“Flexibilidade é o slogan do dia”
Este é o primeiro texto, de uma série de dois, com o objetivo de trazer um breve olhar sobre a transição da sociedade de produção para uma sociedade de consumo, do processo de globalização e do fenômeno do ciberespaço (e cibercultura) como fatores contribuintes para a não tão nova relação espaço-tempo, para a nova configuração do mercado de trabalho e da dinâmica profissional e como isso afeta (e se afeta) a atuação do designer no panorama atual.
A relação espaço-tempo
O dinâmico e acelerado processo de globalização aliado à desmaterialização da informação gera uma relação tempo-espaço na sociedade contemporânea. A globalização é um processo de transformação que vem tomando forma há muito tempo — provavelmente desde a época da colonização, ou antes ainda, com primeiro encontro entre diferentes culturas — , mas se tornou muito mais visível, próximo e acessível com o constante desenvolvimento dos meios de comunicação e de transporte. Isso conectou simbólica e fisicamente as diferentes culturas, levando, porém, ao mesmo tempo, às suas aculturações e à homogeneização. Talvez, o que mais cause impacto nas dinâmicas atuais seja a incrível capacidade das informações se fragmentarem, se integrarem, se transmutarem e, com isso, se deslocarem a uma velocidade imensurável.
Hoje, direta ou indiretamente e ativa e/ou passivamente a sociedade está em constante relação com a rede virtual, tornando o acesso a uma quantidade exponencial de informação cada vez mais presente, de maneira atemporal, extremamente veloz, deslocalizada e universal, de um certo modo. Como disse Bauman (2001):
A mudança em questão é a nova irrelevância do espaço, disfarçada de aniquilação do tempo. No universo de software, da viagem à velocidade da luz, o espaço pode ser atravessado, literalmente, em “tempo nenhum”; cancela-se a diferença entre “longe” e “aqui”: O espaço não impõe mais limites à ação e seus efeitos, e conta pouco, ou nem conta.
Nesse sentido, vale fazermos uma breve observação de como essa nova configuração reflete na dinâmica profissional atual em constante transição.
Pluralismo profissional e as identidades mutáveis
Antes era comum ingressar em um trabalho ou começar a trabalhar em uma empresa, por exemplo, com o objetivo de subir e conquistar patamares e cargos maiores dentro daquela empresa. O trabalhador planejava a sua carreira profissional para os próximos trinta ou quarenta anos de uma maneira muito linear e influenciada, também, pelo american way of life. Hoje, a cibercultura e a sociedade de consumo mudaram essa dinâmica. Produtos, viagens, experiências, aparências e status (em redes sociais, por exemplo) influenciam o modo de vida atual de tal forma que as nossas próprias identidades se tornaram fluidas e voláteis.
É possível perceber, ainda, que a dinâmica profissional caminhou junto com essa transição, de forma que o mercado não procura mais um profissional totalmente especializado em uma área específica, mas também um profissional flexível, capacitado para a multitarefa, para o “multitrabalho”, um profissional que consiga se adaptar às suas demandas de maneira veloz e eficiente.
“Flexibilidade” é o slogan do dia, e quando aplicado ao mercado de trabalho augura um fim do “emprego como o conhecemos”, anunciando em seu lugar o advento do trabalho por contratos de curto prazo, ou sem contratos, posições sem cobertura previdenciária, mas com cláusulas “até nova ordem”. A vida de trabalho está saturada de incertezas. (BAUMAN, 2001, p.169)
A demanda de formação não apenas conhece um enorme crescimento quantitativo, ela sofre também uma profunda mutação qualitativa no sentido de uma necessidade crescente de diversificação e de personificação. Os indivíduos toleram cada vez menos seguir cursos uniformes ou rígidos que não correspondem a suas necessidades reais e à especificidade de seu trajeto de vida. (LÉVY, 2000)
Sendo assim, esse pluralismo profissional demanda uma infinita busca por novas competências e para essa demanda o ciberespaço tem se tornado cada vez mais presente como meio de alcançá-las. Essa constante busca por capacitação-adaptação profissional em uma rede virtual global com fluxo intenso de informação tem flexibilizado a(s) identidade(s) da sociedade atual. As identidades se tornaram mutáveis, voláteis e, ao mesmo tempo, sempre incompletas, visto que a velocidade e o fluxo de informação são tão grandes que ficamos sempre “correndo atrás da linha de chegada”. Essas mudanças já são uma realidade — muito presentes em alguns lugares e ainda engatinhando em outros — , porém me questiono constantemente sobre o seu desenrolar e suas consequências, principalmente no campo do Design.
Em um próximo momento dessa série de dois textos trarei o meu olhar sobre a atuação do designer de acordo com as novas dinâmicas que estão surgindo no panorama profissional.
Referências
BAUMAN, Z. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.
CARDOSO, R. Design para um mundo complexo. São Paulo: Cosac Naify, 2013.
HALL, Stuart. A Identidade Cultural na Pós-Modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2004.
LÉVY, P. A inteligência coletiva: por uma antropologia do ciberespaço. 4. ed. São Paulo: Loyola, 2003.
LÉVY, P. Cibercultura. 2. ed. São Paulo: Editora 34, 2000