Quem sou eu?

Ellen Neuschwanstein
365 dias com ela
Published in
6 min readJun 16, 2018

Eu sou inconstante. Essa talvez seja a coisa mais constante em mim. Se eu voltar a esse texto em duas semanas, ou até mesmo duas horas, eu vou querer reescrever ou apagar. De quem eu estava falando?

Eu prefiro as perguntas do que as respostas.

Eu sou paulistana, nascida e criada na periferia, numa viela sem saída com casas inacabadas, um córrego podre e um matagal no final. Eu era a filha do xerife. Era assim que chamavam meu pai. Nós tínhamos a maior casa da região, eu tinha o que comer, o que vestir, não tinha que trabalhar. Era um lugar feliz. Ou talvez eu prefira a lembrança das brincadeiras na rua até tarde e da hospitalidade dos amigos leais ao som estridente dos tiros de mais um acerto de contas que fez a quermesse da vizinhança acabar.

Hoje eu moro na Avenida Paulista, em um dos bairros mais nobres que quem vive em São Paulo pode escolher morar. Ou não pode. Mas eu posso. E isso diz muito. Eu sou branca e privilegiada. De onde eu vim, não se falava disso, e eu demorei muito pra entender o que poderia significar. Mas essa tour de ascensão social e privilégio vai ficar pra outro dia, outro texto, outro lugar.

Eu estudei em uma escola testemunha de Jeová onde eu jamais conseguiria me encaixar, em outra onde tentaram me esfaquear, e em uma faculdade com gente que ganhou carro de presente dos pais aos 18 anos enquanto eu passava quase 5h no ônibus pra ir e voltar. Eu não cabia mais na periferia, mas definitivamente não cabia naquele novo lugar. Acho que todo mundo já teve esse sentimento de não pertencer, não se encaixar. De todas as sensações, pra mim a mais familiar.

Eu lembro do meu primeiro velório. Aos 7. Um tio avô distante que me disse que eu lembrava o irmão da minha mãe que também já estava morto. Aos 10, meu avô. Aos 11, um outro tio, esse mais próximo. Aos 12, minha mãe. Aos 13, minha avó. Parei de contar. Tudo que eu era também estava morto, não estava mais lá.

Isolamento. Solidão. Trauma. Depressão. Pânico. Ansiedade.

Eu sou muito fã da Christina Aguilera. É, eu sei, parece um pulo no texto. Não é. Vai fazer sentido quando eu escrever sobre isso. Não hoje.

Não sei se teria texto se não tivesse ela. Não sei se teria eu.

Eu… Ainda é muito estranho escrever em primeira pessoa. A ficção te dá o distanciamento pra atribuir todas as suas feridas a novos donos, sem ter o peso da exposição pra carregar. A ficção ME dá… As MINHAS feridas… Vai ser difícil me acostumar. Mas isso é sobre mim. Precisa ser. Custe o que custar.

Eu vivo espremida pelo tamanho do meu ego e da minha insegurança. Eu sou insegura. Eu tenho medo de falhar. Eu não gosto de nada que eu faço. Eu preciso de alguém pra me validar. Eu não me importo com a opinião dos outros. E eu me importo desesperadamente. Tudo ao mesmo tempo.

Eu escrevo porque eu amo, eu publico porque eu preciso. Eu estou fazendo isso por mim? E se ninguém gostar? E se ninguém ligar? Por que importa?

Eu gosto de sentar no cantinho, onde ninguém me vê. Mas eu amo a atenção. Eu não me conformo que ninguém fez nada no holocausto, mas eu desvio de pessoas que vão me pedir coisas na rua. Eu uso fones e me isolo neles. Eu odeio quem acha que o mundo está chato por causa do politicamente correto, mas eu não quero ter minha liberdade artística censurada. Eu defendo a democratização da arte e da música, mas não tem um cantor desafinado no meu Apple Music. Eu não suporto a rotina, mas não mudo de emprego há anos. Eu odeio a meritocracia, mas não consigo deixar de admirar quem se esforça muito pra chegar “lá”. Eu não acredito que existe “lá”, mas continuo andando rumo a esse lugar. Eu preciso viver o momento, porque o futuro… e aí eu vivo o futuro, de novo e de novo. E já fiz isso antes. Me culpo. Vivo o passado. Tudo menos o presente.

Eu sempre ouvi que era muito inteligente. Uma parte de mim tem certeza disso, outra luta muito pra acreditar. Eu sempre fui uma voz pras pessoas que tinham medo de falar. Eu sou eloquente. É fácil falar pelas pessoas. É por elas, não por mim. Eu quero ser revolucionária, e ainda assim quero que gostem de mim. Eu preciso da paz, mas vivo em busca do caos.

Eu vivo num apartamento bonito, grande, decorado com os móveis que eu queria. Eu tenho quadros de Orange is the new black, Black Mirror, Mulholland Drive, Gia, Cisne Negro, The Overnight. Eu tenho funkos trazidos de New York e San Francisco. Eu tenho porta-retratos de uma viagem pra Boston, outra pra Los Angeles, Maine, Orlando, Filadélfia… Eu tenho um violão, um teclado, uma guitarra, livros, CDs… Eu tenho um emprego de segunda a sexta, tranquilo e que eu sei como fazer. Eu tenho um namorado que está comigo, aconteça o que acontecer. Eu tenho dois cachorros que eu sempre quis. Eu tenho uma janela com uma vista deslumbrante que vive nos stories dos amigos. Uma janela onde eu me pego muitas vezes olhando pra fora, entediada e vazia, incapaz de me sentir feliz. Nada disso é suficiente. Será que algum dia, alguma coisa vai ser?

Eu preciso ser o suficiente pra mim. Eu não sou. Ainda não sou.

Talvez eu prefira as perguntas porque eu não tenho as respostas. Eu escrevo em busca delas, e de mim mesma.

Meus amigos me chamam de Marília Gabriela meets Cortella porque eu transformo tudo numa conversa mais profunda. Talvez eu devesse fazer um “quem sou eu?” mais simples. Ninguém tem tempo de ler tudo isso. Algo como:

Eu tenho 28 anos, transtorno de ansiedade desde os 12, crises de pânico, TOC e fobias. Sou produtora de TV e editora de texto por contrato, escritora por vocação. Eu amo música e sou eclética, a maioria dos meus textos tem trilha sonora. Queria muito ser uma cantora dessas divas internacionais que não erram uma nota. Sou feminista, pró-aborto, bissexual, progressista, mais à esquerda, adoro discutir política e sociologia, tenho 3 tatuagens, cabelo tingido, pouco ou nenhum senso de moda, zero interesse em consumo, Gêmeos com ascendente e lua em Áries, sou expert em numerologia e consultora de ano pessoal dos amigos íntimos. Amante da cultura pop, colecionadora de memes e gifs, fluente em sarcasmo e em humor queer. Escrevi um piloto de uma dramédia independente que será gravado em breve. Assisto mais séries do que eu deveria, menos do que eu gostaria. Tenho uma pilha de livros que não terminei de ler, choro em filme como se fosse num velório, e dou risada em velório como se fosse num filme de comédia trash. Amo SP. E NY. E o Leste Europeu vai entrar pra essa lista quando eu tiver dinheiro pra conhecer. Eu chego atrasada em tudo, sempre. É minha assinatura. Faço terapia, peço reembolso, nem sempre chega. Não sou organizada com finanças. Sou de humanas. Queria dar ração pra minha cachorra na hora certa todo dia. Vivo oscilando entre me importar muito com tudo e tocar o foda-se. Ou como disse um teste do Buzzfeed que fiz outro dia: “Você é o famoso: ‘Estou feliz e puta’.”. Vou falar sobre tudo isso aqui. Ou talvez não. Eu não sei o que eu vou falar.

Eu deveria apagar todo o começo, deixar só isso. Mas não vou. Eu criei uma única regra pra esse blog e, por mais que eu odeie regras, essa eu vou respeitar: Nada vai ser apagado, mesmo que eu precise de um poço sem fundo pra me esconder depois de postar.

Se você leu tudo isso você me conhece muito agora. Ou quase nada. É como eu disse, em duas semanas ou duas horas tudo isso vai mudar.

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