulheres, um total de 6,8%. Os dados são do “Perfil dos Municípios Brasileiros”, publicado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2017. Esta informação é apenas um pequeno reflexo da realidade das mulheres no Estado. Apesar dos avanços na sociedade desde 1927, ano em que a primeira mulher votou no Brasil, o caminho de políticas públicas voltadas para as mulheres ainda é tortuoso.
Em ano de eleição para governador do Rio Grande do Sul, na qual oito candidatos concorrem ao cargo, é momento de avaliar como as necessidades da mulher são vistas pelo poder público. Analisando os planos de governo dos candidatos em um debate com o Coletivo Feminino Plural, a discussão se volta para a validade e eficácia das propostas. O plano de governo é composto por projetos e ações que o candidato pretende desenvolver ao longo do mandato. A Secretaria de Políticas para Mulheres, redes de combate à violência e o papel de diferentes áreas na construção da igualdade de gêneros estão entre os assuntos abordados no planejamento de alguns políticos que disputam o governo do Estado.
Para garantir a neutralidade da reportagem, as propostas foram lidas pela coordenadora do Coletivo Feminino Plural, Leina Peres Rodrigues, sem que ela soubesse qual candidato elaborou as iniciativas. A metodologia foi utilizada para que cada análise fosse feita estritamente em relação à prioridade de políticas públicas relacionadas à mulheres, evitando que o debate se torne uma discussão partidária. O candidato Eduardo Leite (PSDB) não possui nenhuma menção à mulheres em seu plano de governo, assim como Matheus Bandeira (NOVO). Os planos de governo de Julio Flores (PSTU) e Paulo de Oliveira Medeiros (PCO) não foram localizados até 16 de setembro — prazo do fechamento desta reportagem.
Direitos femininos em pauta
Fundado no ano de 1996 em Porto Alegre, o Coletivo Feminino Plural é uma organização feminista não governamental criada por um grupo de mulheres identificadas com a luta pelos direitos e cidadania de mulheres e meninas. O coletivo é coordenado por Leina Rodrigues, mestra em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Leina disse que é complexa a prioridade do próximo governador do Estado em relação à pauta feminina. A cientista política explicou que a igualdade de gênero (entre homens e mulheres) faz parte de uma diretriz internacional e que para atingir este objetivo é necessário implementar políticas específicas para mulheres.
Com o discurso de cortar gastos do Estado, a Secretaria de Políticas para Mulheres (SPM) foi extinta em dezembro de 2014 com maioria de votos na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul. De acordo com a nova estrutura de governo, a Secretaria do Desenvolvimento Social, Trabalho, Justiça e Direitos Humanos (SDSTJDH) passou a ser responsável pelo tema, por meio do Departamento de Políticas para as Mulheres (DPM). No entanto, Leina afirmou que retomar a secretaria é crucial para o reconhecimento dos direitos das mulheres dentro do sistema democrático. “A gente não quer que as políticas para mulheres sejam separadas de todas as outras — a nossa intenção é que todas as outras políticas garantam a igualdade de gênero. Sem a SPM a gente não consegue fazer nada porque não tem reconhecimento para intervir em qualquer outra política”, disse.
Os planos de governos e as análises do coletivo
Atual governador do Rio Grande do Sul e candidato ao cargo nas eleições de outubro, José Ivo Sartori (MDB) fez o projeto que resultou na extinção da Secretaria de Políticas para Mulheres (SPM). O plano de governo de Sartori, com 59 páginas, cita “qualificar as redes de atendimento à mulher, com fortalecimento da Patrulha Maria da Penha […]” A Patrulha Maria da Penha é um serviço da Polícia Militar do Rio Grande do Sul que faz visitas periódicas nas residências de mulheres com medida protetiva de urgência para verificar se a determinação judicial está sendo cumprida. Para Leina, somente a patrulha não garante o combate à violência, porém é uma medida importante. “A patrulha dá uma segurança para a mulher que está em uma hora de extremo risco. A violência contra a mulher é um problema de toda a sociedade. Não é só daquela mulher que está sofrendo violência.”
Outro trecho do plano de governo de Sartori cita “fortalecer e ampliar o Programa Mediar como instrumento de justiça restaurativa no âmbito das delegacias de polícia, com foco na redução da violência doméstica”. Justiça restaurativa é a mediação entre a vítima e o ofensor, os colocando em um ambiente guardado por segurança física e jurídica para reparar os danos que ultrapassam a punição — danos emocionais, por exemplo. Leina explicou que a violência contra a mulher ultrapassa a proposta da justiça restaurativa, sendo a medida incoerente neste caso. “Não. Isso [a justiça restaurativa] é um perigo. A violência de gênero não pode ser restaurada porque a estrutura é muito maior. Não tem como pedir desculpas pelo o que se fez”, disse.
Jairo Jorge (PDT)
Candidato ao governo do Estado, Jairo Jorge (PDT) tem um plano de governo com 50 pontos divididos em 66 páginas, no qual cita a “formação de rede efetiva para a família com saúde, educação, área social e políticas de desenvolvimento com base na liderança feminina”. Segundo Leina, o movimento feminista tem lutado para desfazer este mito, que coloca mulheres somente como progenitoras, o que tem impacto direto na criação de políticas públicas. “Aqui tem uma questão de gênero bem difícil. Mulher sendo vista só pelo viés de família”, explicou. A cientista social também disse que o uso do termo “liderança feminina” pode acabar excluindo mulheres lésbicas e transexuais, que também deveriam ser incluídas no público das propostas. “O preconceito já está colocado quando se pensa a política”, completou.
Jairo Jorge também fala em “promover a valorização e inserção profissional da mulher; o equilíbrio entre família e trabalho; a formação de lideranças femininas em todas as atividades.” No entanto, o candidato não explica de que maneira pretende executar as iniciativas. “Promover de que forma? Qual vai ser a política que vai ser implementada?”, questionou Leina. A inserção profissional da mulher já é um direito previsto pela Constituição Federal e também na Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). O foco das propostas, de acordo com a coordenadora do Coletivo, deveria ser outro. “Dá para se pensar estratégias a partir disso. Invés de dizer ‘promover a inserção’, dizer ‘garantir um número de creches’, uma forma de política pública.”
Miguel Rosseto (PT)
O plano de governo de Miguel Rossetto (PT) é o mais enxuto: em quatro páginas o candidato resume os objetivos de gestão. Entre as iniciativas do governo de Rossetto, está a reativação da SPM, que Leina aponta como positiva. Outra fala da coordenadora do Coletivo, desta vez negativa, se refere ao quesito saúde, onde a proposta cita somente “Violência Obstétrica”. Lena defende que o foco deve ser na criação de mais hospitais especializados no atendimento de vítimas de violência sexual e no aborto legal, onde o aborto é legalizado em casos de estupros, evitando o risco de vida da mulher. Segundo ela, apenas cinco hospitais no Rio Grande do Sul fazem esse tipo de atendimento, número insuficiente para a demanda do Estado.
Roberto Robaina (PSOL)
Em um plano de governo com 96 páginas, Roberto Robaina (PSOL) incluiu mais de 33 citações à mulher, além de itens específicos como desemprego, segurança pública, população LGBT, combate ao racismo estrutural e pessoas com deficiência. Robaina priorizou um item voltado somente com propostas para mulheres no qual está a “criação de um plano estadual de políticas públicas para mulheres e atitude pró-ativa no combate às formas de opressão incrustadas na sociedade”. Para Leina, construir políticas ouvindo mulheres é essencial. “A gente não quer que decidam por nós. A gente quer participar das decisões, então é importante ter esses espaços”, finalizou.
No Rio Grande do sul, onde a falta de preocupação com a realidade das mulheres está estampado na extinção de secretarias voltadas à esse núcleo, abre-se o questionamento sobre como os candidatos pretendem lidar com o tema futuramente. “Precisamos que as políticas que já existem sejam implementadas em sua totalidade. Precisamos ser ouvidas e reconhecidas. A gente não quer que decidam por nós”, disse Leina Peres Rodrigues com certa urgência na voz, demonstrando a vontade de manter a luta para os direitos das mulheres e a esperança de que o próximo governador do Rio Grande do Sul dê a devida importância para a temática.