Sobre a constante busca por excelência

A motivação para o aperfeiçoamento constante é algo que vem de dentro.

Romulo Matteoni
2mldesign
9 min readMar 7, 2018

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Marin Cilic (esq.) reage ao choro emocionado de Roger Federer (dir.), vencedor do Australian Open 2018.

A foto que abre o artigo diz muito. Talvez, para os mais sensíveis, diga tudo que é necessário. Na imagem, temos Marin Cilic, um tenista que se encontra entre os melhores do mundo, sorrindo. Roger Federer, à direita, mostrava a emoção depois de mais uma final de campeonato. O que surpreende na imagem é que Cilic, o sorridente, havia acabado de perder a final para o suíço Federer, que amealhara a poucos minutos seu 20º título de Grand Slam. Completando 20 anos de carreira profissional este ano, o tenista de 36 anos de idade ganhava seu sexto Australian Open. Ainda assim, chorava como se fosse seu primeiro. Recordista em número de Grand Slams vencidos, em número de semanas na liderança do ranking mundial e com seu lugar garantido na história do esporte, ainda assim, ele chorava. Talvez, como especularam, por ser possivelmente seu último ano no tênis profissional.

Vendo de fora, muitos viram a irregularidade de seus resultados nas últimas temporadas como sinais de que o suíço havia perdido a motivação. Uma cirurgia o afastou do tênis por um bom tempo nos últimos anos. Muitos julgavam que ele só esperava um bom momento para se aposentar. Muitos pensavam: o que ainda motivava um dos maiores vencedores da história a continuar sacrificando seu corpo em torneios ao redor do mundo? O que o mantém ali?

Atletas vitoriosos tem em comum a determinação e a motivação. Obviamente, o talento e a fortuna tem não podem faltar. No entanto, a vontade de obter resultados e, com sua recorrência, marcar seu nome na história faz com que esses atletas se superem e superem outros concorrentes, por vezes tão ou mais talentosos. Essa determinação alimenta o sacrifício de aspectos da vida cotidiana em favor dos treinamentos, das repetições, dos exercícios, da dieta regrada, de tudo aquilo que contribua para que aquele atleta adicione um algo mais às suas habilidades.

“Não conte os dias. Faça os dias contarem.”

— Muhammad Ali

Talvez seja um pouco como Ali fala acima. Cada dia conta para obter os resultados no futuro. É uma construção constante. Talvez, com 20 anos de carreira, Federer tenha olhado para trás e lembrado de todo o sacrifício e de como ele foi traduzido em recordes e em mais um título de Grand Slam. Talvez…

A busca pela excelência é uma jornada individual. Ou melhor, sua propulsão vem de dentro. Vem de como cada um se coloca em cada coisa que realiza. Vem de como cada um se posiciona em relação ao mundo. Vem da necessidade de responder a uma questão constante: como posso fazer melhor isso que faço todo dia?

Como designer, gerente de projetos e professor, me vejo muitas vezes refletindo sobre a questão. Não só em relação à minha prática — sim, a frase parece muito canastrona a um primeiro olhar, principalmente para os que não me conhecem… — mas em relação aos meus alunos e colegas de trabalho. Como criar um ambiente em que a cultura da excelência se implante? Como fazer com que cada um tenha uma ética de trabalho que aponte para o aperfeiçoamento constante, para a análise constante de como as coisas são feitas e de como elas podem ser melhor realizadas?

A excelência vem de nossa busca por melhorar nosso modo de fazer o que fazemos todo dia, criando um jogo que põe em xeque nossa rotina e nos convida a experimentar estratégias, fazendo do cotidiano um exercício artístico sem fim. Exercício este no qual refletimos sobre a prática e projetamos melhores cenários de execução, usando a criatividade para prever caminhos, antecipar problemas e levantar ou revisar os recursos necessários para desenvolver as tarefas da melhor forma.

Sendo um formador e gestor de equipes, sempre tento negociar no dia a dia a forma como avalio os trabalhos entregues. O cuidado é o de não ser indelicado com o esforço empregado. Valorizar o positivo é sempre importante. Ao mesmo tempo, por outro lado, devo cuidar para não subestimar o potencial daquele fez o trabalho. Sempre há o que aperfeiçoar e nunca chegaremos ao estado de perfeição. É honesto analisar e apontar no trabalho tudo aquilo que pode vir a melhorar, que qualidades o autor já demonstra e que qualidades ainda podem despontar. Não só é honesto, como mostra que se valoriza aquele autor, dedicando tempo para olhar o trabalho e o contexto que o cerca, levantando os pontos em que desponta um brilho ainda pequeno e que pode ser lapidado. É a constante busca por esse estado de perfeição, no entanto, que marca nossa vida e nosso caminho.

“Por isso, quando alguém diz ‘fiquei muito satisfeito com você’ ou ‘estou muito satisfeita com teu trabalho’, é assustador. O que se quer dizer com isso? Que nada mais de mim se deseja? Que o ponto atual é meu limite e, portanto, minha possibilidade? Que de mim nada mais além se pode esperar? Que está bom como está? Assim seria apavorante; passaria a ideia de que desse jeito já basta. Ora, o agradável é quando alguém diz: ‘teu trabalho (ou carinho, ou comida, ou aula, ou texto, ou música etc.) é bom, fiquei muito insatisfeito e, portanto, quero mais, quero continuar, quero conhecer outras coisas’.” — Mário Sergio Cortella

No entanto, que qualidade apresento eu como gestor ou avaliador se em minhas práticas estaciono em uma zona de conforto? Como implementar uma cultura de busca por excelência se eu mesmo apenas repito as mesmas práticas e atitudes. Se eu mesmo não revisito aquilo que faço e não admito o erro ou falta, mais ainda, aquilo que me falta para atingir um estado de mais excelência. Sim, porque buscar a excelência é se desafiar à extensão. É se obrigar a ver a zona de conforto como zona proibida.

Podemos ser muito bons em algo. Mas não atingiremos a excelência se considerarmos aquilo um espaço confortável. Podemos ser talentosos na ilustração, mas se nos considerarmos bons o suficiente em algum momento e pararmos de nos exercitar, nunca saberemos o quanto poderíamos ser bons. O facilitador, o amigo, o mentor ou o parente que nos vê estacionados pode tentar nos motivar. Pode nos convidar a práticas que estimulem o trabalho com aquelas faculdades necessárias para aperfeiçoar determinada prática. Porém, a motivação na busca por excelência vem de dentro. De fora, vem o estímulo, a força que tenta nos tocar e esse estímulo pode assumir várias formas. Mas é de dentro que deve, em última análise, ressonar a motivação, a coceira para repetir, testar, experimentar e melhorar em cada aspecto daquilo que fazemos.

“O lado externo, portanto, o lado objetivo da motivação será o estímulo. Às vezes, esse estímulo pode vir na forma de um prêmio, de um retorno financeiro, mas também pelo reconhecimento da autoria ou da qualidade daquele profissional e sua contribuição para o todo da obra.” — Mário Sergio Cortella

“Há uma frase antiga segundo a qual ‘motivação é uma porta que só abre pelo lado de dentro’.” — Mário Sergio Cortella

Buscar a excelência é se movimentar, se mobilizar num sentido. É vencer a si mesmo em suas limitações. É ultrapassar hoje o que fomos ontem e nos deitar revisando as práticas para sermos amanhã melhores do que fomos hoje. É ir além.

“Uma pessoa motivada faz algo decisivo: ela procura excelência. A expressão latina excellens significa ‘aquilo que ultrapassa’, ‘aquilo que vai além’.” — Mário Sergio Cortella

Kobe Bryant (esq.) e Glen Keane (dir.) recebem o Oscar 2018 na categoria de Melhor Curta de Animação.

Exemplos não faltam. O esporte de competição, por se pautar pela conquista de resultados — mais rápido, mais alto, mais forte — é generoso em exemplos de atletas que incorporam a excelência. Atletas que não apenas correm atrás do aperfeiçoamento como explicitam em seus discursos a vontade de melhorar. Por esse motivo, se tornam referência, inspirando a muitos jovens atletas, não só a perseguirem suas conquistas, mas a irem mais longe.

“The most important thing is to try and inspire people so that they can be great in whatever they want to do.”

— Kobe Bryant

Kobe Bryant foi multicampeão da NBA. Ídolo dos Los Angeles Lakers, se tornou referência para outros atletas que o vêem como ídolo. Tipo pela crítica especializada como um dos melhores jogadores da história do basquete, Bryant não é tido como o jogador com maiores talentos atléticos — não tinha a maior explosão muscular, não saltava mais alto ou possuía o melhor tempo de reação. Admirador de Michael Jordan, mas sem possuir os mesmos dotes atléticos, Kobe aperfeiçoou seus movimentos, suas técnicas, estudou os melhores em cada aspecto do jogo e se tornou um dos maiores conhecedores do basquete. Mais importante: se tornou um dos melhores e mais completos jogadores, capaz de defender e atacar com igual expertise, de arremessar, enterrar e passar com excelência.

Ao se aposentar, Kobe escreveu na Players’ Tribune um poema de agradecimento ao esporte a tudo que proporcionou a ele. Esse poema foi motivo de uma animação de curta duração. Na cerimônia do Oscar de 2018, a animação foi agraciada com a estatueta de melhor curta de animação. Entrando em outra seara, não era difícil prever que sua competitividade seria transportada para outro ramo…

Às vezes, devemos sair da zona de conforto em momentos cruciais. Tomamos decisões arriscadas em momentos difíceis, na tentativa de obter resultados diferentes dos que estamos obtendo. Essa revisão constante de experiências anteriores, em diálogo com os recursos que possuímos, nos leva a arriscar, inventar, modificar os caminhos já treinados.

“Vocês viram um Doug Pederson (técnico campeão do Super Bowl deste ano) determinado. Um cara que arriscou em uma quarta descida. Um homem que foi para cima na quarta descida em um Super Bowl com uma trick play. Ele não estava jogando apenas para ser medíocre. Ele estava jogando por um Super Bowl. E não para com ele. Isso não para nele”, prosseguiu o center, inflamando o público. (fonte)

Super Bowl: por que não inverter a jogada, arriscando entregar a bola de volta ao outro finalista sem conseguir converter um único ponto? Talvez seja isso que diferencie um do outro.

Buscar excelência é buscar melhorar. É buscar significado. É inspirar. Constantemente. Qual o ponto de se limitar? Qual o ponto de estacionar? Qual o ponto de não buscar uma atuação de maior entrega àquilo que amamos fazer? Por que não sermos honestos conosco, e buscarmos exercitar nossas potencialidades em sua maior extensão? Qual o ponto de cultivar a mediocridade?

“Nosso maior medo não é o de sermos incapazes.
Nosso maior medo é descobrir que somos muito mais poderosos do que pensamos.
É nossa luz e não nossas trevas, aquilo que mais nos assusta.
Vivemos nos perguntando: quem sou eu, que me julgo tão insignificante, para aceitar o desafio de ser brilhante, sedutora, talentosa, fabulosa?
Na verdade, por que não?
Procurar ser medíocre não vai ajudar em nada o mundo ou os nossos filhos.
Não existe nenhum mérito em diminuir nossos talentos, apenas para que os outros não se sintam inseguros ao nosso lado.
Nascemos para manifestar a glória de Deus — que está em todos, e não apenas em alguns eleitos. Quando tentamos mostrar esta glória, inconscientemente damos permissão para que nossos amigos possam também manifestá-la.
Quanto mais livres formos, mais livres tornamos aqueles que nos cercam.”

— Marianne Williamson

Às vezes, não nos sentimos motivados para crescer. Às vezes, sentimos que não faz diferença melhorar naquilo que desenvolvemos em nossas rotinas. Às vezes, as condições de trabalho e a equipe ou direção da empresa não nos motivam, não nos recompensam por nossas conquistas ou pela boa realização de nossas tarefas. Às vezes, nos sentimos presos em práticas automáticas que não são apropriadas ao que temos potencial de realizar e nos abatemos. O estímulo muitas vezes não vem de fora. Temos que buscar nossa vocação, aquela atividade que nos faça nos motivar para crescer ou buscar na atividade que fazemos todo dia caminhos para melhoria, estratégias para aperfeiçoar nossa rotina de trabalho ou para otimizar nossas tarefas. Nos desafiar é um caminho para o aperfeiçoamento. Sermos insatisfeitos constantes é uma forma de encontrar a atividade que nos faça brilhar os olhos e de testar, quando não atingir, os nossos próprios limites, inspirando a todo o instante aqueles que nos cercam. Como disse um dos alunos ao Coach Carter, “nós todos fomos feitos para brilhar como as crianças”.

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Romulo Matteoni
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Gerente de projetos da /2ml design/, ansioso por pensar com a equipe soluções que vão fazer seus clientes alcançarem seus sonhos.