Uma quase crônica sobre a música de praia
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É interessante pensar sobre a música de praia e suas propriedades. Em primeiro lugar, temos que ter em mente que a música de praia é apenas música quando você mora no litoral e que ela só passa a ser música de praia quando você viaja para algum outro litoral que não o seu. A música de praia pode ser fortemente associada a falta de pertencimento.
Mas calma, não é só isso e muito menos isso em si. No caso, a música de praia costuma ter um poder de abstração ainda maior que a música de estrada, que nada mais é do que a parte introdutória para a música de praia. O que acontece é que nós, enquanto seres humanos, estamos mecanicamente trabalhando nosso cérebro para construir uma narrativa que comungue com o nosso inconsciente fantástico e pensamos através da abstração, sem nos darmos conta. Isso mesmo! Significa que ao pegar o carro para viajar estamos transmutando para um outro eu. A experiência é individual e pode ser compartilhada com aqueles que estiverem encarando a mesma viagem, o mesmo caminho e o mesmo escape. Na estrada, música de estrada, na praia, música de praia. Música para auxiliar em sua fuga pessoal. Não existe um gênero específico, não existe época certa e nem playlist universal para descer a serra e pisar na areia. Nesse aspecto, experiências podem marcar e imaginários podem criar a música perfeita para estar cruzando algumas encostas do litoral norte paulistano rumo a uma praia escondida por uma pequena trilha, entre barro e borrachudos.
Certa vez ouvi que a melhor música para se ouvir com os pés na areia de frente para o mar era Roxanne do The Police. Não existe uma fórmula, acredite. Se colocamos o Armandinho dentre uma das grandes figuras praianas no Brasil, isso se deve, somente, pela sua energia e aura de surfista do sul (classificação amplamente usada para classificar figuras que emanam a mesma energia por todos os litorais do país). E dentre essas conexões óbvias temos o reggae como uma imediata amarra entre o surfista, o maconheiro e a bermuda de tactel nas cores da bandeira jamaicana (amplamente comercializada e utilizada em qualquer local que tenha areia).
Aqui eu os transporto para uma situação praiana típica: uma família na areia com seu cooler com diversas latas de cerveja vazias formando uma pequena pilha para auxiliar o vindouro catador. Era um pai careca ostentando um curioso cavanhaque e dois pivetes de no máximo 10 anos. A mãe, mais afastada, deitava para pegar um sol nas costas. Ouvir conversa na praia é um hábito saudável, caso não saibam, então prestei atenção em um papo que começou no futebol e foi parar na crescente vontade daquele pai em ouvir a Quinta Sinfonia de Beethoven que ele carinhosamente apelidou de ‘a música do gato’ (não fique com essa cara, eu também não entendi) em uma caixinha de som de plástico que funcionava por cabo AUX. Essa era a sua música de praia. A sua fuga e sua falta de pertencimento ressoava em Dó Menor, junto com as cordas da Sinfonia. E quem mora na praia e está fadado a ouvir música na praia (e não DE praia, não confundir), também vai criar imaginários em que se possa ouvir algo completamente diferente, algo que não traga lembranças de casa, mas que as afaste suavemente, como uma brisa que vem junto com a marola dos Armandinhos, dos Stings, Tim Maias, Beethovens e outras figuras mitológicas da música para se ouvir à beira mar.