Histórias íntimas: sexualidade e erotismo na história do Brasil. Um livro crucial de Mary Del Priore.

Débora Garcia
3Devi
4 min readJun 18, 2018

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Estou lendo um livro curiosíssimo escrito pela historiadora Mary Del Priore. Ganhei de presente da querida Clelia Bessa, há umas semanas atrás. Revela um certo olhar voyeur ao espiar pelo buraco da fechadura as intimidades dos brasileiros desde o Brasil Colônia. Há tantos aspectos interessantes para serem compartilhados sobre o livro, mas pra não bancar a spoiler, preferi selecionar para esse artigo alguns detalhes em especial que me chamaram a atenção ao longo da leitura.

Foram os produtos dedicados, a partir do período republicano no Brasil, ao embelezamento do corpo da mulher. Se no Brasil Colônia o corpo era algo a ser coberto, castigado, vigiado, subjugado ou negligenciado no que se referia ao erotismo e mais adiante, no período monárquico, os véus e mantos da igreja ainda permaneceriam fortes no talhar das danças do acasalamento, com a proclamação da República, o país passa a respirar ares mais ousados que insinuavam a queda do muro da repressão, como lembra Del Priore em um dos capítulos da obra.

E é nesse momento onde uma certa nação "altaneira" e "viçosa" vai se forjando que o corpo ganha também mais interesse dos olhares antes pudicos, agora um pouco mais incisivos e lascivos, moldando seu gosto por isso ou por aquilo nas alcovas burguesas e populares. Vejamos, então, os tais produtos dos quais falava há pouco:

O Colete Phrynêa, por exemplo, que tinha o papel de dar “soberana perfeição às linhas do corpo”. Claro que às custas de muito sacrifício, dificuldades de respiração e locomoção, sem contar o impacto gerado na coluna das pobres moçoilas que eram vítimas, digo, usuárias de tal invento.

Já as Pílulas Orientales prometiam nada mais, nada menos que “aformosear os seios”. Vejam que no anúncio é importante que as mulheres consigam as verdadeiras pílulas encontradas na Rua da Alfândega no centro do Rio, importadas de Paris. Não as de imitação. Outro detalhe que chama a atenção é a frase: “tratamento fácil de se seguir em segredo”. Imagino o quanto não se varria pra debaixo do tapeta naquela época. Naquela época?? Hum, hum… Bem…Até hoje.

Enquanto isso, o Vibrador Veedee dava ao corpo uma forma arredondada, sinônimo de “belleza”, mas também poderia ser usado, graças à sua versatilidade, na cura de moléstias como reumatismo, gripe e problemas digestivos através da trepidação que produzia em diferentes partes do corpo. Uia. Haja criatividade!

Vibrador Veedee

Já o Sabão Aristolino, popular na década de 20, amaciava a pele e também era antisséptico. Uma verdadeira panaceia ao alcance de quem o adquirisse. E a Água Oxigenada de Custer servia para lavagens internas e externas, colocando na moda a higiene íntima, antes artigo de luxo nos períodos históricos anteriores no Brasil.

Incomodada ficava a sua avó. Oops, acho que nós também!

As mulheres de hoje podem ter se livrado de alguns desses produtos curiosos e algozes do passado, mas muitas vezes ainda escorregam nas mãos da indústria da beleza, mutilando partes do corpo, enfrentando o bisturi para reduzir medidas, tomando remédios moderadores de apetite que alteram severamente o humor e vivendo à base de dietas extenuantes para corpo e alma. Ainda. Sim, ainda em busca de um corpo ideal que provoque o desejo do outro e que, ao mesmo tempo, menospreza ou desconsidera o que veio de fábrica, no original, como se sempre faltasse algo ou precisasse de constante aprimoramento para ser digno de atrair a atenção ou afeição de alguém.

Perspectivas históricas como essas descritas no livro da Mary Del Priore são bons lembretes pra puxar nossas orelhas e apontar para os nossos pecadilhos recorrentes que não têm preferência de tempo histórico para se manifestar simplesmente porque habitam, sorrateiros e insidiosos, dentro de nós.

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Débora Garcia
3Devi
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Editora do https://medium.com/3devi. Sócia-diretora da Elektra Conteúdo. Tenta entender que mundo é esse e contribuir pra que a passagem por aqui valha a pena.