O nome “Invisível” — e, sim, a chance de fugir um pouco do vento frio da rua — me chamam para dentro do centro cultural. Acho curioso ter sido o mesmo onde na última aglomeração antes do primeiro estado de emergência eu assisti justo a uma conferência sobre As Coisas Fundadas no Silêncio. Porque agora, nessa Exposição Invisível, o que há exposto é… som.
Fones em punho, vou percorrendo as salas com plugs ou alto-falantes e mais nada nas paredes. Horas antes meu olhar rente à grama do jardim da biblioteca seguia as abelhas, os passarinhos, um bebê de 2 anos correndo atrás da bola verde e preta antes de se jogar à espera das cócegas da mãe. Hiperestesia é uma palavra técnica e também bastante poética. Minhas terminações nervosas parece que ganharam quilômetros extras de mais cedo até agora, a textura do tecido estampado de passarinhos que me cobre o nariz e a boca, o branco da sucessão de salas, tudo formiga amplidão.
Rio sozinha do balé desajeitado que improviso com a dupla de senhoras mais à frente a fim de respeitar as normas de distanciamento social. Abro e fecho as cortinas divisórias cinzentas, volto ao ambiente sonoro anterior. Elas seguem adiante. A música clássica matematicamente alterada se mistura à mescla de tiros e tapas do artista inglês e à contagem ano a ano até um milhão das salas adjacentes e eu penso se terá sido proposital. “Escutura”, sim, mais um nome para o caderno de anotações.
À saída sinto ainda estranhamente ampliados o ar azul da rua, o sotaque dos passantes, as cores da loja de linhas onde passo para buscar a meada vermelha que acabou. Gasto dinheiro miúdo, 3 nas invisibilidades, 1 e 40 para o fio no tom exato com que quero bordar. Já quase comparando ao que logo me espera, já quase retesando o corpo para o solavanco da passagem brusca entre quase inverno e eterno verão.
