Da Matemática à Computação Gráfica: A Jornada de César Páris na Era Digital

Maria Sarrato
(+351) Bug Report
Published in
5 min readJun 30, 2023

Introdução

Licenciado em matemática pela Universidade de Coimbra, César Páris escolheu o ramo da computação gráfica no seu terceiro ano. Embora o ambiente da internet e da web ainda não estivesse muito desenvolvido em 1992, quando escolheu esse mesmo ramo, teve a oportunidade de começar a participar em grupos de discussão online, denominados Newsgroups e a frequentar talkers. Em Portugal participava no CyberEden mais tarde rebatizado por “Portugal Virtual”.

Participou em vários projetos como a página da Expo’98 (Fig.1), a primeira versão online do Jornal de Notícias (Fig.2) e sites para o Laboratório Nacional de Engenharia Civil (Fig.3), entre outros, sendo que os primeiros dois fizeram parte do seu projeto final de licenciatura, em 95.

Fig.1 — Página da EXPO’98 (Fonte: https://www.researchgate.net/publication/259949933_World_Wide_Web_at_CCGZGDV/figures?lo=1)
Fig.3 — Primeira página do Jornal de Noticias (Fonte: https://www.jn.pt/nacional/media/jn-online-nasceu-ha-20-anos--4702293.html)
Fig.3 — Versão da página o LNEC, em que César participou (Fonte:https://web.archive.org/web/19991128234132/http://www-ext.lnec.pt/LNEC/portug.html)

Ao falar das suas primeiras intervenções diz que um dos principais desafios era não existir ninguém com mais conhecimento na área a quem perguntar pessoalmente, ou seja, exigia um trabalho árduo de pesquisa. Ao contrário do que acontece nos dias de hoje, que basta ir ao Google e perguntar, os poucos motores de busca que então existiam, por exemplo, o yahoo, não tinham suficiente informação disponível. Os projetos desenvolvidos eram muito à base de pesquisa e tentativa-erro. Realça que uma das virtudes face à atualidade era a confiabilidade da pouca informação que existia, pois “íamos pesquisar diretamente à fonte original”. Outro desafio daquela época é que não existia webdesign, existiam designers clássicos que trabalhavam para o papel, mas era a estes que agora cabia a função de projetar toda a parte estética da página. A solução a este desafio surgiu com muito diálogo entre designers (que não tinham experiência na web). César, tentou sempre transmitir aquilo que funcionava na internet, o que era possível e as limitações que existiam naquele momento, como as cores, por exemplo. Nesse momento, conseguiu perceber que existia uma fronteira entre o que era o design e a usabilidade digital daquilo que era a ferramenta tecnológica. Todas estas ocasiões e episódios fizeram com que se distinguisse nesta área, pois conseguia fazer a relação entre as pessoas que programavam e as que concebiam. Por último realça que como não existiam editores html, o desenvolvimento de todos os projetos era muito difícil, pois tinha de ser tudo feito à mão.

Episódio Caricato

Um dos episódios caricatos na carreira de César Páris, esteve no contexto do projeto do Jornal de Notícias, que relembra, iria ser o primeiro jornal Português a ter uma edição online permanente com notícias. Uma vez que muito do seu público era emigrante, estava garantido um certo número de pessoas que iriam pagar por isso. A edição online foi lançada e, todos os dias pela manhã, um responsável do JN colocava as notícias do dia no template que foi desenvolvido. Durante os primeiros tempos, todos os dias de manhã César fazia questão de consultar a página do JN. Conta que um dia a página apareceu completamente desformatada, mas rapidamente percebeu que o responsável por colocar as notícias, tinha por engano apagado um dos sinais de maior (>) que fechava as-tags. Uma vez que a linguagem ainda se encontrava em evolução, muitos dos browsers não interpretavam a página corretamente. Uns mostravam tudo corretamente , ignorando o erro, já noutros era completamente desformatada, por este motivo, muitas das vezes não se dava conta do problema de imediato.

Prontificou-se a ajudar remotamente e explicou que bastava editar o ficheiro na linha “x” e atualizar o documento, no entanto percebeu que todas as atualizações de notícias eram feitas fora da sede do JN, porque o responsável respondeu que não podia fazer essa alteração imediatamente, pois tinha que ir a casa e fazer a mudança no seu computador pessoal. Ou seja o Jornal de Noticias, que tinha a sua própria versão online, não tinha qualquer ligação modem instalada na sede. “Achei piada na altura porque no fundo era algo ainda mais primitivo do que eu achava. Devido a toda a logística, naquele dia a página ficou à espera de ser atualizada até à hora de almoço” concluiu.

Episódios relevantes

Outro episódio marcante pelo qual passou, foi um projeto na Malásia, onde estava a ser desenvolvida uma plataforma para dinamizar o ensino nesse mesmo país, principalmente nas zonas rurais. Era uma plataforma com algumas valências semelhantes ao atual moodle, com o objetivo das pessoas não se terem de deslocar às grandes cidades para terem oportunidade de frequentar o ensino. Daqui iria “nascer” uma universidade com suporte na internet. Neste projeto, diz que era o “mais pequeno”, mas que foi um privilégio poder ter estado no mesmo painel dos melhores autores de livros de computação gráfica do mundo que já tinha lido. Ter discutido soluções com as figuras mais marcantes da computação gráfica “foi um episódio marcante do ponto de vista profissional para começar a levar as coisas mais a sério e achar que realmente tinha capacidade para fazer muitas coisas nesta área”. Ainda neste seguimento, realça que foi aprendendo como lidar com críticas no ambiente profissional/laboral, foi aprendendo que existem críticas com fundamento e outras sem fundamento. Há dois caminhos distintos. Ou se reconhece que algo não está bem feito e se tenta aprender ao máximo com alguém que saiba mais ou se contra-argumenta com base no conhecimento que temos.

Lições do passado para o futuro

Desde que começou a usar os newsgroups, percebeu que as coisas iriam mudar rápido e drasticamente. Uma vez que fez o estágio de fim de licenciatura no Centro de Computação Gráfica, da Universidade de Coimbra, um centro que se considerava estar sempre na vanguarda da tecnologia. Na altura, no fim dos anos 90, já se trabalhava em teleconsultas, realidade virtual em tempo real. Dadas todas estas experiências pelas quais passou, começou desde muito cedo a ter consciência das mudanças que o planeta iria passar e o impacto que a tecnologia ia ter.

Ao falar de todas as mudanças que surgiram, destaca que as mudanças mais relevantes foram sem dúvida a interatividade e a personalização. Acha preocupante o facto de haver informações sobre uma pessoa, espalhadas por todo o lado. No entanto, também acha que dá um certo conforto porque quando visitamos um site é mostrado aquilo que cada indivíduo gosta.

Destaca ainda dois princípios fundamentais para o sucesso contínuo desta era digital, e daqueles que desejam fazer contribuições neste campo: estar atualizado sobre as tecnologias que vão surgindo e aprender com os melhores. E a todos que queiram contribuir com algo neste campo, diz para não esperarem o ótimo, mas para irem fazendo. Termina reiterando “Aprendam com os melhores e mantenham-se atualizados”.

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