Políticas públicas para mulheres: a efetividade das propostas dos candidatos ao governo do Rio Grande do Sul

Pâmela Bassualdo
2018/2
Published in
6 min readNov 9, 2018

Coletivo feminista de Porto Alegre avalia planos de governo que mencionam ações voltadas para as gaúchas

Mulheres são maioria entre a população do Rio Grande do Sul. Em 2016, elas contabilizavam 53,6% no Estado, de acordo com levantamento da Fundação de Economia e Estatística (FEE). As mulheres também são maioria entre os eleitores gaúchos, segundo o Cadastro Eleitoral do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), levantamento que aponta um total de quatro milhões e oitocentas mil gaúchas aptas a votar em 2018, representando 52,5% do total. No entanto, quando o tema é liderança política, há uma grande queda no índice de representatividade — entre as 497 cidades gaúchas, somente 34 são gerenciadas por mulheres, um total de 6,8%. Os dados são do “Perfil dos Municípios Brasileiros”, publicado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2017. Esta informação é apenas um pequeno reflexo da realidade das mulheres no Estado. Apesar dos avanços na sociedade desde 1927, ano em que a primeira mulher votou no Brasil, o caminho de políticas públicas voltadas para as mulheres ainda é tortuoso.

Em ano de eleição para governador do Rio Grande do Sul, na qual oito candidatos concorrem ao cargo, é momento de avaliar como as necessidades da mulher são vistas pelo poder público. Analisando os planos de governo dos candidatos em um debate com o Coletivo Feminino Plural, a discussão se volta para a validade e eficácia das propostas. O plano de governo é composto por projetos e ações que o candidato pretende desenvolver ao longo do mandato. A Secretaria de Políticas para Mulheres, redes de combate à violência e o papel de diferentes áreas na construção da igualdade de gêneros estão entre os assuntos abordados no planejamento de alguns políticos que disputam o governo do Estado.

Para garantir a neutralidade da reportagem, as propostas foram lidas pela coordenadora do Coletivo Feminino Plural, Leina Peres Rodrigues, sem que ela soubesse qual candidato elaborou as iniciativas. A metodologia foi utilizada para que cada análise fosse feita estritamente em relação à prioridade de políticas públicas relacionadas à mulheres, evitando que o debate se torne uma discussão partidária. O candidato Eduardo Leite (PSDB) não possui nenhuma menção à mulheres em seu plano de governo, assim como Matheus Bandeira (NOVO). Os planos de governo de Julio Flores (PSTU) e Paulo de Oliveira Medeiros (PCO) não foram localizados até 16 de setembro — prazo do fechamento desta reportagem.

Direitos femininos em pauta

Fundado no ano de 1996 em Porto Alegre, o Coletivo Feminino Plural é uma organização feminista não governamental criada por um grupo de mulheres identificadas com a luta pelos direitos e cidadania de mulheres e meninas. O coletivo é coordenado por Leina Rodrigues, mestra em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Leina disse que é complexa a prioridade do próximo governador do Estado em relação à pauta feminina. A cientista política explicou que a igualdade de gênero (entre homens e mulheres) faz parte de uma diretriz internacional e que para atingir este objetivo é necessário implementar políticas específicas para mulheres.

Com o discurso de cortar gastos do Estado, a Secretaria de Políticas para Mulheres (SPM) foi extinta em dezembro de 2014 com maioria de votos na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul. De acordo com a nova estrutura de governo, a Secretaria do Desenvolvimento Social, Trabalho, Justiça e Direitos Humanos (SDSTJDH) passou a ser responsável pelo tema, por meio do Departamento de Políticas para as Mulheres (DPM). No entanto, Leina afirmou que retomar a secretaria é crucial para o reconhecimento dos direitos das mulheres dentro do sistema democrático. “A gente não quer que as políticas para mulheres sejam separadas de todas as outras — a nossa intenção é que todas as outras políticas garantam a igualdade de gênero. Sem a SPM a gente não consegue fazer nada porque não tem reconhecimento para intervir em qualquer outra política”, disse.

Os planos de governos e as análises do coletivo

Atual governador do Rio Grande do Sul e candidato ao cargo nas eleições de outubro, José Ivo Sartori (MDB) fez o projeto que resultou na extinção da Secretaria de Políticas para Mulheres (SPM). O plano de governo de Sartori, com 59 páginas, cita “qualificar as redes de atendimento à mulher, com fortalecimento da Patrulha Maria da Penha […]” A Patrulha Maria da Penha é um serviço da Polícia Militar do Rio Grande do Sul que faz visitas periódicas nas residências de mulheres com medida protetiva de urgência para verificar se a determinação judicial está sendo cumprida. Para Leina, somente a patrulha não garante o combate à violência, porém é uma medida importante. “A patrulha dá uma segurança para a mulher que está em uma hora de extremo risco. A violência contra a mulher é um problema de toda a sociedade. Não é só daquela mulher que está sofrendo violência.”

Outro trecho do plano de governo de Sartori cita “fortalecer e ampliar o Programa Mediar como instrumento de justiça restaurativa no âmbito das delegacias de polícia, com foco na redução da violência doméstica”. Justiça restaurativa é a mediação entre a vítima e o ofensor, os colocando em um ambiente guardado por segurança física e jurídica para reparar os danos que ultrapassam a punição — danos emocionais, por exemplo. Leina explicou que a violência contra a mulher ultrapassa a proposta da justiça restaurativa, sendo a medida incoerente neste caso. “Não. Isso [a justiça restaurativa] é um perigo. A violência de gênero não pode ser restaurada porque a estrutura é muito maior. Não tem como pedir desculpas pelo o que se fez”, disse.

Jairo Jorge (PDT)

Candidato ao governo do Estado, Jairo Jorge (PDT) tem um plano de governo com 50 pontos divididos em 66 páginas, no qual cita a “formação de rede efetiva para a família com saúde, educação, área social e políticas de desenvolvimento com base na liderança feminina”. Segundo Leina, o movimento feminista tem lutado para desfazer este mito, que coloca mulheres somente como progenitoras, o que tem impacto direto na criação de políticas públicas. “Aqui tem uma questão de gênero bem difícil. Mulher sendo vista só pelo viés de família”, explicou. A cientista social também disse que o uso do termo “liderança feminina” pode acabar excluindo mulheres lésbicas e transexuais, que também deveriam ser incluídas no público das propostas. “O preconceito já está colocado quando se pensa a política”, completou.

Jairo Jorge também fala em “promover a valorização e inserção profissional da mulher; o equilíbrio entre família e trabalho; a formação de lideranças femininas em todas as atividades.” No entanto, o candidato não explica de que maneira pretende executar as iniciativas. “Promover de que forma? Qual vai ser a política que vai ser implementada?”, questionou Leina. A inserção profissional da mulher já é um direito previsto pela Constituição Federal e também na Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). O foco das propostas, de acordo com a coordenadora do Coletivo, deveria ser outro. “Dá para se pensar estratégias a partir disso. Invés de dizer ‘promover a inserção’, dizer ‘garantir um número de creches’, uma forma de política pública.”

Miguel Rosseto (PT)

O plano de governo de Miguel Rossetto (PT) é o mais enxuto: em quatro páginas o candidato resume os objetivos de gestão. Entre as iniciativas do governo de Rossetto, está a reativação da SPM, que Leina aponta como positiva. Outra fala da coordenadora do Coletivo, desta vez negativa, se refere ao quesito saúde, onde a proposta cita somente “Violência Obstétrica”. Lena defende que o foco deve ser na criação de mais hospitais especializados no atendimento de vítimas de violência sexual e no aborto legal, onde o aborto é legalizado em casos de estupros, evitando o risco de vida da mulher. Segundo ela, apenas cinco hospitais no Rio Grande do Sul fazem esse tipo de atendimento, número insuficiente para a demanda do Estado.

Roberto Robaina (PSOL)

Em um plano de governo com 96 páginas, Roberto Robaina (PSOL) incluiu mais de 33 citações à mulher, além de itens específicos como desemprego, segurança pública, população LGBT, combate ao racismo estrutural e pessoas com deficiência. Robaina priorizou um item voltado somente com propostas para mulheres no qual está a “criação de um plano estadual de políticas públicas para mulheres e atitude pró-ativa no combate às formas de opressão incrustadas na sociedade”. Para Leina, construir políticas ouvindo mulheres é essencial. “A gente não quer que decidam por nós. A gente quer participar das decisões, então é importante ter esses espaços”, finalizou.

No Rio Grande do sul, onde a falta de preocupação com a realidade das mulheres está estampado na extinção de secretarias voltadas à esse núcleo, abre-se o questionamento sobre como os candidatos pretendem lidar com o tema futuramente. “Precisamos que as políticas que já existem sejam implementadas em sua totalidade. Precisamos ser ouvidas e reconhecidas. A gente não quer que decidam por nós”, disse Leina Peres Rodrigues com certa urgência na voz, demonstrando a vontade de manter a luta para os direitos das mulheres e a esperança de que o próximo governador do Rio Grande do Sul dê a devida importância para a temática.

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