Lana del Rey vai se tornar aquela sua tia conservadora

Ou você morre como um herói, ou vive o suficiente para se tornar o vilão.

Felipe Alves
300 Noise
5 min readOct 16, 2020

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Lana del Rey, miss republicana 2020.

Cigarros, cassinos, cocaína e um complexo amoroso envolvendo homens ricos com idade suficiente para ser o pai de seu pai. O enigma da cantora estadunidense tocou uma geração e, inegavelmente, impulsionou uma estética que mesclava sentimentos reprimidos, gangsters e, claro, uma vida com hedonismos de procedência duvidosa.

Lizzy Grant em seus dias de Trailer Park

Antes de o tumblr ser tomado com fotos em preto e branco de cigarros queimados pela metade e casais de jovens brancos acompanhados de frases de seu primeiro hit, Video Games, em 2012, Lizzy Grant tentava uma carreira crua, com demos que levavam proto-ideias do que viria a se tornar a cantora em Born To Die. Lizzy trazia consigo cabelos loiros, uma estética suburbana quase que metaforicamente afastada do glamour, focada em um american way of life recluso, preso apenas uma década atrás dela. Aquela primeira Lana del Rey estava se conflitando com o sonho americano e buscando o que a faria ser escolhida dentre as milhares de jovens cantoras que buscavam um espaço, quase que invisível, no mercado musical. Era o dilema financeiro alinhado com um nicho que passava despercebido pela mídia.

Em menos de 5 anos essa garota tímida retorna como Lana Del Rey tendo lido o clássico de Nabokov, Lolita, de cabo a rabo e se inspirando, de forma questionável, em uma vida de luxos, homens de terceira idade, joias caras, relacionamentos abusivos e um hedonismo que percorre estradas da Califórnia em um Ford Thunderbird. Claro, os contrastes do luxo trazem uma vida simples, condizente com a garota do trailer que ela tenta colocar como protagonista em seu idealismo.

Lana del Rey em um look meio duvidoso.

O balanço da figura que trilha seu caminho por Paradise e Ultraviolence, vai de uma jovem que carrega seu sentimento em busca de um ultrarromantismo perdido, que não mede consequências a um suprapoder imagético que domina e dá poder, dinheiro e luxúrias. Esse tipo de som tem um alvo claro e bate em uma geração que vive uma juventude que sonha com os excessos, mas está enclausurada em uma baia de segurança econômica e social. O dilema do sentimentalismo embriagado é combustível para se aniquilar na fantasia do sonho perdido.

A jovem Del Rey explorou seu som e sua imagem até perceber que a vida de uma pessoa apaixonada atinge sua maturidade e acaba misturando os delírios da juventude com a face dura de um amadurecimento sensual e pessoal. Nessa fase conhecemos uma cantora que deixa aquele véu da máfia de Florida Kilos e que pensa em uma fuga a dois, para uma vida nova que, talvez esteja fadada ao fracasso, ou a uma eterna nova tentativa. Em Honeymoon enxergamos o cabaré e ainda somos tocados pelo ultrarromantismo, mas de uma forma exaurida, quase que sendo preparada para o Lust For Life.

Lana del Rey rindo do Coronavírus

Amor, paz, redenção. O circuito da cantora relembra o passado, mas saindo para um caminho embaraçado, buscando a compreensão, sendo a nova mulher envolta em mistérios, que flerta com o passado e aquilo que não pôde ser consumido, como em White Mustang. Em Norman Fucking Rockwell, disco mais bem recebido pela crítica, a cantora mostra mais versatilidade e ousadia para sair de seu próprio personagem. A figura da jovem envolvida com homens perigosos, sedenta por uma vida embebida em vícios, jogos de azar e amores mortíferos já desapareceu. Existe uma distância simbólica que fica clara ao percorrermos sua carreira. Lana Del Rey se inclina para a poesia, se revolta com o mercado da música porque percebe que chegou a um ponto que não se rompe e se desafia a experimentar, na música, na estética e, claro, dando opiniões controversas. O que enxergamos é um museu daquilo que já não pode ser. A Sad Girl deu lugar para uma mulher firme em seus próprios princípios, por mais incoerentes que possam ser. Sua persona se diluiu daquela princesa rebelde com transtorno de Lolita.

Lana del Rey na sessão de autógrafos de seu livro de poesia

Recentemente, após alegar um ‘racismo reverso’, a cantora se mostra descontente com charts e a repercussão das músicas mais bem ranqueadas, questionando sua qualidade, relevância e sendo precipitada em discutir ‘qualidade’ em um assunto tão subjetivo e plural como a música. Poucas semanas atrás, Lana se envolveu em mais uma discussão virtual por conta de uma máscara de proteção facial que não era muito bem uma máscara e, de longe, servia para proteger alguma coisa. Os fãs repreendem e questionam, mas a artista ignora, não discute, segue seu lifestyle, dirigindo seu carro de forma irresponsável, ou twittando sobre os debates das eleições, sem muito se posicionar, claro. Não vamos tão longe, pois ainda estamos aguardando seu novo álbum, Chemtrails Over the Country Club, título que faz alusão a uma teoria da conspiração fortemente endossada por terraplanistas. Seria exagero acreditar que a cantora bote fé nesse tipo de coisa, mas nesses exageros da futura tia conservadora, não podemos deixar de notar a arte da capa de seu single novo, lançado hoje. Não sejamos precipitados, mas também não sejamos ignorantes:

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Felipe Alves
300 Noise

Este perfil é uma obra ficcional e o autor não se responsabiliza pelo conteúdo postado. Criador da @300noise escritor e coordenador de um certo prêmio de música