Existem duas mulheres dentro de mim e elas não me deixam trabalhar

Daniela Kopsch
3Devi
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3 min readApr 25, 2018

Hoje eu escrevi duas linhas e parei. Era o início de uma história sobre sentar-se para escrever e não passar de um par de linhas porque tudo o que está ao redor é mais importante e urgente como é importante e urgente tirar o pó da casa e depois aplicar um sérum de skincare e depois ler os links de textos salvos e esquecidos no Facebook. Eu queria fazer uma piada dizendo que na minha rotina de escrita sempre existem 300 coisas a serem feitas antes de começar de fato a escrever e pretendia investigar o motivo de por que procrastinamos tanto.

Mas quem sou eu para falar sobre meu processo criativo? Ninguém quer saber isso. Então eu parei essas duas linhas e percebi que eu queria falar de outra coisa: queria falar da batalha épica travada dentro de nós entre uma fada benevolente e maravilhosa e uma bruxa feia, julgadora e má. Eu as chamo de Ruth e Raquel, mas elas também são conhecidas por ego.

Como eu disse, Raquel é uma bruxa feia e má. A pele está oleosa porque ela não usa o sérum de skincare há vários dias, essa relaxada, preguiçosa, fútil, consumista e irresponsável que gasta 99 reais em um sérum de skincare que vai ficar acumulando pó no armário do banheiro porque ela também não é capaz sequer de usar um espanador de pó todos os dias, coisa que qualquer pessoa minimamente zelosa e asseada faz e que levaria apenas 20 minutos, mas ao invés disso ela perde duas horas no Facebook assistindo as pessoas sendo produtivamente bem-sucedidas enquanto ela deveria estar fazendo o mesmo. Se tivesse algum talento.

Ruth, por outro lado, é uma fada maravilhosa. Ela é especial. Seu rosto tem um brilho especial que a destaca na multidão. Seu especial ponto de vista é completamente original, impulsionado por uma mente brilhante e altamente inovadora, que merece ser valorizada. É só uma questão de tempo até que o mundo descubra seu talento raro e então vai chover propostas de livros e filmes e séries que provarão finalmente o que estava tentando dizer este tempo todo. Depois de alguns prêmios e muito dinheiro, tudo ficará esclarecido: ela é especial.

A luta entre as duas é uma coisa violenta. Eu não aconselho a nenhum ser humano que olhe para dentro de si. É uma visão verdadeiramente horrorosa: dedo no olho, chute no peito, cabelo arrancado, vale tudo. Normalmente, o resultado disso é que uma delas assume o poder: deixando-me deitada em posição fetal, sofrendo de uma inferioridade paralisante ou — igualmente pior, consumida de sonhos delirantes que não levam a nada. O meu propósito é dominar as duas, tanto quanto possível para que reine o silêncio e eu possa trabalhar. Nesses dias eu consigo escrever mais do que duas linhas.

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