Sobre a imagem da obra musical

Ou: Por que lembramos do disco pela capa?

Rogério Souza
2mldesign
5 min readFeb 21, 2018

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Capas de discos sempre foram para mim, uma parte importante do conceito de uma obra musical.

Hoje, como Produtor Musical e envolvido com Audiovisual e Design, observo como o conceito do objeto, no caso o LP, se perdeu. Desde muito novo era fascinado por música e sabia que profissionalmente iria enveredar pela área. Minhas irmãs mais velhas gostavam de Rock e possuíam alguns discos. Tudo em minha vida mudou, quando ouvi pela primeira vez o álbum da trilha sonora da versão de Tommy, a ópera rock do The Who, dirigido por Ken Russel e produzido por Robert Stigwood.

Antes de ouvir o disco, a capa já havia criado em mim uma curiosidade. Eu tinha 6 anos de idade. Essa capa era assombrosa para meus pensamentos infantis, mas me levou a querer ouvir o conteúdo daquele disco, sem sombra de dúvidas. Sensação igual, só quando vi o filme ainda muito jovem também o que foi um marco para meu encaminhamento profissional.

“Sentimental music has this great way of taking you back somewhere at the same time that it takes you forward, so you feel nostagic and hopeful all at the same time.”
Nick Hornby, High Fidelity

A música e seus apaixonados…

Lembro de outras capas e de alguns posters. Frampton Comes Alive era uma delas e um pôster em tamanho real do tecladista Rick Wakeman também.

Como não podia deixar de ser, uma foto dos Fab Four também foi icônica em minha infância.

O mesmo aconteceu com o Led Zeppelin III, pois sua capa era uma colagem em forma de gatefold de um Designer chamado Zacron, uma espécie de artista multimídia que era amigo de Jimmy Page.

Como músico que me tornei e tendo feito parte de um projeto que envolvia a música feita pelo Led Zeppelin não pude deixar de me lembrar que a imagem sempre foi forte aliada do áudio. Grande parte dos discos que foram importantes em minha formação possuíam capas icônicas também.

Anos depois, já adulto descobri que algumas de minhas capas prediletas eram da mesma empresa, a Hipgnosis, capitaneada por Storm Thorgerson, responsável por capas antológicas.

The Dark Side Of The Moon — Pink Floyd
Houses Of The Holy — Led Zeppelin
Electric Warrior — T.Rex
Toe Fat — Toe Fat
Bad Company — Bad Company

Outro artista importante para o rock nos anos 70 foi o inglês Roger Dean, ilustrando as capas dos discos do Yes, Budgie, Greenslade, Atomic Rooster.

Não só no Rock as capas são uma arte tão importante quanto a música.

A Blue Note é uma das mais importantes gravadoras de Jazz do mundo.

Além de seu impecável catálogo musical, a empresa sempre se diferenciou pela arte das capas de seus discos, graças a parceria do designer Reid Miles com o fotógrafo Francis Wolff, tornando as capas atemporais.

Assim como a Blue Note tinha o designer Reid Miles e o fotógrafo Francis Wolff, a gravadora Elenco, criada por Aloysio de Oliveira, contava com César Villela na arte e Chico Pereira nos cliques, que com criatividade e poucos recursos, criaram uma identidade visual para a Bossa Nova.

O apelo visual é tão importante quanto o conteúdo musical. O que acelerou o processo de introdução da música em minha vida, sem dúvida, foram as capas dos discos citados, criando um mundo novo, cheio de cores e texturas diferentes. Em tempos sem internet e de pouco acesso a informação comprei muitos discos pela sua capa. Se a capa me chamava a atenção, possivelmente o conteúdo também seguiria o mesmo caminho.

Pensamento similar tem John Damroth, proprietário da Planet Records em Boston, como pode ser conferido na peça promocional do documentário que está sendo realizado por este que vos escreve.

Stuart Freedman, que também está presente no documentário, acredita que um LP é uma peça colecionável, diferente dos CDS, exatamente pelo apelo gráfico de sua capa e de sua capacidade de se tornar uma peça artística para muito além da música.

Uma capa icônica se torna referência. Vira camisa, vira pôster, vira tatuagem. Vira algo que te faça lembrar de um artista e de um momento. De uma música, de um sentimento. É a memória de uma época, é a referência a um momento da cultura de um povo.

As capas se tornam ícones de uma geração, gerando paródias e sedimentando seu lugar como retrato de uma época na cultura.

A arte não deve virar uma coisa passageira e servir de trilha sonora para lavar louça, varrer a casa ou qualquer outra coisa. A música merece toda a atenção no momento de sua degustação.

É esse sentido e a experiência de se ouvir uma obra musical em todo seu contexto, que me levaram a produzir de forma independente o documentário, intitulado Recording The Store, que procura entender o porquê dessa peça de arte (o LP enquanto mídia física) ainda ter importância para muitas pessoas que fazem da audição de um disco uma coisa especial.

Semana que vem tem estréia no blog da 2ml! Lucas nos trará seu primeiro artigo, falando sobre blockchain e design. Não perca!

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